Mundo

Violência sem trégua

Carro-bomba explode diante de emissora de TV em Tamaulipas, corpos são espalhados por Acapulco e investigador de massacre de imigrantes é considerado desaparecido

postado em 28/08/2010 07:00
O trajeto até a casa da noiva por pouco não foi interrompido de forma trágica. À 0h18 de ontem (2h18 em Brasília), o estudante mexicano Alejandro Zapata, 19 anos, dirigia pela Rua Hernán Cortes, em Ciudad Victoria ; capital do Estado de Tamaulipas ;, quando se surpreendeu com a explosão. ;Eu e minha noiva nos assustamos. Sentimos que a terra sofreu um estrondo e tudo ficou escuro;, relatou ao Correio, por meio da internet. ;Nunca imaginávamos que fosse um carro-bomba;, acrescentou. O impacto transformou o automóvel vermelho-escuro em ferro retorcido. ;Estávamos em uma praça, a cerca de 50m da sede da emissora de TV Televisa, onde o carro estava parado;, lembra Zapata. A cerca de 1km dali, Alejandro Echartea, 34 anos, relata que escutou um estampido no mesmo horário. ;Pensamos que se tratava de um transformador, porque houve um corte de eletricidade;, explica à reportagem. Segundo ele, as escolas abriram ontem, nenhum comércio baixou suas portas, mas ;existe uma tensão no ar;. A explosão não deixou feridos, apenas danos materiais. No acostamento da rodovia que liga Méndez a San Fernando, as autoridades descobriram dois corpos. Chegou-se a especular que um dos mortos seria Roberto Javier Suárez Vázquez, o principal agente do Ministério Público encarregado de investigar a matança de 72 imigrantes ilegais, ocorrida no sábado passado no vilarejo de Huitzilac, também em Tamaulipas. Durante discurso na Cidade do México, o presidente, Felipe Calderón, admitiu que Vázquez é considerado ;desaparecido;. O mandatário prevê um aumento da violência no país. ;A única maneira de detê-los (os grupos criminosos) é por meio, inclusive, da força pública, que necessariamente trará, a curto prazo, mais violência;, declarou. Em entrevista por e-mail, Raúl Benitez Manaut, especialista em Segurança Nacional pela Universidad Nacional do México, considera que a morte de Vázquez seria um incidente ;terrível;. ;Isso significaria que os integrantes do cartel Los Zetas estão infiltrados nas agências de investigação. Ou seja, eles conseguem chegar rapidamente ao local das investigações e atacar o aparato da Justiça;, explicou. Segundo Raúl, a explosão do carro-bomba em Ciudad Victoria se insere numa reação do crime organizado à campanha de denúncias vinculadas na imprensa. ;O uso de carros-bomba, por parte dos cartéis, é novo. Começou dois meses atrás em Ciudad Juárez;, lembrou. ;É um ataque à sociedade, que se opõe ao narcotráfico, e ao governo, pois Calderón tem intensificado a guerra e conta com o apoio do povo e da mídia;, acrescentou. Confira vídeo feito por blogueiros mexicanos que mostram os carros usados no assassinato em massa de imigrantes Execuções A violência não se restringe ao nordeste do país. Na costa ocidental do México, o famoso balneário de Acapulco registrou pelo menos 14 homicídios ;assinados; pelos cartéis de droga. A polícia acredita que os crimes ocorreram na noite de quinta-feira. Os corpos estavam espalhados pela cidades, com pés e mãos amarrados e olhos vendados. Alguns foram abandonados ao lado de mensagens características entre grupos rivais. O Estado de Guerrero, onde fica situada Acapulco, é palco de uma disputa entre o cartel de La Familia e a gangue dos Zetas, criada no fim da década de 1990 por ex-integrantes das forças especiais. O jornal mexicano El Universal divulgou mais uma barbárie, dessa vez na rodovia entre Chihuahua e Ciudad Juárez. A carroceria de uma camionete em chamas, a 800m do asfalto, continha oito cadáveres carbonizados. Ao redor do veículo, peritos recolheram dezenas de cartuchos deflagrados de armas de grosso calibre. Ainda segundo o El Universal, Alejandro Poiré ; porta-voz da organização não governamental Narrativa da Luta contra o Crime Organizado ; anunciou que 80% das 28.353 mortes ligadas à criminalidade ocorreram em 162 municípios e derivaram de sete conflitos entre cartéis do narcotráfico. José Miguel Insulza, secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), lamentou ontem o ;brutal assassinato; dos 72 imigrantes e exortou os países-membros a encamparem uma luta coordenada contra o banditismo. ;Esse trágico episódio reflete a confluência de dois fenômenos que afetam o desenvolvimento da América Latina e de seu sistema democrático: a ação do crime organizado e a falta de proteção enfrentada por tantos compatriotas latinos que emigram em busca de um futuro melhor;, declarou o chileno. Cônsul aguarda documentos Uma comitiva de representantes de Brasil, Equador, Honduras e El Salvador que acompanhava a necropsia dos corpos de 72 imigrantes ilegais executados no sábado foi obrigada a retornar à Cidade do México. O governo federal determinou que todos saíssem de Reynosa ; a 158km de San Fernando ;, sob a justificativa de não poder garantir a segurança. Da capital, o cônsul-geral do Brasil, Márcio Lage, confirmou ao Correio que recebeu a informação sobre a existência de pelo menos um brasileiro entre os mortos. ;Precisamos que alguma pessoa forneça documentos para que possamos contactar a família;, disse Lage. ;Aparentemente, o nome do suposto brasileiro se confunde com o de alguém da Guatemala ou de Honduras. Por isso, esperamos documentos, como passaporte, carteira de identidade ou carteira de motorista.; O cônsul revelou à reportagem que o equatoriano Luis Fredy Lala Pomavilla, único sobrevivente da matança de San Fernando, contou ao representante de seu país que havia apenas um cidadão do Brasil no grupo assassinado. ;Ele disse fer falado com um contato da Guatemala, que lhe comunicou sobre a existência de um brasileiro. A informação dava conta de quatro, mas temos que aguardar o fim da necropsia;, declarou Lage. De acordo com ele, o reconhecimento dos corpos exige um trabalho ;muito complicado;. ;Não havia clorofórmio, nem como colocar esses cadáveres em geladeiras. O número de médicos legistas é muito pequeno;, disse o cônsul brasileiro. Em Tamaulipas, José Luis Manzo, diretor do Centro de Direitos Humanos Migrantes (CDHM) criticou o massacre e afirmou que o medo tem calado os ilegais, vítimas de abusos na fronteira com os Estados Unidos. O organismo registrou uma redução de 70% no número de queixas de imigrantes. Em 2009, pelo menos 10 mil estrangeiros ilegais foram retidos pelos integrantes do cartel Los Zetas, suspeitos de um dos piores assassinatos em massa da história do país. (RC)
Psicose coletiva
Carro-bomba explode diante de emissora de TV em Tamaulipas, corpos são espalhados por Acapulco e investigador de massacre de imigrantes é considerado desaparecido"A situação que se vive aqui em Ciudad Victoria é de psicose. As pessoas têm medo e se escutam muitos rumores. Há boatos sobre tiroteios em diferentes pontos da cidade e sobre corpos decapitados encontrados" Alejandro Zapata, 19 anos, estudante, morador de Ciudad Victoria e testemunha da explosão
ONU em choque ;Eu estou profundamente chocada com esses assassinatos, que destacam a grave situação dos imigrantes no país. Eu clamo às autoridades que tomem todos os passos necessários para proteger a vida dos imigrantes; Navi Pillay, Alta Comissariada das Nações Unidas para os Direitos Humanos Pode piorar... "Provavelmente, o norte do México testemunhará um aumento na escala da violência. Não só a violência entre os cartéis, mas a disputa pela droga e por sua venda nos EUA. Também começaram ataques intensos contra meios de comunicação, funcionários da Justiça e forças do governo" Raúl Benitez Manaut, especialista em Segurança Nacional pela Universidad Nacional do México Carro-bomba explode diante de emissora de TV em Tamaulipas, corpos são espalhados por Acapulco e investigador de massacre de imigrantes é considerado desaparecido

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