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Santos entra em campo

Nas primeiras horas depois de tomar posse, presidente costura encontro com Chávez para amanhã e anuncia viagem ao Brasil em setembro. Às Farc, diz que aceita dialogar, mas exige a libertação dos reféns

postado em 09/08/2010 07:55
No primeiro dia de trabalho como presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos enfrentou duas questões que devem marcar seu governo: diplomacia e segurança. O mandatário começa a recuperar as boas relações com os vizinhos, especialmente a Venezuela e o Equador, depois da crise herdada de Álvaro Uribe. Além disso, respondeu com a autoridade de um governante fortalecido ao pedido de diálogo feito pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A primeira viagem oficial ao exterior está marcada: Santos desembarca no Brasil em 1; de setembro para se encontrar com o colega Luiz Inácio Lula da Silva. E já amanhã ele deve receber em Bogotá o venezuelano Hugo Chávez, que rompeu relações no fim de julho, depois de ter sido acusado por Uribe de dar abrigo às Farc.

No discurso de posse, o presidente colombiano enfatizou que a palavra guerra ;não existe; em seu dicionário. ;Um dos meus propósitos será reconstruir as relações com Venezuela e Equador, restabelecer a confiança e privilegiar a diplomacia. Assim como não reconheço os inimigos na política nacional, não faço o mesmo com nenhum governo estrangeiro;, afirmou. A reaproximação com a América do Sul é um de seus objetivos, não apenas por causa do aspecto econômico, mas para reforçar o combate às Farc nas fronteiras.

O primeiro passo de reconciliação foi dado ontem, quando a chanceler María Ángela Holguín reuniu-se com o colega equatoriano, Ricardo Patiño. As relações diplomáticas entre os dois países tinham sido rompidas em 2008, depois de uma operação militar que matou o comandante guerrilheiro Raúl Reyes em um acampamento do lado equatoriano da fronteira. O episódio rendeu condenação internacional e um processo na Justiça do Equador(1) contra Santos, que era na época ministro da Defesa da Colômbia.

Juan Manuel Santos com a faixa: maratona diplomática nas horas iniciais à frente do governoPara o presidente Lula, que ajudou a facilitar o diálogo entre Bogotá e Caracas, os dois países estão dispostos a resolver a crise rapidamente e restabelecer as relações econômicas e diplomáticas. ;Todo mundo quer conversar, até porque todo mundo perdeu com a confusão, com o conflito, com o atrito;, disse Lula à rede britânica BBC, depois de assistir à cerimônia de posse. ;De vez em quando, as pessoas ficam cansadas de brigar.; Chávez havia aproveitado seu programa dominical de rádio e televisão, o Alô Presidente, para expressar apoio a Santos e manifestar a intenção de reunir-se com ele ;nos próximos três a cinco dias;: ;Estou disposto a virar a página e olhar para o futuro. Estou cheio de fé, esperança e vontade de trabalhar com o novo presidente da Colômbia;.

Em um gesto de reconciliação, Chávez pediu que as Farc liberte unilateralmente os reféns em seu poder. ;A guerrilha deveria manifestar-se pela paz, mas de forma contundente. Por exemplo, com a libertação de todos os sequestrados. Por que mantê-los assim?;, indagou o presidente da Venezuela.

Resposta à guerrilha
Ao longo de quatro anos como ministro da Defesa, Santos acumulou resultados expressivos contra as Farc. Em 2002, a primeira posse de Álvaro Uribe foi marcada por uma chuva de foguetes artesanais lançados pelos rebeldes na direção do palácio ; a maioria caiu sobre uma área próxima, matando 25 indigentes que ocupavam casas abandonadas. Àquela altura, a guerilha tinha um contigente da ordem de 20 mil combatentes, hoje reduzido a um terço. Com 46 anos de existência, as Farc sofreram desde 2008 sucessivos golpes, com a morte de três dos sete membros de seu secretariado (alto comando), entre eles seu fundador, o lendário Manuel Marulanda ; vítima de enfarte aos 78 anos. Operações cirúrgicas do Exército libertaram quase duas dezenas de reféns, entre eles a ex-candidata presidencial Ingrid Bettancourt.

Dias antes de Santos tomar posse, o sucessor de Marulanda, Alfonso Cano, enviou por vídeo uma mensagem propondo conversações. ;Aos grupos armados que hoje falam outra vez em diálogo e negociação, digo que o governo está aberto a qualquer conversação. Mas enquanto não libertarem os sequestrados e continuarem a cometer atos terroristas, continuaremos a nos enfrentar;, advertiu.

1 - Fronteira atropelada
Grupos de ex-paramilitares de direita colombianos cruzaram a fronteira com o Equador e começaram a controlar povoados no país vizinho, para ampliar suas atividades de narcotráfico. A presença na região do grupo chamado de Águias Negras foi divulgada ontem pelo diretor de Inteligência da Polícia do Equador, Fabián Solano. A organização foi formada entre 2003 e 2006 por ex-combatentes das Autodefesas Unidas da Colômbia, que podem ter ligação com as Farc.

SEM AGRÉMENT
Hugo Chávez rejeitou ontem o novo embaixador designado pelo presidente Barack Obama para representar os Estados Unidos na Venezuela. O indicado, Larry Palmer, teria feito questionamentos sobre as Forças Armadas venezuelanas. ;O embaixador não pode vir. (É) o mesmo que se inabilitou rompendo todas as regras da diplomacia. O melhor que o governo dos EUA pode fazer é buscar outro candidato;, recomendou o presidente durante seu programa dominical de rádio e TV.

Agenda interna tem prioridade social

O ritmo frenético da agenda diplomática não impediu Juan Manuel Santos de se dirigir também aos colombianos e suas preocupações mais imediatas. O novo presidente tomou posse à frente de um governo que inaugura ministérios encarregados de alguns dos problemas mais agudos do país: desemprego, moradia e saúde. Com 2,5 milhões de desocupados, que correspondem a 11,6% da população ativa, a Colômbia ostenta a segunda taxa mais elevada da América Latina ; e isso a despeito de a economia ter crescido com média anual no patamar de 4% nos oito anos de governo de Álvaro Uribe, graças à atração progressiva de investimentos externos.

O novo presidente assumiu anunciando um plano de choque para gerar empregos. ;Com o campo, a infraestrutura, a moradia, a mineração e as inovações, colocaremos em marcha o trem do progresso, da prosperidade. E ele puxará os vagões da indústria, do comércio e dos serviços, que são os maiores geradores de vagas;, profetizou Santos. De olho também nos mais de 45% dos colombianos que continuam abaixo da linha da miséria, ele prometeu dedicar ;todos os esforços a combater a pobreza e o desemprego;. A meta para os quatro anos de mandato é reduzir a taxa de desocupação à casa de um dígito.

A ideia do novo chefe de Estado é fazer social uso dos êxitos da política de Segurança Democrática, a joia da coroa do governo de seu antecessor e mentor, Álvaro Uribe. No discurso pronunciado na Praça de Bolívar, diante da Casa de Nariño e do Congresso, Santos anunciou para breve um projeto de lei para acelerar a expropriação de fazendas confiscadas de narcotraficantes, dos paramilitares de direita e da guerrilha esquerdista. As terras serão redistribuídas entre os camponeses, que em muitos casos eram os proprietários ou ocupantes originais e foram obrigados pela força a abandoná-las. ;Vamos trabalhar para que eles disponham das melhores terras da Colômbia e possam explorá-las;, afirmou.

O êxodo da população rural para cidades grandes e médias, principalmente as capitais regionais, motivou outra prioridade fixada pelo novo governo: a construção de moradias. Com um saldo acumulado de mais de 3 milhões de pessoas deslocadas pelo conflito armado, o presidente definiu o objetivo de construir até 2014 pelo menos um milhão de unidades habitacionais. Para isso, os subsídios destinados ao setor serão duplicados.


Primeiros movimentos

Diplomacia

Confirmando o sinal emitido com a escolha da chanceler María Ángela Holguín, Juan Manuel Santos aproveitou desde as primeiras horas de mandato para recompor as relações na vizinhança. Anunciou visita ao Brasil em setembro, chamou Hugo Chávez para o diálogo direto e deu sequência à normalização com o Equador.

Conflito interno
Já no discurso de posse, o novo presidente respondeu ao comandante máximo das Farc, Alfonso Cano, que havia proposto diálogo, dias antes. Santos deixou ;a porta destrancada;, mas fixou como premissa a renúncia da guerrilha às armas. Também sugeriu que aceitaria como gesto de boa vontade a libertação unilateral dos reféns em poder dos rebeldes. Advertiu, porém, que se as Farc preferirem o confronto, ;sabem que somos eficazes;.

Desemprego
O novo governo aplicará como prioridade uma ;política de choque; para enfrentar um dos problemas socieconômicos mais agudos do país ; a taxa de desocupação, de 11,6% em junho, é a segunda maior da América Latina. Para coordenar as medidas, foi criado o Ministério do Trabalho. ;A prioridade de meu governo será gerar prosperidade social pela oferta de trabalho;, disse o presidente no discurso de posse.

Habitação
Em um país onde as cidades grandes e médias têm recebido um fluxo constante de deslocados pelo conflito interno ; são mais de 3 milhões, com acréscimo médio de 100 mil por ano ;, o novo governo anunciou planos para construir 1 milhão de moradias nos quatro anos de gestão. O programa será tocado por ministério também instituído por Santos.

Saúde pública
O presidente reconhece tacitamente a dívida do governo anterior na área. Para reverter o quadro, criou um ministério específico. A missão inicial será implantar o Plano Obrigatório de Saúde, ponta de lança para uma reforma mais abrangente.

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