Agência France-Presse
postado em 18/08/2010 14:28
A decisão da justiça venezuelana de proibir a difusão de imagens sobre violência foi mais um motivo de confronto entre a imprensa e o presidente Hugo Chávez, que acusa os meios de comunicação de tentar tirar proveito de um tema que preocupa o país, principalmente a um mês das eleições legislativas.Na sexta-feira passada, o jornal El Nacional publicou a foto de uma das salas do necrotério de Caras, onde estavam amontoados vários corpos, uma imagem forte, que dias mais tarde foi reproduzida pelo jornal Tal Cual, outra publicação também muito crítica em relação ao governo Chávez.
O governo questionou a publicação da imagem, chamando-a de "pornográfica", enquanto que nesta terça-feira um tribunal da capital proibiu a toda a imprensa escrita que divulgasse imagens violentas, uma ação que os meios de comunicação classificam de censura.
Segundo a sentença, a imprensa escrita "deve abster-se de realizar publicações de imagens violentas, sangrentas, grotescas, que de uma forma ou de outro vulnerem a integridade psíquica e moral das crianças".
A proibição será aplicada por um mês a contar de terça.
A Defensoria do Povo e o Conselho de Direitos da Criança anunciaram igualmente que abririam ações judiciais contra El Nacional. "Uma pessoa só pode comover-se quando pensa nas consequências que pode ter na infância, exposta a estas situações", declarou a presidente deste Conselho, Litsbell Díaz.
Chávez também se referiu à fotografia do necrotério e às críticas pela crescente insegurança na Venezuela, ao afirmar que "há uma manipulação politiqueira e pornográfica do tema da violência e da criminalidade".
"Este tema da violência, do crime, converteu-se num fator antirrevolucionário de peso", acusou Chávez, insistindo que o "problema da segurança é um assunto mundial".
Há alguns dias, o presidente também criticou a transmissão no canal CNN do documentário "Os guardiões de Chávez", realizado por uma tv espanhola, que falava da violência em Caracas e a suposta presença de guerrilheiros colombianos na Venezuela.
Não é a primeira vez que Chávez enfrenta a imprensa. Em 2007, a popular emissora de tv RCTV saiu do ar porque o governo não renovou sua concessão e, há um ano, trinta emissoras de rádios foram fechadas pela mesma razão.
Da mesma forma, a justiça iniciou recursos administrativos contra o canal de notícias Globovisión, que Chávez chama de "terrorista midiático", e ameaçou fechá-lo em várias oportunidades. "Mas nunca vimos uma atitude como esta", comentou o professor de Comunicação da Universidade Católica Andrés Bello, Marcelino Bisbal.
"Chama a atenção que a proibição dos conteúdos que tenham a ver com a violência e a insegurança tenha sido ditada por um mês. A coincidência: estamos em campanha eleitoral", enfatizou.
"A decisão judicial peca em amplitude e imprecisão", enfatizou, por sua vez, a organização de defesa da liberdade de imprensa, Repórteres sem Fronteiras.
O governo de Chávez não publica cifras da violência há anos e é a imprensa que todas as semanas divulga estatísticas baseando-se no número de corpos que chegam aos necrotérios do país.
O editor do jornal Nacional, Miguel Henrique Otero, disse que a intenção da polêmica era a de "causar um choque para que as pessoas reajam ante a violência".
"Sua publicação chamou a atenção da sociedade, de uma maneira gráfica e oportuna, sobre uma realidade que se tornou cotidiana", considerou David Natera, presidente do Bloco da Imprensa Venezuelana, que agrupa os donos de jornais e revistas.
El Nacional acatou a decisão de um tribunal, mas optou por deixar vários espaços em branco em sua edição desta quarta-feira, preenchidos apenas pela palavra "censurado" em letras vermelhas.
"Estamos censurados. Isso é inconstitucional e atenta contra a liberdade de expressão", protestou Otero.
"Se aqui houvesse uma foto, vocês veriam um pai chorando por um filho que morreu", afirma a legenda de um dos espaços em branco publicados na edição de hoje.
Em Caracas, há cerca de 50 mortes violentas a cada fim de semana e, em todo o país, os assassinatos superaram 16.000 em 2009, segundo cifras extraoficiais que transformam a Venezuela no país mais violento da região.
O tema está no centro do debate político nos últimos dias, ante as cruciais eleições legislativas de 26 de setembro, nas quais o governo aspira manter pelo menos dois terços da maioria.