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Fundamentalistas buscam minar governos e firmar ideologia

Em meio às enchentes no Paquistão, prometem dinheiro e se opõem à ajuda externa. No Iraque, Al-Qaeda tenta seduzir milícias

postado em 12/08/2010 07:30
As grandes catástrofes e a reconstrução política são oportunidades para que o terrorismo e o fundamentalismo tentem se impor por meio do medo e do dinheiro. No Paquistão, assolado pelas chuvas que já matam 1,3 mil pessoas, a milícia Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), o Talibã paquistanês, exige que as autoridades não aceitem ajuda do Ocidente. No Iraque, a rede extremista Al-Qaeda promete pagar salários maiores a sunitas que debandarem do governo e se alistarem às suas fileiras. Na Somália, a facção islâmica Al-Shabaab ordenou que três grupos de assistência humanitária ocidentais suspendessem a distribuição de alimentos e donativos a mais de 650 mil pessoas, sob a justificativa de ;disseminarem suas ideologias corruptas;. No Afeganistão, os talibãs se aproveitam da quase inexistência do Estado para reconquistar áreas perdidas após a invasão anglo-americana, em 7 de outubro de 2001.

;Por causa do fracasso e da falta de desenvolvimento do Estado, muitas milícias desempenham o papel de um governo paralelo;, afirma ao Correio o indiano Muqtedar Khan, cientista político da Universidade de Delaware (Estados Unidos) e renomado intelectual muçulmano. ;Elas fornecem segurança, algumas vezes justiça rápida, e são agora os principais atores que respondem a desastres naturais;, acrescenta. O especialista cita os partidos islâmico Hezbollah, no Líbano, e Hamas, nos territórios palestinos como exemplos. ;O Hezbollah reconstruiu casas após a guerra com Israel e o Hamas dirige universidades, escolas e hospitais;, observa. Para ele, ao atuarem como Estado, esses grupos minam as autoridades existentes e se aproveitam de benefícios do próprio Estado, como o recrutamento de cidadãos e a taxação de impostos, na forma de dinheiro de caridade.

Policiais iraquianos capturam miliciano sunita: na mira da Al-QaedaTalvez o caso atual mais dramático seja o Paquistão, onde o governo não consegue responder às inundações que deixaram 2 milhões de deslocados e afetaram 14 milhões de pessoas. O porta-voz do TTP, Azam Tariq, prometeu cerca de US$ 20 milhões para as vítimas, caso Islamabad recuse a oferta internacional. ;Trata-se de um modo sofisticado de dividir a população das forças invasoras. O problema para o TTP é que eles terão que fornecer uma alternativa atrativa à população ; e não apenas um ;graveto;;, diz Magnus Ranstorp, analista do Colégio de Defesa Nacional Sueco.

Por e-mail, o estrategista paquistanês Hasan-Askari Rizvi, professor da Universidade de Punjab, disse que o governo do presidente Asif Ali Zardari não está levando o TTP a sério. ;Essa declaração (de Azam Tariq) é vista mais como uma propaganda;, admite. ;As autoridades não permitiram que os talibãs se envolvessem no socorro aos flagelados. Além disso, as áreas tribais não foram afetadas pelas enchentes(1), e a milícia está impedida de atuar livremente no interior do país;, conclui. O fato de organizações islâmicas de caridade terem se mobilizado com mais agilidade que o governo já preocupa os Estados Unidos. Classificada como facção terrorista, a Jamat-ud-Dawa (JuD) garante já ter ajudado 250 mil pessoas, doando barracas, utensílios e 5 mil rúpias (cerca de US$ 58) a cada família atingida.

Iraque
No primeiro dia do Ramadã (mês sagrado para os muçulmanos), uma reportagem publicada pelo jornal britânico Daily Telegraph revela como a Al-Qaeda se mobiliza para ganhar espaço no país. Os milicianos do grupo Filhos do Iraque, que recebem cerca de US$ 300 por mês pelo governo, têm recebido da rede terrorista uma proposta salarial mais alta para aderirem às suas fileiras. A notícia não surpreende Muqtedar Khan. ;No Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, a Al-Qaeda é tratada como opção de carreira por alguns. Ela paga mais que outras milícias e profissões e, para muitos que têm baixa escolaridade, é uma fonte de renda, respeito e poder;, conclui o professor da Universidade de Delaware.

1 - ONU apela ao mundo
A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu US$ 459 milhões (cerca de R$ 811 milhões) para a ajuda imediata aos afetados pelas enchentes no Paquistão. O chefe do Escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários, John Holmes, afirmou que estas são as piores enchentes relacionadas às chuvas de monções da história.

Ameaça ao Estado
Grupos islâmicos buscam se reafirmar sobre os governos de alguns países


Iraque

A rede terrorista Al-Qaeda realiza atentados suicidas para desestabilizar o governo do premiê Nuri Al-Maliki e lançar os xiitas contra os sunitas. Agora, se volta para o aparato de segurança, prometendo pagar salários mais altos a milicianos sunitas que se desvincularem do governo.

Paquistão
Sem o rígido controle do Estado em determinadas áreas, o grupo islâmico Tehrik-i-Taliban Pakistan aproveita a catástrofe provocada pelas enchentes para ganhar poder. A facção exige que o governo rejeite ajuda financeira internacional às vítimas das inundações.

Indonésia
Extremistas tentam se infiltrar nas organizações muçulmanas dominantes para retomar funções de liderança, gradualmente. Apesar disso, o governo criou um programa de cinco dias para desengajar os terroristas do pensamento ideológico que promova o uso da violência.

Somália
Associado à rede Al-Qaeda, a facção Al-Shabaab proibiu que grupos de ajuda humanitária ocidentais trabalhem no país. Os radicais acusam-nos de disseminarem o cristianismo e de serem uma ameaça ao islã.

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