postado em 21/07/2010 08:22
O governo afegão quer ter controle pleno sobre a segurança do país até o fim de 2014. Para isso, propõe que metade da ajuda internacional comece a passar pelo orçamento governamental e que seja buscada a cooperação com talibãs que aceitem deixar a insurgência. O novo plano para o Afeganistão foi apresentado pelo presidente Hamid Karzai durante a Conferência de Cabul a representantes de 70 países, que respaldaram o texto. Para a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o encontro marcou ;uma virada;: pela primeira vez, o governo de Karzai apresentou um projeto detalhado para assumir o controle total do país.No documento final, o Executivo afegão se compromete a aumentar a ;transparência; e o combate à corrupção, apresentando, por exemplo, os prazos e objetivos dos programas econômicos que pretende lançar com o financiamento internacional. Também assegura que vai declarar todos os bens dos altos funcionários e tornar públicas as nomeações. Os países presentes, por sua vez, assumiram que, nos próximos dois anos, destinarão 80% da ajuda aos projetos considerados prioritários por Karzai.
Reunido em Washington com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, o presidente Barack Obama considerou o texto assinado em Cabul um ;grande passo adiante;. ;Apoiamos firmemente os planos do presidente afegão para a transição;, declarou. O premiê britânico elogiou o ;realismo; da proposta, que ;representa um avanço extraordinário;.
Em Cabul, Hillary disse acreditar que a comunidade internacional está ;muito comprometida; com o programa, que estaria ;em conformidade; com os planos americanos para a ocupação, que já dura nove anos. A secretária de Estado, no entanto, não perdeu a oportunidade de dar o crédito ao seu governo pelo ;avanço;. Segundo ela, a chegada de Obama ao poder permitiu que o governo afegão retomasse a iniciativa e apresentasse uma estratégia detalhada. ;Washington aumentou amplamente os esforços para treinar o exército e a polícia do Afeganistão;, disse.
Diante das delegações de 70 países, Karzai prometeu cumprir com as mudanças propostas no documento. ;Sigo decidido a fazer com que nossas forças de segurança sejam responsáveis por todas as operações militares no país até 2014;, declarou. O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar liderada pelos EUA), Anders Fogh Rasmussen, anunciou que militares estrangeiros continuariam no país, mesmo após o período de transição, para garantir ;apoio; às forças locais. Cerca de 140 mil militares internacionais, sendo dois terços americanos, estão no país para ajudar na luta contra os talibãs, que vêm ganhando terreno há quatro anos. Em Londres, já haviam sido prometidos US$ 140 milhões para o plano de reinserção de rebeldes.
Talibãs
A conferência ratificou o ;programa de reconciliação; que já havia sido discutido em Londres, no início do ano. Ele prevê a cooptação de talibãs que combatem por dinheiro, e não por ideologia. O governo de Karzai planeja gastar US$ 780 milhões, nos próximos cinco anos, para reintegrar cerca de 36 mil insurgentes. Em Londres, já havia sido prometidos US$ 140 milhões para o plano de reinserção.
Apesar da disposição do governo afegão e da comunidade internacional, a desmobilização dos talibãs não será fácil. Em carta interceptada pelas forças estrangeiras, o chefe supremo da milícia, Mohammad Omar, determina a execução dos ;colaboradores; do governo Karzai. Essa política divide opiniões nos EUA e nos países aliados. Uma fonte diplomática americana garantiu ao jornal britânico The Guardian que abrir um diálogo com a insurgência, por meio de canais sauditas e paquistaneses, é uma opção, mas que ;será muito confusa e pode levar anos;.
; Guerra ao terror já consumiu mais de US$ 1 tri
A ;guerra ao terror; iniciada logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 é a segunda mais cara da história dos Estados Unidos. A ofensiva contra os extremistas islâmicos, que já custou US$ 1,15 trilhão aos cofres americanos, só perde em despesas para a Segunda Guerra Mundial. Nela, os EUA gastaram US$ 4,1 trilhões, em valores atuais ; apesar de, na época, ter custado US$ 296 bilhões. Os dados são do relatório Custo das Principais Guerras dos EUA, elaborado pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, que compara os valores gastos nas guerras ao longo de mais de 230 anos, desde a Revolução Americana.
O levantamento, contudo, destaca que a comparação pode provocar distorções, já que uma ;época é muito diferente da outra;. ;Talvez um problema mais significativo é que as guerras parecem mais caras com o tempo, uma vez que a sofisticação e o custo da tecnologia avançam, para as atividades militares e civis;, afirma o texto. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA em cada época, a Segunda Guerra consumiu 36%, enquanto o combate ao terror representa apenas 1% do PIB do país.
Os gastos excessivos, entretanto, não teriam surtido bons resultados, segundo a baronesa Eliza Manningham-Buller, ex-chefe do MI5, o serviço britânico de inteligência. Segundo ela, ao menos no Iraque, a guerra causou um aumento significativo da ameaça terrorista no Reino Unido. Em declarações a uma comissão que investiga o envolvimento britânico no conflito, a baronesa ; que assumiu a direção do MI5 2002, antes da guerra ; explicou que seus serviços tiveram dificuldades para fazer frente ao número de ameaças após a intervenção.
;Nosso envolvimento no Iraque radicalizou uma geração de jovens ; não uma geração inteira, mas alguns dessa geração ; que considerou nosso compromisso no Iraque e no Afeganistão uma agressão ao islã;, explicou. Segundo ela, a guerra permitiu que diversos jovens nascidos no Reino Unido fossem seduzidos pela ideologia da rede Al-Qaeda. ;Em 2003 e 2004, nos demos conta de que não tínhamos que nos centrar nos estrangeiros. A crescente ameaça vinha de cidadãos britânicos. Era um cenário muito diferente daquele de tentar impedir que as pessoas entrassem (em território britânico);, disse.
; Análise da notícia
A aposta é de Obama
Silvio Queiroz
Se os planos traçados pela conferência de doadores vão funcionar, é uma pergunta à qual o tempo responderá. É certo, porém, que eles dão forma operacional à abordagem política que Barack Obama preconizou para o Afeganistão desde a campanha presidencial de 2008. Em resumo, trata-se de uma visão segundo a qual o conflito tem raízes nas contradições de uma sociedade desestruturada pela ocupação soviética, nos anos 1980. A solução, portanto, não se resume a uma vitória militar sobre os talibãs e a Al-Qaeda, como previsto na ;guerra ao terror; de George W. Bush. Ao contrário, ela exige a construção de um Estado democrático, que inclua também os fundamentalistas dispostos a jogar pelas normas.
O aval internacional ao presidente Hamid Karzai para atrair todos os setores possíveis ao processo de reconciliação política é contraparte ao pacote de ajuda econômico-social que respalda o cronograma de retirada das forças estrangeiras até o fim de 2014. Esse arcabouço foi negociado no último ano e meio pelo enviado especial de Obama para o Afeganistão e o Paquistão, Richard Holbrooke ; o mesmo que, no governo de Bill Clinton, arquitetou o acordo de paz para a Bósnia-Herzegovina.
A própria noção de abordar Afeganistão e Paquistão como um ;pacote;, que ganhou o apelido de ;Afpak;, em inglês, é coerente com a concepção geral da missão de Holbrooke. Ela reflete a visão de seu assessor especial, o scholar de origem iraniana Vali Nasr, que vê no engajamento político-diplomático de todos os atores relevantes ; inclusive o regime islâmico iraniano ; o caminho possível para tirar os EUA das duas guerras nas quais foi envolvido pelo governo Bush.