Agência France-Presse
postado em 27/07/2010 15:34
Os restos mortais da mexicana Cristina Cialceta e do francês Yves Domergue, desaparecidos durante a ditadura argentina, foram identificados depois de passarem 34 anos enterrados como indigentes no cemitério de um povoado a 340km de Buenos Aires, anunciou hoje (27/7) o irmão de uma das vítimas."Encontramos meu irmão e a namorada. Foram identificados. Depois de 34 anos de desgraça, sentimos alívio por encontrá-los", disse à AFP Eric Domergue, 54 anos, o único da família que vive na Argentina.
A presidente Cristina Kirchner vai liderar amanhã uma homenagem às vítimas na Casa Rosada.
"Toda homenagem é merecida, pelo que eles foram, pelo que lutaram. Que isso sirva para que, por um instante, Yves represente os 30 mil desaparecidos" da ditadura (1976-1983), segundo estimativas dos órgãos humanitários, disse o irmão, emocionado.
Os corpos de Yves, um dos 18 franceses vítimas do terrorismo de Estado, e Cristina, uma das duas mexicanas desaparecidas, estavam no cemitério público de Melincué (340km a noroeste), um povoado rural de 2,4 mil habitantes na província de Santa Fé (centro-leste).
Tinham sido enterrados ali sem identificação em 29 de setembro de 1976, três dias depois de Agustín Buitrón, o dono de um terreno perto do local, já morto, ter encontrado as duas vítimas alvejadas em uma rodovia rural.
Depois de décadas de buscas, o círculo se fechou graças a habitantes do povoado de Melincué, entre eles um ex-funcionário judicial, Jorge Basuino, 61 anos, que foi atrás do caso ao longo dos anos, e a professora Juliana Cagrandi, 48 anos, que em 2003 instou os alunos do último ano da escola média a investigar o tema.
Estudantes e professores continuaram empenhados até serem atendidos na secretaria de Direitos Humanos de Santa Fé, que finalmente investigou o caso e encontrou pistas de Yves.
Em 5 de maio, Eric Domergue teve a confirmação de que um dos corpos era do irmão e há duas semanas o juiz de Melincué, Leandro Martín, 34 anos, anunciou oficialmente a identificação do casal.
Yves Domergue, nascido em 1954 na França, era o mais velho de nove filhos e se instalou de 1959 a 1974 na Argentina. Estudante de engenharia, ele militou no Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), braço político de uma das organizações guerrilheiras dos anos 1970.
Habitualmente, viajava a Rosário (310km ao norte), onde conheceu Cristina, nascida no México em 1956, mas que morava ali com a mãe argentina. De Rosário, Yves enviou a última carta a Eric, em meados de setembro de 1976.
"Estávamos na ditadura. Para ter cuidado, ele podia me localizar, mas eu não podia localizá-lo, e tínhamos um sistema de encontros. Yves ia embora alguns dias, mas sempre voltava, até que um dia não voltou mais", lembra o irmão.
Durante dois meses, Eric foi diversas vezes aos locais habituais de encontro, esperou em vão até que, diante do inevitável, denunciou o desaparecimento do irmão e partiu a um exílio forçado do qual voltaria em 1983.
O pai, Jean, 80 anos, fez denúncias internacionais e formou a associação de familiares de franceses desaparecidos.
Yves e Cristina foram sequestrados em Rosário, mas nunca se teve conhecimento do paradeiro deles, nem testemunhos de sobreviventes que os tivessem visto em centros de tortura e morte. "Era como se Yves tivesse sido tragado pela terra", dizia Eric antes de que um inesperado fio condutor o levasse a Melincué.