Belo Horizonte ; O caso da iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani, 43 anos, condenada à morte por apedrejamento (ou lapidação), tem ganhado mais e mais repercussão ao redor do mundo. Um site (http://freesakineh.org) foi criado para dar força à campanha mundial e, até ontem, já tinha mais de 130 mil assinaturas. Várias celebridades, entre elas diversos brasileiros, engrossam o caldo da mobilização. A campanha tem surtido algum efeito e já mobilizou governos de alguns países ; inclusive o brasileiro ; a emitir comunicados contra a execução.
Depois de emitir uma nota por meio da embaixada iraniana em Londres, o governo da República islâmica voltou atrás e manteve a sentença. Na terça-feira, 13 de julho, o chanceler iraniano Manouchehr Mottaki garantiu que o crime de adultério, pelo qual foi Sakineh condenada, é passível de execução por meio do apedrejamento e que seria mantida.
Sakineh(1), mãe de dois filhos, é mantida atualmente na prisão de Tabriz, no Oeste do país. Rochelle Terman é representante da Campanha Global para o Fim da Morte e do Apedrejamento de Mulheres, entidade que busca mobilizar a opinião pública e pressionar o governo iraniano para abolição da prática brutal. ;A pressão internacional ao Irã ainda é um meio muito importante pelo qual as autoridades iranianas poderiam se convencer de reverter a sentença de Sakineh e acabar com o apedrejamento como forma de punição;, diz Terman.
A ativista explica que a notícia do iminente apedrejamento de Sakineh surgiu na mídia internacional em junho deste ano, quando seu advogado, Mohammad Mostafaei, publicou um artigo intitulado ;Sakineh no limiar do apedrejamento;. ;Desde então, muitas organizações de direitos humanos emitiram pedidos por ações, aumentando a cobertura da mídia. Isso também fez com que vários governos emitissem declarações contra a execução da sentença;, declarou.
O caso de Sakineh tem mobilizado milhares de pessoas em vários países não apenas porque expõe a crueldade da prática da lapidação, mas também porque sua sentença foi proferida de maneira bastante truncada e os juízes fizeram leituras subjetivas sobre o caso. Sakineh foi condenada em maio de 2006 por ter tido uma ;relação ilícita; com dois homens e sentenciada a 99 chibatadas. Em setembro de 2006, seu marido foi assassinado, e ela, declarada suspeita. Apesar de ter sido inocentada, o caso de adultério foi revisto. No interrogatório antes do julgamento, chegou a confessar sua culpa, mas depois alegou inocência e declarou que havia confessado sob ameaça. Outro fator complicador é que ela fala turco e não compreende bem o farsi, língua predominante no Irã.
Apelação negada
Terman conta que o advogado de Sakineh, Mohammad Mostafaei, apelou ao chefe do Judiciário local e federal, ao membros da Comissão de Anistia e Clemência para comutar a pena para outra que possibilitasse a ela retornar a sua vida e a seus filhos. A apelação foi negada duas vezes. ;Em casos anteriores, o aiatolá Shahroudi, ex-chefe do Judiciário no Irã, comutou sentenças de apedrejamento com aprovação do líder supremo aiatolá Khamenei;, relata, acrescentando que a pressão internacional já ajudou na derrubada de sentenças desse tipo.
A ativista destaca que a campanha tem alcançado destaque em muitos jornais e se espalha rapidamente pela internet. Por outro lado, Terman faz uma importante ressalva: ;Estamos perturbados pela crescente tendência dos debates públicos e na mídia que, de maneira acrítica, relaciona certas formas de punição, como o apedrejamento, ao islã como religião.; Segundo ela, isso reforça a visão enviesada de um público mal informado sobre o islamismo como ;uma religião bárbara ou retrógrada;, além de demonizar os muçulmanos. Para Terman, a mídia deve denunciar cos abusos aos direitos humanos, mas precisa evitar ;a visão supersimplista de relacionar o apedrejamento e outras formas de punição cruel e desumana com o islamismo;.
Terman também aponta que essa abordagem de condenação e preconceito contra o islamismo acaba por reforçar o poder e justificar mais opressão por parte de Estados que violam regularmente os direitos humanos, como o Irã, a Arábia Saudita e boa parte das ditaduras monárquicas do Golfo Pérsico. ;Essa visão está sendo usada por forças políticas extremistas que usam a religião para consolidar a dominação e o controle sobre as comunidades, especialmente sobre as mulheres. Isso contribui para agravar a situação dos direitos humanos, como a que testemunhamos atualmente no Irã, em que aqueles que denunciam e resistem às violações e aos abusos, estão sendo atacados e punidos por serem ;anti-islã;.;
1 - Dia de Sakineh
Cinquenta e oito representantes de organizações não governamentais de diversas partes do mundo assinaram ontem um documento transformando o 24 de julho em Dia Internacional de Sakine Mohamadi-Ashtiani. Para lembrar a data, foram realizadas manifestações em cidades de todos os continentes, exceto da África. No Brasil, a Liga de Humanismo Secular participou do evento, postando um texto em sua página, na internet.
Entrevista
Rochelle Terman, representante da Campanha Global para o Fim da Morte e Apedrejamento de Mulheres
Porque o governo do Irã foi tão longe neste caso?
Muitas figuras políticas e religiosas no Irã se opõem ao apedrejamento, por uma série de razões. Alguns acreditam que o apedrejamento não é previsto pela sharia e pela lei islâmica. De fato, em 2002, o chefe do Judiciário, aiatolá Shahroudi ordenou uma moratória das sentenças de apedrejamento, alegando que esse tipo de condenação degradava o nome do islã e da República islâmica e poderia ser abandonada independentemente de qualquer justificação religiosa. Entretanto, como o apedrejamento nunca foi retirado do Código Penal Islâmico, ainda é possível para alguns juízes continuar a condenar à morte por apedrejamento. Isso ocorre por causa da estrutura do sistema judiciário iraniano. Desde que o ultraconservador Mahmud Ahmadinejad tornou-se presidente em 2005, assistimos a um crescimento do número de casos de apedrejamento. Alguns ativistas iranianos especulam que alguns juízes maliciosos se sentem com mais poder para condenar indivíduos ao apedrejamento, já que se sentem menos passíveis de repreensão pelos superiores no governo.
Como a campanha contra o apedrejamento tem evoluído?
Há um crescente movimento contra o apedrejamento tanto no Irã quanto internacionalmente. A Campanha Pare Para Sempre com o Apedrejamento, uma iniciativa popular no Irã, tem instado as autoridades iranianas pêra revogar a lei de apedrejamento desde seu surgimento, em 2006.Nesse processo, também conseguiram derrubar várias sentenças e informar a comunidade internacional sobre o apedrejamento no Irã. Além disso, vários grupos ligados à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e outras organizações de direitos humanos, incluindo a nossa Campanha Global exortaram o Irã para abolir a prática. Apesar de o governo iraniano parecer inflexível para manter a política de apedrejamento, estamos esperançosos que a prática deverá ser banida em um futuro tangível se conseguirmos sustentar a pressão internacional ao mesmo tempo em que usamos outros meios para influenciar os processos legislativos e políticos dentro do Irã por meio do diálogo e do apoio a vozes progressistas no país.
Como está hoje a distância entre os costumes da população comum do Irã e a política de costumes imposta pelo regime?
O Irã é um país com mais de 70 milhões de habitantes. Como tal, existe um espectro incrivelmente grande de pontos de vista políticos e religiosos. Como vimos nas grandes demonstrações que se seguiram às eleições presidenciais de junho de 2009, sem dúvida existe uma distância entre a ideologia importa pelo atual governo iraniano e as crenças e normas do dia a dia da maioria da população. Este governo está rapidamente perdendo a legitimidade de um grande setor da sociedade, incluindo muçulmanos devotos. A questão do apedrejamento é um ótimo exemplo para ilustrar como esse governo tem usado "cultura", "religião" e "tradição" como desculpa para justificar punições cruéis e violentas, independentemente se esses atos terem qualquer raiz genuína na cultura iraniana ou islâmica. A grande maioria da população iraniana é veementemente contrária ao apedrejamento. Não há história de apedrejamento ocorrendo no país antes da Revolução Islâmica de 1979 e a maioria dos iranianos acham a prática revoltante. Apesar de muitos iranianos acreditarem que o adultério é moralmente errado (como muita gente ao redor do mundo), eles não acreditam que deve ser considerado como "crime contra o Estado", o que significa que o governo não pode impor a pena de morte para esse tipo de ato. É importante notas que no Irã, o adultério é punido com mais severidade do que a morte, e isso ofende a sensibilidade de grande parte dos iranianos.