postado em 27/07/2010 08:23
Ele já ocupou vários ministérios da Autoridade Palestina, entre eles o das Relações Exteriores, o do Planejamento e o da Cooperação Internacional. Como membro do comitê central do partido Fatah, integrou a delegação de negociadores dos acordos de Oslo e chefiou a primeira delegação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) nas Nações Unidas. Em 1974, acompanhou o então presidente Yasser Arafat em seu discurso histórico na Assembleia Geral da ONU. Aos 72 anos, Nabil Shaath tem dois doutorados -- em direito e em economia, pela Universidade da Pensilvânia. Atual chanceler do Fatah, tem se engajado em uma série de negociações com o Hamas, movimento que controla a Faixa de Gaza e se nega a manter qualquer tipo de diálogo com Israel. Na semana passada, ele esteve em Brasília e retornou a Ramallah (Cisjordânia) com a promessa de liberação de US$ 25 milhões para a Faixa de Gaza -- o projeto de lei que autoriza a doação foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, Shaath falou ao Correio durante 20 minutos.
O ministro do Fatah afirmou ser impossível chegar a um acordo de paz com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. "Ele continua a usar a oportunidade de negociar e de produzir nada, enquanto coloniza nosso país e retira um pedaço dele de nosso controle", desabafa. Shaath admitiu que o ataque israelense à flotilha humanitária Liberdade, em 31 de maio passado, foi positivo no sentido de mostrar que a resistência não violenta é eficiente. E chamou de "mentira monstruosa" a alegação de Israel de que a Faixa de Gaza não estaria enfrentando uma crise humanitária.
Segundo ele, um pacto de reconciliação com o Hamas é "absolutamente essencial", na medida em que determinaria a criação de um governo palestino de unidade nacional. O chanceler elogiou a posição "ativa" do Brasil em relação à América Latina e ao mundo árabe, mas descartou a possibilidade de Lula exercer uma mediação mais incisiva do conflito no Oriente Médio enquanto Netanyahu permanecer no poder.
Qual o motivo de sua vinda ao Brasil?
Vim ao Brasil para ajudar os palestinos e realmente angariar mais apoio à minha causa e ao meu povo, além de criar o desenvolvimento de relações entre os palestinos e o Brasil. É óbvio que o Brasil tem aumentado sua importância e influência no mundo, graças ao continente -- desenvolvido economicamente --, mas também graças ao presidente que vocês escolheram. Ele é muito ativo em estabelecer relações entre a América Latina e o mundo árabe; entre o Brasil, a Turquia, o Irã, a China, a Índia, a África do Sul. Então; Há uma influência crescente do Brasil e da América Latina. Portanto, em tempos difíceis, nós costumamos vir até amigos, como o Brasil, para dizer do que exatamente precisamos. Se ele pode nos apoiar, o fará. Não pedimos mais do que ele pode fazer.
Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode atuar como um mediador do processo de paz no Oriente Médio?
Não nesse momento. Não com um governo como o de (Benjamin) Netanyahu. Se houvesse um governo israelense mais progressista, então o papel do presidente Lula se tornaria importante. Mas o presidente Lula não pode trabalhar como mediador entre nós e o governo israelense mais extremista e de direita que já vimos. Mas ele pode atuar por meio de terceiros. Se não pode agir diretamente com os israelense, ele pode se focar na sua relação com os Estados Unidos, com a União Europeia, com os países árabes e com a China. Também como um bloco: o Brasil tem se tornado o representante do Sul. Sua relação com os países do Hemisfério Sul o tornou um líder desse domínio.
Com Netanyahu no poder, o mundo está mais distante do fim do conflito árabe-israelense?
Sim, não há dúvidas. Se o senhor Rabin (Yitzhak Rabin, ex-premiê de Israel) estivesse lá, as coisas seriam diferentes. O senhor Netanyahu continua a usar a oportunidade de negociar e de produzir nada, enquanto coloniza nosso país e retira um pedaço dele de nosso controle. Isso realmente não é uma modo de boa-fé de negociar.
Fawzi Barhoum, porta-voz do Hamas, disse-me que considera reatar com o Fatah, a fim de obterem uma posição unificada dos palestinos. Isso é possível? O Fatah cogita essa hipótese?
É claro. Não se trata de uma posição unificada. Trata-se de unificar totalmente o país, de termos um governo de unidade nacional, que inclua o Hamas e o Fatah. Eu acredito que isso é absolutamente essencial. Sem isso, será muito difícil alcançar muito para o povo palestino.
Quando os senhores acreditam que chegarão a um acordo de unidade?
Temos negociado por um ano, com a ajuda dos egípcios. Como resultado, temos um documento, chamado de "papel egípcio". Assinamos esse documento. Se o Hamas o assinar, começaremos sua imediata implementação sob os aspectos da reconciliação, da segurança, da reunificação das instituições palestinas e das eleições. Nós acrescentamos no documento nossa vontade de ir a um governo de unidade nacional, independente de quem vencer as eleições. Até o momento, o Hamas não o assinou. O Hamas tem reservas. E dissemo-lhes que consideramos essas reservas, para que possamos chegar a um acordo sobre elas e a um consenso onde quer que haja um veto. Até agora o Hamas não considerou isso suficiente para assinar o documento.
Qual é a situação do processo de paz no Oriente Médio? A implementação do mapa da paz é algo que possa ser colocado sobre a mesa e funcionar?
Nós podemos colocá-lo sobre a mesa, mas o senhor Netanyahu não o fará funcionar. O senhor Netanyahu não concordará com nada que trouxermos. O senhor Netanyahu não concordará com o que também concordarmos. O senhor Netanyahu não concordará com o acordo que ele assinar conosco. O senhor Netanyahu deseja começar do zero. E deseja construir acordos no processo. Isso não é um jeito de obter algo.
Então, sob o atual governo israelense, é impossível se chegar a um acordo sério?
Não impossível. Isso requer uma séria pressão norte-americana. Se o senhor Obama realmente exercer sua influência, o senhor Netanyahu será pragmático o bastante para ceder. Mas se o senhor Obama capitular ante as demandas do senhor Netanyahu, não haverá forma de termos a paz.
E como o senhor analisa a atual política da Casa Branca para o Oriente Médio?
É difícil para um presidente norte-americano ficar neutro. Israel é um protetorado dos Estados Unidos e uma ferramenta muito importante de sua política para o Oriente Médio. Não queremos que ele seja completamente neutro. Pelo menos que ele trabalhe de forma que torne a paz algo possível. É claro que o senhor Obama é muito melhor do que o senhor (George W.) Bush, mas ele não tem dado prioridade suficiente à nossa causa. Ele tem outras prioridades, penso eu. Se ele realmente fizesse o que o senhor (Jimmy) Carter fez, ou mesmo o que o senhor (Bill) Clinton fez, ele provavelmente nos empurraria rumo à paz. Ele tem as eleições em novembro (no Congresso). E isso tem se tornado a prioridade número 1 para ele. Infelizmente. Acreditamos que, mesmo sozinhos, se obtivermos algo nas próximas eleições (palestinas), voltaremos mais fortes. Eu espero.
Antes de se tornar presidente, Obama prometeu a paz a árabes e israelenses. Ele não tem feito o bastante?
Essas coisas não vêm apenas com um desejo. Ele precisa realmente usar sua influência para levar Israel a obter a paz. Não estamos pedindo a ele que empurre Israel para a guerra. Estamos pedindo que empurre Israel para a paz. Eu não acho que ele tem feito o suficiente.
As autoridades de Jerusalém desejam remover árabes que vivem próximo à Esplanada das Mesquitas para construir um parque bíblico judeu. Como o senhor vê essa questão?
Israel quer transferir nosso povo para fora de Jerusalém. Israel está construindo assentamentos e destruindo lares palestinos. E isso é contrário à lei internacional e aos acordos que assinamos até agora. Isso é parte do motivo pelo qual não desejamos ter negociações diretas com os israelenses. Até que eles parem a destruição dos árabes em Jerusalém. O que está ocorrendo em Jerusalém é um crime.
Há um ano e meio, Israel bombardeava a Faixa de Gaza e matava mais de mil palestinos. O Relatório Goldstone apontou uma série de violações. Houve impunidade?
Absolutamente. Os Estados Unidos não deixarão que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tome qualquer decisão com base no artigo 7. Os Estados Unidos até impedem o Conselho de Segurança de tomar qualquer decisão sobre o Relatório Goldstone ou sobre o ataque israelense a Gaza. Como eu já disse, há uma proteção absoluta de Israel por parte dos Estados Unidos. Os EUA não usam sua influência para deter as guerras israelenses, contra o domínio de Israel sobre Jerusalém ou contra a protelação de Israel em ir à mesa de negociações.
Então, os EUA estão fechando os olhos para o que tem ocorrido com os palestinos?
Absolutamente. Os Estados Unidos não dizem isso. Mas é um fato. Quando há algo que devia ser feito para que Israel se abstenha de fazer algo, os EUA não o fazem. No máximo, os Estados Unidos condenam Israel, criticam os novos assentamentos em Jerusalém. Mas não permitem nenhuma medida internacional que coloque pressão sobre Israel.
No mês passado, o presidente Mahmud Abbas foi recebido por Obama na Casa Branca. Que promessas surtiram desse encontro?
Nenhuma promessa, realmente. Os norte-americanos desejam que Abu Mazen retorne às negociações diretas (com Israel). Antes disso, quiseram o engajamento de negociações de proximidade, indiretas. Eles queriam fazer isso em quatro meses, para testar a disposição de Israel. Mas, depois de dois meses e sem nenhuma boa vontade por parte de Israel, agora o senhor Obama quer que o presidente Abu Mazen se engaje em negociações diretas. Sem qualquer termo de referência ou esclarecimento sobre o programa. Temos negociado diretamente por 18 anos! Provavelmente, o senhor Obama queira manter o processo de paz, mas não paz. Não queremos estar em um processo por mais 18 anos. Queremos a paz, baseada na construção e na independência de um Estado palestino, com Israel em paz e em harmonia. Queremos resolver os problemas das fronteiras, de Jerusalém, dos refugiados, do solo. Com as bases dos acordos que já firmamos até o momento, incluindo o mapa do caminho. Eu não vejo isso acontecendo.
Os EUA estimam que em 2011 haverá um Estado palestino independente. O que o senhor acha desse cronograma?
É óbvio que amaríamos ver isso ocorrer em 2011. Mas isso exige passos. Eu não vejo qualquer passo sendo dado nesse momento. Infelizmente, quatro meses de negociações diretas e de conversações próximas poderiam ter mostrado que isso é algo possível. Mas o senhor Netanyahu nada conseguiu.
O ataque israelense à flotilha humanitária turca, em 31 de maio passado, representou um retrocesso para a região? Isso tornou as coisas muito mais difíceis?
Por um momento, isso pôs pressão sobre Israel, por parte da opinião pública internacional, para suspender o bloqueio a Gaza. O que parece é que o mundo ficou chocado com o que Israel fez. Mas, agora que o tema se esvaeceu, Israel nada fez. Literalmente nada fez. O incidente, por um lado, foi positivo. Ele mostrou que a resistência não violenta, acobertada pelo apoio internacional, é eficiente. Não precisamos realmente ir à batalha com armas, para alcançar resultados, de ficar próximo a objetivos e mais perto de sua liberdade.
Israel insiste que a Faixa de Gaza não enfrenta uma crise humanitária;
Isso é uma mentira monstruosa . Você só precisa pegar seus amigos e ir até Gaza, por meio do Egito. Ou, se os israelenses querem provar que não existe crise humanitária, devem permitir sua entrada em Gaza. Vá até Gaza! Se eles consideram que crise humanitária é não ter pão, é óbvio que eles têm pão (em Gaza). Mas, em Gaza, você não pode pegar caneta, lápis ou papel para os estudantes. Não pode exportar nada do que é produzido em Gaza. Não pode pescar no mar de Gaza. Não pode cultivar sua terra em até 2km da fronteira. Você não pode trazer fraldas para as crianças. Não pode obter cimento, madeira, aço ou vidro para consertar as casas destruídas nos bombardeios israelenses.