postado em 02/08/2010 08:32
A maior nação do continente africano busca a paz e almeja a independência econômica. Com 84,1 milhões de habitantes, o Sudão é palco de um conflito que começou em fevereiro de 2003 e deixou 300 mil mortos, incluindo mulheres e crianças. A violência em Darfur ; no oeste do país ; também fez 2,6 milhões de deslocados internos e expulsou 25 mil pessoas para o Chade, onde hoje vivem como refugiados. Para o embaixador do Sudão no Brasil, Abd Elghani Elnaim Awad Elkarim, 49 anos, o pedido de prisão do presidente Omar Al-Bashir, por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI), é um exemplo de interferência externa nos assuntos internos do país. ;Trata-se de uma mentalidade europeia muito antiga. Isso é uma justiça do tipo do apartheid;, critica o diplomata, que já morou na França, na Suíça, no Chade, na Síria e no Canadá. Elkarim acredita que o conflito em Darfur foi ;raptado; pelas potências europeias e tem sido usado para ;servir a interesses estratégicos;. O embaixador prevê para breve um acordo de paz definitivo na região e destaca a parceria entre Brasília e Cartum, calcada principalmente na cooperação no setor agrícola. ;Nosso foco de parceria atual é a agricultura, principalmente no cultivo de soja, do algodão, da cana e do açúcar;, afirma Elkarim. O governo do Sudão chegou a construir uma usina de etanol, com um grupo empresarial paulista. ;Nosso slogan é: ;Do futebol ao etanol;;, comemora o embaixador.DARFUR E A PAZ
Temos obtido feitos excepcionais, em relação ao processo de paz em Darfur. Ainda temos dificuldades com uma das facções, que insiste em prosseguir com a guerra. Mas eles não têm outra opção, a não ser a paz. Depois de anos, chegamos a uma conclusão: não há melhor modo do que agir pacificamente para solucionar problemas. Eu agradeço os esforços da Liga Árabe, da União Africana e das Nações Unidas em Doha (Catar), apoiados por vários países, inclusive o Brasil, para obtermos a paz. E esse é nosso compromisso: tentar encontrar a paz. Estamos perto de finalizar um acordo com a última facção. A reabilitação, a reconstrução, o desenvolvimento e a questão humanitária terão de constar do pacto. A situação humanitária é excelente em Darfur e as coisas estão se movendo muito bem. Tivemos eleições no Sudão, em abril. O Parlamento e os ministros têm pessoas de Darfur. Estamos trabalhando na partilha de riquezas e de poder. Estamos estabelecendo um sistema democrático lá, com partidos.
OS DESABRIGADOS
Em relação aos refugiados no Chade, temos cooperado com o Escritório para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e com organizações humanitárias internacionais. Já no que diz respeito aos deslocados internamente, temos nossos próprios programas nacionais. Temos facilitado a entrada no país de ONGs internacionais e seu acesso a locais onde estão as pessoas. Também estamos encorajando os deslocados pelo conflito a retornarem a seus vilarejos e retomar a vida normal.
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
O Sudão não é membro da Tribunal Penal Internacional e não lida com essa instância. Acreditamos que o TPI não foi criado apenas para a justiça, mas para a vingança. É dominado por potências europeias que costumavam controlar a África e muitas partes do mundo. Elas querem usar um mecanismo legal para servir aos seus próprios interesses. Nós, do Sudão, não lidamos com o TPI.
PEDIDO DE PRISÃO DE AL-BASHIR
No Sudão, nós temos nosso próprio sistema judiciário, temos as facilidades da lei, temos juízes conhecidos e juristas que participam de decisões importantes em muitos outros países. O Sudão é bastante famoso por suas escolas de direito. Temos milhares de advogados. Não temos nossos próprios meios de lidar com nosso governo. Não precisamos de qualquer ajuda externa. As outras nações têm que resolver seus próprios problemas. No caso do Tribunal Penal Internacional, como não se permite o julgamento de soldados comuns, mas se leva um presidente (Omar Hassan Ahmad Al-Bashir) à mesma corte? Você acha isso normal? Estamos no século 21? Isso é uma justiça do tipo do apartheid.
LEGADOS DO CONFLITO
O legado será o paradoxo humano. Vimos um conflito que teve como causa real o desenvolvimento, a disputa por água e por gado. Temos mecanismos internos para resolver pendências. Esperamos concluir um tratado compreensivo, em breve. Ao mesmo tempo, vimos uma intervenção externa ou internacional, tentando atender a outros interesses, em vez de aliviar o sofrimento da população. O conflito em Darfur foi raptado e tem sido usado para servir a interesses estratégicos.
RELAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA
Queremos uma chance de controlar nosso destino. No Sudão, gostaríamos de ter independência econômica. Gostaríamos de explorar nossos recursos, de encorajar os países a uma parceria, não a uma relação de ajuda. Graças à tecnologia brasileira, nós exportamos etanol. Em 2008, o Sudão comprou uma fábrica de São Paulo. É um tipo de relação que gostaríamos de ter. Vocês têm tecnologia, expertise e know-how. Temos nossa terra e nossos recursos. Isso é o que gostaríamos da política externa brasileira: uma política de abundância. Se você produz, pode compartilhar. Temos presenciado um diálogo entre Brasil e África no setor da agricultura. Assinamos um memorando, em março passado.
BRASIL-SUDÃO
Podemos ser parceiros fortes. Consideramos o Brasil um excelente modelo em muitas coisas. Compartilhamos da forma com que o Brasil olha para o mundo. Nosso foco de parceria é a agricultura, principalmente o cultivo de soja, algodão, cana e açúcar. Precisamos do know-how, da expertise e dos maquinários do Brasil. Há grande demanda de alimentos no Sudão e nos países vizinhos. Com o potencial que temos e a tecnologia do Brasil, podemos criar uma séria parceria e contribuir para alimentar o mundo. O Sudão precisa de 2 milhões de toneladas de açúcar, mas só produzimos 600 mil. Podemos nos beneficiar do cultivo conjunto de cana-de-açúcar. Fazendeiros brasileiros estão começando a ir ao Sudão para investimento. Estamos facilitando a concessão de visto. Além disso, os melhores times de futebol do Sudão são treinados por brasileiros. E estamos tentando trazer as crianças sudanesas para treinar na equipe do São Paulo. Nosso slogan é: ;Do futebol ao etanol;. Nossa relação com o Brasil inclui cultura, saúde, educação, agricultura. O importante é que ela se baseia no respeito.