Ernesto Braga
postado em 30/08/2010 08:41
Sardoá e Santa Efigênia de Minas ; Os sonhos de dois amigos de infância que, cansados de labutar no campo, resolveram encarar o risco de entrar clandestinamente nos Estados Unidos, onde pretendiam ganhar dólares suficientes para melhorar de vida e ajudar suas famílias, foram interrompidos à bala no estado de Tamaulipas, no nordeste do México, a 150km da fronteira com o país vizinho. A história de Hermínio Cardoso dos Santos, 24 anos, e Juliard Aires Fernandes, que em 8 de setembro completaria 20, começa na zona rural do Vale do Rio Doce. Eles cresceram ajudando os pais no plantio e na colheita da roça. Em 3 de agosto, embarcaram para Governador Valadares, na mesma região, onde se encontraram com os agenciadores que prometeram colocá-los dentro do território norte-americano. Para isso, cada um teria de pagar R$ 24,5 mil.Na realidade, estavam rumo à tragédia: os dois jovens mineiros faziam parte do grupo de 72 imigrantes latino-americanos executados no México por integrantes do cartel de drogas Los Zetas. Os familiares dos dois pouco sabem sobre os assassinatos. Para aumentar o drama vivido por eles, também não têm conhecimento de quando os corpos serão trazidos para sepultamento. ;Se for por nossa conta, não vamos nos despedir do nosso filho, pois não temos dinheiro;, lamentam os pais de Hermínio, Antônio Ramos dos Santos, 64 anos, e Maria Cardoso dos Santos, 58, conhecida por Lilia. ;Clamo às autoridades que tragam o corpo do meu menino, para que ele possa ter um enterro digno;, desabafa Alírio Aires Fernandes, 66, pai de Juliard.
Antônio e dona Lilia moram numa casa humilde no Córrego dos Firmino, na zona rural de Sardoá, onde criaram seus sete filhos. Hermínio era o mais novo. A cruz de madeira pregada na entrada da residência e as imagens de santos na parede da sala representam a devoção do casal, não abalada pela morte do caçula. ;Ele resolveu ir para Boston, nos Estados Unidos, aproveitando que estava novo. Falava que queria ganhar um dinheirinho, para se manter na vida quando a gente faltasse. Deus não quis que fosse assim;, diz a mãe do jovem.
;Na minha época de solteiro, os sonhos eram outros. Agora, eles querem moto, computador, coisas que não dá para comprar com o dinheiro que se ganha na roça;, observa Antônio. Segundo ele, Hermínio concluiu apenas a 4; série do ensino fundamental e ;quase não tinha leitura;. Chegou a morar clandestinamente na Itália, há quatro anos, mas foi deportado. ;Lá, ele trabalhou apenas 10 meses, como servente de pedreiro, e conseguiu juntar pouco dinheiro. Quando voltou, pôde comprar apenas uma moto velha. Agora, nós pegamos emprestado os R$ 24,5 mil que ele tinha de pagar para ir para os Estados Unidos;, afirmou. Dona Lilia conta que a família não tem informações sobre as pessoas que aliciaram Hermínio e o amigo. ;Sei apenas que eles foram para Governador Valadares;, disse.
Sofrimento familiar
É o segundo filho homem que o casal perde. O primeiro se suicidou aos 23 anos. Agora restam cinco mulheres, sendo três casadas. A mesma situação vive Alírio, pai de 10 filhos. Há dois anos, um deles, de 36 anos, foi assassinado. Há oito meses, morreu sua mulher, Mercês Pereira de Souza, vítima de enfarte, aos 52 anos. Antes que ele começasse a falar sobre a bárbara execução do caçula Juliard no México, os olhos do camponês se encheram de lágrimas. Ele mora numa casa também muito simples no Córrego Tronqueirinha, zona rural de Santa Efigênia de Minas, vizinha a Sardoá. O desejo do rapaz de ganhar a vida nos EUA surgiu há quatro anos. ;Primeiro, ele falava em ir para Portugal, mas eu disse que lá não ganharia dinheiro;, conta.
Juliard, que tinha o apelido de Tico, tentou seguir os passos da tia Maria da Glória Aires, 48 anos, e das filhas dela, que conseguiram entrar no território norte-americano pela fronteira com o México. Não teve a mesma sorte. ;Sabemos apenas que ele teve as mãos amarradas para trás, os pés, e foi executado a tiros. Não temos informações de quem levaria Juliard e Hermínio para os Estados Unidos, nem quanto pagaram para isso. Estava tudo certo para que um amigo nosso, que tem a dupla nacionalidade portuguesa e americana, os recebesse lá;, afirmou. Depois de Valadares, segundo Maria da Glória, os dois passaram por São Paulo e pela Guatemala, antes de viajar para o México. Desde que saíram de casa, não falaram mais com os familiares.