postado em 08/08/2010 07:00
O engenheiro Raid R., 48 anos, não estava na Praça Firdos (paraíso, em árabe) quando a estátua de 12m de altura tombou, com a ajuda de uma corda e de um guindaste. Apesar disso, ele reconhece a importância daquele evento. ;Eu não acreditava que um dia aquele ditador cairia, e fique feliz de estar vivo para presenciar tal momento;, afirma ao Correio, pela internet. Raid entendeu que às 18h50 daquele 9 de abril de 2003 seu país estava predestinado a ganhar a liberdade. Mas ela não veio da forma como muitos desejavam e custou caro: entre 97 mil e 106 mil pessoas, segundo o site Iraq Body Count, foram mortas desde o início da invasão norte-americana ; 20 dias antes da queda do monumento representando o ditador iraquiano Saddam Hussein, no centro de Bagdá.Na última segunda-feira, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, confirmou que as operações militares no Iraque se encerrarão no próximo dia 31, para que a retirada das tropas seja concluída até o fim de 2011. Em entrevista ao Correio, especialistas iraquianos analisaram o que mudou no país após a invasão anglo-americana e deram sua receita para que a nação ocupada encontre a estabilidade após o fim dos combates.
As bombas extirparam o regime de Saddam, mas não livraram a política da corrupção. ;De fato, ela é mais evidente do que antes da guerra;, afirma Louay Bahry, ex-professor de ciência política da Universidade de Bagdá. A escassez de serviços municipais, como o saneamento básico e o fornecimento de energia elétrica, praticamente seguiu inalterada. ;O fornecimento de água melhorou cerca de 10% a 20%;, explica ele. ;Pelo menos, agora há a esperança de que os iraquianos se unam e sejam capazes de trabalhar por um futuro melhor. Não vejo um futuro diferente, mas uma luz distinta no fim do túnel;, acrescenta Bahry.
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, duvida que seu país natal esteja pronto para suportar o peso da estabilização, a menos que seja erguida a base de um governo sólido, capaz de representar todos os iraquianos. Até lá, ele não tem dúvida de que a ;terrível; violência prosseguirá. Para Ben-Meir, a paz definitiva depende da ascensão do partido Al-Arabiya ao poder. ;A facção obteve a maior parte dos votos (nas eleições parlamentares de março passado) e deve governar. Isso é importante porque o partido conta com o apoio dos sunitas, que serão capazes de reconquistar muitos dos assentos perdidos;, observa.
Ainda segundo Ben-Meir, é hora de os iraquianos mostrarem lealdade ao Estado e depositar o futuro do Iraque acima do partidarismo. Caso contrário, ele aposta que o país será sacudido por uma onda de violência contínua e por conflitos sectários. ;A rede Al-Qaeda e outros grupos radicais estão determinados a usar as bombas e as armas para desestabilizar o país, até restaurarem o domínio sunita;, alerta. ;É por isso que somente uma coalizão governista, que englobe todos os partidos, representa a melhor esperança ao Iraque;, conclui.
Repressão
Bahry reconhece que, mesmo durante os 23 anos que Saddam permaneceu no poder, a vida no Iraque era perigosa. ;As pessoas morriam, mas de forma seletiva. Não havia esse tipo de assassinato aleatório de hoje, com os atentados suicidas;, observa o ex-catedrático da Universidade de Bagdá. Na época do ditador e líder do Partido Baath, havia uma máquina de repressão contra os opositores. ;Seus paramilitares, a Guarda Nacional, aliados e as milícias baathistas caçavam as pessoas. O governo ordenava às crianças que denunciassem os pais ao governo. Estudantes de 9 anos acabaram os entregando;, lembra.
;A guerra foi um erro terrível;, opina Ben-Meir. Ele sustenta que Saddam não representava uma ameaça iminente à Casa Branca, não possuía armas nucleares nem colaborava com a rede Al-Qaeda. ;Os Estados Unidos desperdiçaram trilhões de dólares em uma guerra de escolha, que minou seus interesses nacionais e manchou sua autoridade moral;, conclui ele.
Ouça a entrevista com o cientista político iraquiano Louay Bahry