postado em 25/07/2010 08:42
Para acabar com o conflito bilateral entre seu país e a Colômbia, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, sugeriu às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que deixem o caminho das armas. Segundo ele, ;a estratégia armada; dos grupos guerrilheiros tem servido de ;pretexto; para as trocas de farpas entre o seu governo, o do colombiano Álvaro Uribe (1)e o dos Estados Unidos ; que ele insiste em chamar de ;império ianque;. E para demonstrar que o mundo não é mais o mesmo dos anos 1960, quando as guerrilhas de esquerda começaram a lutar pelo poder na Colômbia, Chávez recordou alguns exemplos no Brasil e na região. ;Aí está Pepe Mujica (ex-guerrilheiro Tupumaro, presidente do Uruguai), está Daniel (Ortega, presidente da Nicarágua), está Evo (Morales, presidente da Bolívia), está Lula e estará Dilma (Rousseff), enfrentando as oligarquias e o imperialismo;, destacou Chávez em uma audiência formada por sindicalistas latino-americanos.;A guerrilha colombiana deveria considerar seriamente o chamado que lhe fazemos. O mundo de hoje não é o mesmo dos (anos) sessenta. Deveriam reconsiderar sua estratégia armada. Acho que não há condições na Colômbia para que eles, em um prazo previsível, possam tomar o poder;, disse em um ato público divulgado pela televisão estatal na noite da última sexta-feira. O mandatário venezuelano completou que a luta armada serve de desculpa para os Estados Unidos ;penetrarem; na Colômbia e ;agredirem os países vizinhos;.
No mesmo dia, em um ato público em Pernambuco, Lula afirmou que vai conversar pessoalmente com Chávez em uma visita a Caracas, prevista para 6 de agosto, e que estranha o fato de o presidente colombiano, Álvaro Uribe, ter feito uma denúncia contra o país vizinho na Organização dos Estados Americanos (OEA) pouco mais de um mês antes de deixar o governo. ;As Farc são um problema da Colômbia e acho que deve ser tratado pela Colômbia. Os problemas da Venezuela devem ser tratados pela Venezuela;, completou Lula.
Em uma turnê pelos países latino-americanos, Juan Manuel Santos, o presidente eleito da Colômbia, prefere a tática do silêncio e da discrição até assumir o cargo em 7 de agosto. Ele reuniu-se, ontem, com Laura Chinchilla, presidente da Costa Rica, e fez declarações públicas, sem tocar no tema da tensão entre Colômbia e Venezuela.
Mais acusações
Ontem, fontes policiais colombianas revelaram ao jornal venezuelano El Universal que ;os máximos representantes das Farc se reuniram com funcionários venezuelanos de 2002 a 2009;. As evidências dos encontros estariam no computador de Luis Edgar Devia, um dos líderes guerrilheiro conhecido por Raúl Reyes.
Ao todo, os policiais tiveram acesso a 1.145 documentos com referências à Venezuela, incluindo antigos funcionários do governo Chávez. Entre eles, estariam textos e imagens sobre a presença de familiares de Marcos Calarcá na Venezuela, que ;representava; as Farc no México até ser expulso, em 2002, pelo presidente mexicano Vicente Fox. Atualmente, Calarcá seria o porta-voz internacional da guerrilha.
Os documentos mencionados pelos policiais estabelecem as coordenadas de três acampamentos das Farc no noroeste do território venezuelano: o Bolivariano, o Ernesto e o Berta Santrich (veja gráfico). Segundo o embaixador colombiano para a Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Alfonso Hoyos, essas provas foram entregues a Chávez ;há muitos anos; e ele não teria dado ;nenhuma resposta; sobre o caso. Hoyos ressalta que a guerrilha estaria nos quatro estados venezuelanos que fazem fronteira com a Colômbia: Zulia, Táchira, Apure e Amazonas.
1 - Ataque por necessidade
O presidente colombiano, Álvaro Uribe, pediu ontem a seu ex-ministro da Defesa e sucessor na Presidência da República, Juan Manuel Santos, que consolide a ;segurança democrática; e explicou que o ataque de seu exército contra a guerrilha das Farc, em 2008, no Equador, foi realizado ;por necessidade;. Uribe fez essas declarações ao realizar um balanço da atuação do Ministério da Defesa nos oito anos do seu mandato.
Desafios e oportunidades
Silvio Queiroz
A leitura de cada uma das partes envolvidas ; direta ou indiretamente ; pode ser ligeiramente diferente, mas ;desafio; e ;oportunidade;, como no ideograma chinês para a palavra ;crise;, são as noções que balizam a nova crise diplomática entre Venezuela e Colômbia. O rompimento de relações, anunciado por Hugo Chávez na última quinta-feira, invadiu a agenda externa do presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos, que toma posse no próximo dia 7 e já vinha trabalhando ostensivamente em outra frente difícil, com o Equador. Quanto ao Brasil, que nos últimos oito anos intercedeu reiteradas vezes com os vizinhos às turras, tem pela frente um teste para a liderança regional que pretende exercer, mas igualmente se perfila como beneficiário mais imediato no campo econômico-comercial.
Foi em meio a uma bem-sucedida rodada de negociações com o governo equatoriano que a escolhida por Santos para assumir as Relações Exteriores, Maria Ángela Holguín, foi surpreendida pela tempestade na fronteira oriental da Colômbia. No mesmo dia em que o representante do país na Organização dos Estados Americanos (OEA) apresentava em Washington supostas provas da presença de acampamentos guerrilheiros em território venezuelano, a futura chanceler confirmava que o presidente do Equador, Rafael Correa, irá a Bogotá para a posse do novo colega, que esteve no centro do incidente que azedou suas relações com o governo de Álvaro Uribe, há dois anos. ;Isso foi uma manobra do Uribe e dos generais em sua volta para ;enquadrar; desde logo o novo governo;, disse ao Correio um diplomata latino-americano.
Ele se referia à decisão do presidente colombiano de levar o caso à OEA a praticamente duas semanas de deixar o palácio. ;Também não entendo o que deu na cabeça deles (Uribe e Chávez);, reforçou outro diplomata, que já serviu em Caracas e Bogotá e exibe familiaridade com o tema, inclusive com seu pano de fundo ; as quase cinco décadas de conflito entre o Estado e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O representante latino-americano chama a atenção para outro aspecto significativo da nova crise: a ameaça potencial ao Conselho de Defesa Sul-Americano, viabilizado em boa parte pelo prestígio empenhado pelo governo brasileiro para garantir a adesão colombiana.
Liderança regional
Também para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia reservado o último semestre de governo para trabalhar pela eleição da petista Dilma Rousseff para sucedê-lo, o novo contencioso entre o ;amigo Chávez; e o ;companheiro Uribe; exigirá uma ligeira mudança de planos. Lula e o ministro Celso Amorim vão trabalhar para que a disputa saia do âmbito da OEA ; onde predominam os Estados Unidos ; para o contexto sul-americano. Segundo a reportagem apurou, uma solução diplomática na esfera da União de Nações Sul-Americanas é considerada fundamental para consolidar a Unasul e o conselho. O contrário significaria deixar o próximo governo a missão inacabada de consolidar instâncias regionais idôneas e capazes de dispensar a intervenção de Washington.
De outro lado, porém, o boicote ao comércio com a Colômbia, adotado por Chávez desde o fim de 2008, oferece a empresas brasileiras vastas oportunidades. Ao longo do ano passado, as exportações colombianas para a Venezuela caíram 70%, e Chávez não fez segredo da opção pelo Brasil como fornecedor substituto. De maneira análoga, a diplomacia colombiana acentuou o viés econômico-comercial da relação bilateral com o Brasil, como ficou evidente pela indicação da nova embaixadora em Brasília, Maria Elvira Pombo, que viveu em São Paulo por 13 anos, foi cônsul e atuou com a Proexport, agência de promoção comercial que lhe permitiu cultivar laços firmes ; e oportunos ; nos meios empresariais, em particular com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).