Agência France-Presse
postado em 24/08/2010 18:57
O governo argentino denunciou nesta terça-feira (24/8) que a empresa que fornece papel para jornais no país foi adquirida em cumplicidade com a ditadura (1976-1983), em uma escalada do enfrentamento que mantém com vários meios de comunicação e a oposição, que denunciam ameaças à liberdade de expressão.A presidente Cristina Kirchner (peronista progressista) anunciou uma investigação sobre supostas manobras de grupos jornalísticos para se apoderar da Papel Prensa, a maior fornecedora de papel para os jornais, em ato com governadores, congressistas e empresários na Casa Rosada, sede do governo.
Os meios de comunicação liderados pelo jornal Clarín, junto com o La Nación, emitiram um comunicado no qual denunciam "uma história inventada para ficar" com a companhia papeleira, no novo capítulo de um enfrentamento em larga escala que mantém com Kirchner.
"Os acionistas privados (majoritários) da Papel Prensa (uma parte minoritária pertence ao Estado) vimos denunciando há quase um ano um plano do governo para se apoderar da companhia e controlar o papel para jornais, insumo essencial da imprensa livre", afirmaram, em declaração.
Porta-vozes governamentais tinham antecipado a possibilidade de que a chefe de Estado utilizasse a Rede Oficial de Radiodifusão e Televisão para fazer o anúncio do informe e o envio à Justiça para iniciar um processo penal.
"É um passo transcendental que deixa em descoberto as manobras de alguns setores do poder civil que estiveram coniventes com o poder militar, apropriando-se de bens de pessoas totalmente indefesas", antecipou à imprensa o Síndico Geral da Nação, Daniel Reposo.
Reposo disse que "há documentação e testemunhos contundentes que demonstram que a (acionista) Lidia Papaleo de Graiver, privada de liberdade, foi obrigada a tomar decisões (...) e não pôde expressar livremente a possibilidade de vender as ações", em 1976.
"Controlar o papel é controlar a informação e isto é o que o governo vem buscando por meio de várias ferramentas: a propaganda oficial, a lei de mídia, o controle do acesso à informação, o manejo militante dos meios públicos e a multiplicação dos meios paraoficiais", reagiram os dois jornais.
Na semana passada, em outro golpe contra a imprensa, o governo tirou a licença de operação da firma Fibertel, pertencente ao grupo Clarín e fornecedora de serviços de internet via cabo, com participação de 25% em um mercado de 4,2 milhões de usuários.
A oposição entrou na luta aberta e sem trégua de Kirchner contra um setor de empresas jornalísticas, ao se unir a partidos social-democratas, de direita, peronistas dissidentes e liberais cristãos para denunciar no Congresso "um ataque à segurança jurídica e à liberdade de expressão".
A caducidade da licença para a Fibertel "degrada a democracia, limita as liberdades e fere a segurança jurídica", declarou a União Cívica Radical (UCR, social-democrata), segundo bloco com maior número de deputados e senadores.
"Tem início a fase ditatorial", criticou a deputada Elisa Carrió, liberal cristã e candidata derrotada por Kirchner nas presidenciais de 2007.
O testemunho que o governo utiliza para denunciar a irregularidade na Papel Prensa é o de Lidia Papaleo, viúva do banqueiro David Graiver e vítima do regime, sequestrada e torturada em 1976.
Na ocasião, a ditadura acusou o então poderoso Grupo Graiver, com fortes investimentos em vários setores e controlador da Papel Prensa, de ter vínculos com o dissolvido grupo armado peronista Montoneros.
O advogado Rodolfo Yanzón, defensor de vítimas da ditadura nos julgamentos em andamento por terrorismo de Estado, disse que "uma vez que se possa determinar a responsabilidade penal (...), o Estado será obrigado a ficar com a totalidade do pacote acionário" da Papel Prensa.
"O governo argentino está procurando a forma de controlar a mídia independente do país", disse esta semana ao Clarín o presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Alejandro Aguirre.