postado em 21/08/2010 08:15
As torres e a cúpula branca, despontando no horizonte, simbolizam o orgulho de uma nação que desafia o Ocidente, ao transformar o enriquecimento de urânio em prioridade absoluta. A partir de hoje, assim que técnicos da usina de Bushehr (sul) começarem a carregar o reator com 165 barras de combustível, uma espera de 35 anos terá terminado e o Irã haverá inaugurado sua primeira central atômica. ;A ativação de Bushehr significa uma conquista tecnológica e política para nosso país, e uma espinha atravessada na garganta de nossos inimigos;, comemora Ali Akbar Salehi, chefe do programa nuclear iraniano. O abastecimento com o urânio deve durar 15 dias.Serão precisos seis ou sete meses para que Bushehr atinja sua potência máxima, a mil megawatts. ;Quanto mais pressão fizerem, mais aceleraremos nosso programa;, alerta Salehi. Na véspera da inauguração, o presidente Mahmud Ahmadinejad deu uma declaração que não convenceu especialistas em não proliferação. ;Nós prometemos parar com o enriquecimento de urânio a 20% se tivermos o suprimento de combustível garantido;, disse ao jornal japonês Yomiuri Shimbun, em uma clara tentativa de barganha.
;Eu suspeito que essa afirmação seja um ardil. O Irã não precisará desse combustível por vários anos, uma vez que recebeu um novo lote;, explica ao Correio o russo Nikolai Sokov, analista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin do Instituto Monterey de Estudos Internacionais, em entrevista por e-mail. ;Eu creio que, após poucos meses de negociação, as autoridades iranianas simplesmente dirão que seu suprimento não está garantido;, acrescenta.
Um indício dessa tendência foi dado por Hossein Ebrahimi, vice-presidente do Comitê de Política Externa e de Segurança do Parlamento iraniano, na última quarta-feira. ;A suspensão do programa nuclear não é contemplada pela Declaração de Teerã ou pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Manteremos o enriquecimento, a fim de evitar truques do Ocidente;, disse Hossein.
Sokov não vê Bushehr ; uma obra conjunta de Teerã e Moscou ; como uma ameaça ao mundo ou à crise nuclear. Ele lembra que a usina opera no ;modo teste; há cerca de um ano e, agora, começa a atuar no estágio comercial. ;Os países, inclusive os Estados Unidos, já reconheceram que Bushehr não viola o regime internacional de não proliferação. A usina não afetará as negociações entre os seis países (Rússia, Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido) e o Irã;, afirma o especialista. Ele descarta que Bushehr seja usada para a produção de armas, já que a central atômica é dotada apenas de um reator de água leve. ;O combustível é fornecido por meu país, com base em um contrato de longo prazo. Moscou terá de volta o urânio gasto, para impedir sua utilização em armas atômicas. A usina de Bushehr e todos os acordos assinados sobre ela são perfeitamente seguros;, garante o russo.
Incômodo
Apesar de manter a tranquilidade em relação à nova usina, Sokov não esconde sua preocupação com os planos de Ahmadinejad. ;Não há razão qualquer para o Irã enriquecer urânio para fins pacíficos. Se o país pode ter combustível com a ajuda do Brasil e da Turquia, por que insiste em continuar com o processamento?;, questiona. O Ocidente acusa Teerã de utilizar o programa nuclear civil como disfarce para a produção de bombas e ogivas atômicas. As autoridades iranianas sustentam que precisam enriquecer o urânio para gerar 20 mil megawatts por dia de eletricidade. Inspetores da AIEA fiscalizarão o abastecimento do reator de Bushehr e terão acesso total ao início da produção energética.
UM MÍSSIL EM ASCENSÃO
; Aos gritos de ;Allahu Akbar; (;Deus é o maior;, em árabe), a TV estatal iraniana divulgou imagens do teste do míssil terra-terra Qiam (;Em Ascensão;). ;O míssil tem novos aspectos técnicos e possui uma capacidade tática única;, declarou o ministro da Defesa, Ahmad Vahidi. ;Como o projétil terra-terra não tem asas, goza de grande poder tático, o que reduz as chances de ele ser interceptado;, acrescentou. Vahidi garantiu que o Qiam é capaz de atingir o alvo com ;alta precisão; e funciona à base de combustível líquido.
O governo iraniano não divulgou o alcance do míssil.
Caso Sakineh sem decisão
Sem explicações, a Justiça iraniana decidiu adiar mais uma vez a audiência sobre o caso de Sakineh Mohammadi-Ashtiani, a viúva condenada a apedrejamento, sob as acusações de adultério e assassinato. A decisão sobre a sentença, que sairia hoje, não deverá ser revelada antes de quarta-feira. Por e-mail, Mina Ahadi ; fundadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento ; voltou a questionar a morosidade das autoridades do Irã. ;A decisão sobre Sakineh será política e envolverá os aiatolás Sadegh Larijani, chefe do Judiciário, e Ali Khamenei (supremo líder espiritual);, prevê. ;Eu acho que o regime islâmico ainda não chegou a um veredicto, por estar sob intensa pressão internacional;, emenda.
Na prisão de Tabriz ; a 538km da capital ;, Sakineh enfrenta dificuldades para se reunir com o advogado, Hootan Kian. Durante as audiências, que não duram mais que cinco minutos, os carcereiros acompanham as conversas, que também são registradas por uma câmera. Sajjad, 22 anos, e Saideh, 17, visitaram a mãe anteontem e contaram que ela está ;assustada, confusa e fraca;. (RC)
Crítica ao Brasil
;O acordo de troca de combustível negociado entre Turquia, Brasil e Irã não resolveu o problema. Temo dizer que o Brasil ajudou, politicamente, o programa nuclear iraniano, cuja natureza pacífica é altamente questionável. Para usar a mais suave linguagem possível. Mas não vejo problema em relação à usina nuclear de Bushehr, que já foi reconhecida pelo regime internacional de não proliferação;
Nikolai Sokov, analista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin do Instituto Monterey de Estudos Internacionais
Nikolai Sokov, analista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin do Instituto Monterey de Estudos Internacionais