postado em 20/07/2010 08:21
Uma vasta, complexa e desordenada rede ;ultrassecreta; foi criada após os ataques de 11 de setembro de 2001 para alimentar de informações a guerra ao terror lançada pelo então presidente, George W. Bush. Estimulada pelo medo de que os Estados Unidos se tornassem mais uma vez alvo de atentados, pela inabilidade em se antecipar aos terroristas, essa teia se expandiu sem controle. Hoje, nove anos depois, gera muito mais informação do que o governo é capaz de absorver. Também permite que um número sem precedentes de pessoas tenha acesso a dados de inteligência e que as mesmas funções sejam desempenhadas por dezenas de agências. Tudo isso a um preço exorbitante para o Estado, e com eficácia questionável.Segundo o jornal The Washington Post, que trouxe na edição de ontem a primeira reportagem de uma série intitulada A América ultrassecreta, cerca de 854 mil pessoas ; número quase 50% maior do que a população da capital americana ; têm hoje acesso a dados classificados ;top secret;. A imensa rede, destrinchada ao longo de dois anos por 20 repórteres do Post, é formada por 1.271 agências do governo e 1.931 empresas privadas, espalhadas por 10 mil pontos dos EUA. ;O mundo ultrassecreto que o governo criou tornou-se tão vasto, tão difícil de manobrar e tão secreto que ninguém sabe quanto custa, quantas pessoas estão envolvidas, quantos programas existem nem quantos serviços diferentes executam a mesma tarefa;, aponta o texto.
Todas as agências e empresas mapeadas estão ligadas a pelo menos um dos 45 organismos citados, entre eles a Casa Branca, o Departamento de Estado, a Agência Central de Inteligênvia (CIA), o FBI (polícia federal) e os diversos comandos das Forças Armadas. É no Departamento de Defesa que se concentram mais de dois terços dessas ligações. ;Houve tanto crescimento desde o 11 de setembro que abarcar (todas as informações) é um desafio, não apenas para o diretor nacional de inteligência como para qualquer indivíduo, para o diretor da CIA, para o secretário de Defesa;, afirmou ao Post o próprio secretário de Defesa, Robert Gates.
A reportagem revela que 50 mil relatórios de inteligência são produzidos por ano ; e muitos são simplesmente ignorados. Nesses levantamentos, contudo, estão informações vitais, como os dados sobre o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab, que tentou explodir um avião que ia para Detroit, no último Natal. ;Foi a falta de foco, e não de informações, que esteve no cerne do tiroteio em Fort Hood (na base militar) que deixou 13 mortos, bem como na tentativa de atentado a bomba no Dia de Natal;, destaca o jornal. Além disso, ainda há o que o Post chama de ;redundâncias administrativas;, como o caso de 51 agências em 15 diferentes cidades que desempenham a mesma função de monitorar a circulação de recursos das redes terroristas.
Em comunicado, o diretor nacional de Inteligência interino, David Gompert, disse que a reportagem ;não reflete a comunidade de inteligência que conhecemos;. Insistiu que as reformas realizadas desde 2001 ;melhoraram a qualidade, quantidade, regularidade e velocidade de nosso apoio aos responsáveis de política, soldados e defensores do território;.
Interpretação
;Eles estão razoavelmente perdidos, há uma quantidade muito grande de agências fazendo o mesmo serviço. Quem teria de coordenar isso seria o Departamento de Segurança Nacional, só que eles têm muitas brigas entre agências;, diz a especialista Cristina Pecequilo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ela lembra que, inclusive no 11 de setembro, os EUA já tinham nas mãos as informações sobre o atentado, mas não conseguiram interpretá-las a tempo de impedir o ataque. ;Esse é um fenômeno que está se agravando nos últimos anos: eles têm muita informação e não sabem o que fazer com ela. Ainda há sobreposição de funções e a iniciativa privada se intrometendo.;
Para o professor Mark Katz, da George Mason University, o ponto mais crítico é esse mesmo. ;Estão sendo produzidos muito mais relatórios do que a quantidade que pode eventualmente ser lida. Talvez alguns erros pudessem ter sido evitados se os relatórios certos tivessem chegado às pessoas certas. Outros poderiam ter sido evitados se os relatórios errados não tivessem sido lidos;, opina. Segundo Katz, o governo ajudaria a si mesmo se aumentasse o controle sobre esse império de inteligência. ;Mas como isso seria feito? Qual grupo cederia seu lugar para outro? Essa questão burocrática é o grande obstáculo;, afirma.
Fora de controle
Investigação do jornal The Washington Post expõe o gigantismo do aparato antiterrorismo criado depois dos ataques de 11 de setembro
Números de uma batalha subterrânea
1.271
organizações governamentais e 1.931 empresas privadas trabalham em programas relacionados ao contraterrorismo
10 mil
locais espalhados pelos Estados Unidos são usados por esses programas
854 mil
norte-americanos mantêm permissões de segurança ultrassecretas
33
complexos de inteligência ultrassecreta têm sido construídos desde setembro de 2001, nas imediações de Washington. Juntos, somam 157 ha de área
50 mil
relatórios de inteligência são publicados a cada ano ; boa parte deles é ignorada com frequência
51
organizações federais e de comandos militares, operando em 15 cidades dos Estados Unidos, rastreiam o fluxo de dinheiro das redes terroristas
US$ 75 bilhões
foram gastos no setor de inteligência em 2009
20%
das organizações governamentais existentes para rechaçar a ameaça terrorista foram remodeladas ou criadas depois de 10 de setembro de 2001
16,5 mil
funcionários integram atualmente o Pentágono. Em 2002, o Departamento de Defesa dos EUA mantinha 7,5 mil empregados
As principais conclusões
;O mundo secreto demais que o governo criou tornou-se tão vasto, tão difícil de manobrar e secreto que ninguém sabe quanto custa, quantas pessoas estão envolvidas, quantos programas existem, nem quantos serviços diferentes efetuam a mesma tarefa;
;Após nove anos de despesas sem precedentes (...) o sistema instaurado para deixar os Estados Unidos protegidos se tornou tão denso que é impossível conhecer sua eficácia;