A última residência do líder revolucionário Simón Bolívar pode ser hoje o cenário em que os presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, e da Venezuela, Hugo Chávez, colocarão ponto final em um período de tensão que se arrasta há dois anos entre seus países. Os dois se encontram na Quinta de San Pedro Alejandrino, em Santa Marta, no litoral caribenho da Colômbia, com a expectativa de reatar relações diplomáticas, segundo informou Santos na noite de ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chávez, otimista na véspera da viagem, disse que ia ;dormir tranquilo;. Santos, empossado no sábado, já tinha afirmado que um de seus propósitos fundamentais será ;reconstruir as relações com a Venezuela e o Equador, restabelecer a confiança e privilegiar a diplomacia e a prudência;.
Tanto o presidente socialista bolivariano quanto o capitalista neoliberal têm interesse pragmático em retomar um comércio de US$ 7 bilhões anuais, paralisado depois que Chávez congelou as relações comerciais, em 2009 (leia ao lado a cronologia dos atritos mais recentes). ;Espero que dessa reunião possamos tirar conclusões que nos levem a normalizar as relações entre os dois países;, disse Santos, que tomou posse no sábado e substitui o conservador Álvaro Uribe.
Cientistas políticos esperam que as mudanças apareçam já no primeiro mês do governo Santos. ;A dificuldade tinha muito a ver com um problema entre os presidentes Chávez e Uribe, e a mudança de governo na Colômbia torna possível que se abram as portas;, disse o analista colombiano Ricardo Abello, da Universidade de Rosário. Ele endossa a proposta feita pelo Brasil na União de Nações Sul-Americanas (Unasul), para aumentar a vigilância e a cooperação na fronteira e monitorar as guerrilhas colombianas ; a presença delas em solo venezuelano, denunciada por Uribe, motivou Chávez a romper relações diplomáticas, há 20 dias. ;Há uma mudança na forma, que pode ajudar a enfrentar o tema de fundo com outro esquema que deixe de lado as agressões verbais. Depois virá a solução de outros temas, como o das relações comerciais, que é só uma consequência;, disse Abello.
Dois dias depois da posse de Santos, Chávez ontem voltou a alfinetar Uribe, e falou na esperança de ;reconstruir aquilo que o governo que sai na Colômbia destroçou e pulverizou: a confiança;. O troco foi postado nla rede de microblogger Twitter: ;Notifico ao presidente Hugo Chávez para que deixe de ser covarde, lançando insultos a distância;, provocou Uribe.
À parte as estocadas entre os dois rivais, o tema do suposto apoio de Caracas às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) deve ficar de lado nos primeiros dias do governo Santos. ;Combater as Farc não é a prioridade da Venezuela, porque não é seu inimigo, é inimigo do Estado colombiano;, disse León Valencia, analista da Corporação Novo Arco-íris. ;É muito difícil que um governo se meta com uma guerrilha estrangeira, porque isso tem um custo muito alto;, completou.
Em visita a São Paulo, o presidente Lula disse que pediu a Deus para que Santos tenha ;sorte; na reunião com Chávez. ;Eu sou um otimista inveterado em relação à possibilidade de paz;, disse Lula. ;Tanto a Colômbia quanto a Venezuela têm de tratar de restabelecer a harmonia, as embaixadas funcionando, o comércio funcionando, e eu acho que é isso que precisa ser feito em um primeiro momento;, completou. O presidente brasileiro reiterou que a questão das Farc diz respeito somente à Colômbia, e que o Brasil só ajudaria atendendo a pedido formal.
Equador
O presidente do Equador, Rafael Correa, também expressou o desejo de que o novo governante colombiano contribua para a normalização ;rápida; das relações com seu país. No entanto, em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo, Correa afirmou que não poderá aliviar as acusações contra Santos na Justiça equatoriana ; por ter ordenado, como ministro da Defesa de Uribe, o bombardeio a um acampamento das Farc além dos limites da Colômbia. ;Em 1; de março de 2008 foi cometido um delito, porque morreram 25 pessoas, incluindo um cidadão equatoriano. Nossa Justiça, que é independente, acusou o senhor Santos, e eu não posso pedir que arquivem o processo. Somos um Estado de Direito;, explicou.
VICE É OPERADO
Dois dias depois de tomar posse, o vice-presidente da Colômbia, Angelino Garzón, 63 anos, sofreu um enfarte ontem e foi submetido a uma cirurgia de quatro horas para a implantação de cinco pontes coronárias. Após a intervenção, os médicos informaram que Garzón passava bem e seu quadro de saúde era estável. O presidente Juan Manuel Santos acompanhou os procedimentos em ;contato permanente; com a família de Garzón. O presidente tinha prevista uma visita ao vice, na clínica onde foi operado. Ex-sindicalista, Garzón é considerado uma espécie de ;interlocutor; do novo governo com a sociedade civil e a oposição política.
Relações tempestuosas
Dois anos de atritos levaram ao rompimento entre Chávez e Uribe
Março/2008
Militares colombianos bombardeiam acampamento da guerrilha no Equador, que rompe relações. Em solidariedade, Hugo Chávez congela relações com a Colômbia e promete guerra se a Venezuela for agredida. Meses mais tarde, os contatos são retomados.
Agosto/2009
Chávez congela as relações comerciais com a Colômbia em resposta a um programa de cooperação militar entre o governo de Álvaro Uribe e os Estados Unidos. O acordo permite que militares americanos operem em sete bases áreas e navais colombianas, e é contestado por outros vizinhos sul-americanos, inclusive o Brasil.
22/7/2010
Por orientação de Uribe, o embaixador de Bogotá na Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Hoyos, acusa formalmente o governo venezuelano de abrigar acampamentos da guerrilha colombiana e um total de até 1.500 rebeldes. Horas depois, Chávez rompe relações diplomáticas e ordena o reforço de tropas na fronteira.
29/7/2010
A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) reúne em Quito os chanceleres dos países-membros para discutir a crise e propor soluções. Os representantes da Colômbia e da Venezuela não acertam os ponteiros.
6/8/2010
O secretário-geral da Unasul, Néstor Kirchner, reúne-se em Caracas com Chávez e o presidente Lula, que seguem para Bogotá com ;uma mensagem; do presidente venezuelano ao novo colega colombiano, Juan Manuel Santos.
7/8/2010
Santos toma posse, reafirma a intenção de reaproximar os dois países e conversa com Lula e Kirchner.
8/8/2010
A nova chanceler colombiana, María Ángela Holguín, reúne-se em Bogotá com o colega venezuelano, Nicolás Maduro. No fim, os dois anunciam a visita de Chávez à capital colombiana.
[SAIBAMAIS]