Rabiullah Rahmati os vê quando percorre os 40km até Marjah, cidade com 80 mil habitantes situada em um dos maiores cinturões da papoula. O estudante de 20 anos vive em Lashkar Gah (;local dos soldados;, em persa), capital da província de Helmand. Sabe que eles estão por perto e conhece a fama de selvageria e fanatismo que persegue esses milicianos. ;Em alguns lugares, até matam crianças e mulheres. Quando as pessoas querem que alguém seja assassinado, repassam o nome a eles, que executam o alvo;, afirma ao Correio, pela internet. Aos poucos, o movimento fundamentalista islâmico Talibã refunda no Afeganistão sua ideologia mais brutal e cerceadora, pulverizada depois da invasão anglo-americana, em 7 de outubro de 2001. Desde 1994 até a ofensiva militar, chamada de Operação Duradoura, a facção governou com mão de ferro.
;A situação é muito pior do que você pode imaginar;, alerta o afegão Abdulhadi Hairan, analista político do Centro para Estudos de Paz e Conflito (Caps), situado em Cabul. De acordo com ele, o Talibã estendeu suas atividades das províncias do sul e do leste para as das regiões centro e norte. ;Os milicianos têm suas próprias administrações e seus tribunais da sharia (lei islâmica), designam comandantes e ministros e executam pessoas pelas razões que desejarem;, relata à reportagem, por e-mail.
Hairan explica que parte da força do Talibã vem do ;imenso apoio; recebido do Paquistão, do Irã e de outros países. ;O movimento é organizado e bem ativo para lançar a população afegã contra as forças ocidentais e o governo;, comenta. ;Por isso, são capazes de infligir baixas enormes e usar a religião e as conexões tribais a seu favor.; O especialista teme que um fracasso da comunidade internacional em eliminar o terrorismo no Afeganistão signifique a destruição do país e o retorno à era medieval. ;Os afegãos não querem, de forma alguma, o Talibã de volta. Mas os graves erros da comunidade internacional e dos poderes regionais, além do nível incontrolável de corrupção no governo de Hamid Karzai, o tornarão a melhor opção para a população rural, que tem sido explorada em nome do islã;, adverte.
Nas regiões de domínio, o Talibã impôs códigos de conduta estritos da sharia (lei islâmica). ;As pessoas estão proibidas de fazer a barba, não podem usar jeans e roupas ocidentais, e as mulheres se veem obrigadas a vestir a burca;, sustenta Hairan, referindo-se ao traje azul que cobre todo o rosto, inclusive os olhos. ;Nessas áreas, também não existem escolas de inglês. Eles (mulás) apenas permitem instituições que ensinem lições do Corão (livro sagrado do islã);, acrescenta.
De acordo com Hairan, apenas nove entre 400 distritos afegãos estão livres da influência talibã. Quem desobedece à lei dos mulás é sujeito à execução, algumas vezes em praça pública. Na semana passada, Bibi Sanubar, uma viúva grávida de 35 anos, acusada de adultério, recebeu 200 chicotadas e foi morta com três tiros, diante de uma multidão, no distrito de Qadis (província de Badghis).
Controle
O afegão Haroun Mir ; diretor do Centro para Pesquisas e Estudos Políticos do Afeganistão ; tem uma análise alarmista sobre a expansão talibã. Ele assegura que os fundamentalistas já controlam totalmente o sul do país, aproveitando-se da presença reduzida das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nas grandes cidades. ;O Talibã tem sido capaz de estender suas operações na parte norte do Afeganistão, onde o governo federal tem cedido território, dia a dia;, observa. Mir prevê a queda de Cabul entre seis meses e um ano. ;A Otan será forçada a defender suas bases, a despeito de proteger a população.;
A situação ganha contornos ainda mais críticos frente à desesperança dos afegãos. ;Muitos de nós estamos convencidos de que a Otan deixará o país e que o Talibã retornará ao poder. Tanto que alguns cidadãos começaram a contatar a milícia para mostrar lealdade a ela, pois desejam sobreviver em um país sob controle dos fundamentalistas. Esses fatores estão por trás da rápida progressão do Talibã;, observa Mir.
Os homens da facção deram demonstração de força no último dia 6, quando colocaram 12 médicos ; seis americanos, um britânico, um alemão e quatro afegãos ; em fila e executaram-nos, na província de Badakhshan, no norte. ;O Talibã usa o medo para forçar as pessoas a capitularem ao regime, mas o governo não funcional de Cabul criou ressentimento entre os moradores, o que favoreceu as leis cruéis do movimento islâmico;, diz Mir.
Ele crê que o retorno da milícia ao poder permitirá à rede Al-Qaeda, de Bin Laden, reinstalar as bases no Afeganistão. Isso levaria milhares de jovens muçulmanos de todo o mundo a se unirem aos extremistas, em uma sangrenta guerra santa contra o Ocidente.