postado em 18/07/2010 10:19
Muito antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, eles já se moviam pela África, com sua interpretação distorcida e ultrarradical do Corão, as armas em punho e as máscaras disfarçando o ódio. Em 1993, guerrilheiros islâmicos emboscaram as forças norte-americanas que tentavam capturar generais aliados ao senhor da guerra Mohammed Farrah Aidid, em Mogadíscio. Os somalis derrubaram dois helicópteros Blackhawk e, após uma batalha de 15 horas, mataram 19 norte-americanos. Cinco anos depois, em 7 de agosto de 1998, caminhões-bomba explodiram diante das embaixadas dos Estados Unidos em Dar es Salaam (Tanzânia) e em Nairóbi (Quênia). Pelo menos 301 pessoas morreram nas ações. No último dia 11, homens-bomba foram pelos ares diante de multidões que assistiam à final da Copa do Mundo em telões, em um restaurante e em um clube de rúgbi de Kampala (Uganda).Os ataques custaram a vida de 74 civis, muitos deles estrangeiros. Especialistas creem que os homens leais a Aidid, na Somália, receberam treinamento e financiamento da rede Al-Qaeda. A organização de Osama bin Laden também assumiu as explosões no Quênia e na Tanzânia. A facção Al-Shabaab (A Juventude, em árabe) reivindicou a autoria da carnificina em Kampala. Segundo especialistas, esse grupo também mantêm fortes laços com a Al-Qaeda.
Enquanto o mundo paira os olhos sobre o Afeganistão, o Paquistão e o Iraque, a África apresenta-se como uma espécie de coluna vertebral da Al-Qaeda. ;A ameaça terrorista está crescendo rapidamente no continente;, alerta o cingalês Rohan Kumar Gunaratna, autor de Por dentro da Al-Qaeda: rede global de terror e analista do Instituto de Defesa e de Estudos Estratégicos de Cingapura (IDSS). Em entrevista ao Correio, por e-mail, ele admitiu que os homens de Bin Laden operam em parceria com a Al-Shabaab no leste e no Chifre da África. ;A menos que uma coalizão internacional alveje a Al-Shabaab e instale um governo na Somália, a penetração da Al-Qaeda se intensificará de forma significativa nos próximos anos;, adverte.
Nessas regiões, a Al-Qaeda encontra campo fértil para florescer e espalhar o caos. ;Grupos ligados à rede têm explorado o vácuo de poder de vários países e usam isso para penetrar na região;, explica o francês Jean-Charles Brisard, advogado de familiares das vítimas dos atentados de 11 de setembro e um dos mais renomados especialistas em terrorismo. Ele admite que o nível de ameaça é alto no Magreb (Marrocos, Argélia, Tunísia, Saara Ocidental e Mauritânia) e no Chifre da África, especialmente por causa da campanha da Al-Shabaab para expandir suas operações até países vizinhos e da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM), que foi bem-sucedido em unificar facções regionais.
Também por e-mail, Brisard lembra que a Al-Qaeda usava a África como base para recrutamento, na década de 1990. ;Várias regiões africanas têm se tornado paraísos para militantes da Al-Qaeda após a ofensiva no Afeganistão ; especialmente aquelas onde os governos têm pouco controle e legitimidade;, sustenta.
Expansão
No caso da Al-Shabaab, Jean-Charles Brisard revela que a afiliação dos líderes da facção à rede Al-Qaeda está bem estabelecida. ;A Al-Shabaab está promovendo uma forma violenta e desafiadora do islã;, diz o francês. ;O nível de cooperação e de assistência entre a Al-Shabaab e a Al-Qaeda tem aumentado ao longo dos anos, especialmente com a chegada de mujahedine (guerrilheiros islâmicos) treinados na região do Golfo Pérsico e com a provisão de armas e dinheiro para desestabilizar o país e se expandir;, acrescenta. Brisard afirma que o risco já não é apenas local, mas ganhou contornos regionais. Ainda de acordo com ele, a meta dos milicianos da Al-Shabaab é alcançar novos recrutas e aumentar o nível de ameaça. Por isso, o foco atual é Uganda, que, com o Burundi, colabora com 5 mil soldados para a Missão da União Africana na Somália (Amisom, pela sigla em inglês).
O noruguês Stig Jarle Hansen, especialista em Somália e em Iêmen, acredita que, com o atentado mais recente, a Al-Shabaab pretendia enviar uma mensagem a Uganda de que pode alvejá-la dentro de seu próprio território. ;O ataque coincidiu com rumores de que simpatizantes da Al-Shabaab estavam infiltrados entre os soldados ugandeses da Amisom;, observa. Hansen admite que membros da célula da Al-Qaeda responsável pelos massacres na Tanzânia e no Quênia se integraram profundamente à Al-Shabaab.
O líder do grupo seria Fazul Muhamed, natural do Comoros, que se beneficiaria do grande poder de mobilidade. Menos alarmista que Gunaratna e Brisard, Hansen minimiza o potencial de perigo do grupo islâmico. Segundo ele, a Al-Shabaab tem pontos frágeis importantes. ;Além de numericamente fracos (são cerca de 7 mil), estão próximos do mar e são dominados pelos EUA;, comenta, referindo-se à dificuldade de se impôr uma rota de fuga. No entanto, Hansen alerta que a Al-Shabaab doutrina uma nova geração de recrutas, ensinados a pensar e a agir como a Al-Qaeda.