Mundo

De volta à tribuna, Fidel Castro alerta para perigo de guerra nuclear

Depois de quatro anos afastado do público, Fidel Castro discursa na universidade. E alerta sobre o perigo de uma guerra nuclear no Oriente Médio

postado em 04/09/2010 07:00

Depois de quatro anos afastado do público, Fidel Castro discursa na universidade. E alerta sobre o perigo de uma guerra nuclear no Oriente Médio Aos 84 anos, Fidel Castro reapareceu ontem no estilo que o consagrou, exibindo saúde e preocupação com os principais temas atuais da política internacional. Depois de quatro anos afastado das multidões e de um longo período debilitado por problemas de saúde, o líder da revolução comunista voltou à tribuna e discursou para milhares de estudantes na Universidade de Havana. À parte a nostalgia pela militância contra a ditadura de Fulgêncio Batista, nos anos 1940, o Comandante expôs sua inquietude com a possibilidade de uma guerra nuclear entre Irã e Israel. ;Coube a Cuba a dura tarefa de advertir a humanidade a respeito do perigo real que está se apresentando. Nessa atividade, não devemos desanimar (...). Diante dos céticos, nosso inconfundível dever é continuar liderando a batalha;, afirmou . ;É sabido, e não me resta alternativa senão recordar o fato de que já não estamos vivendo a época da cavalaria;, ponderou o ex-presidente cubano, referindo-se ao poder destrutivo das modernas armas de guerra. ;A paz com a paz se paga;, aconselhou. O último discurso público de Fidel, mundialmente conhecido por falar horas a fio, datava de 26 de julho de 2006. Ontem, ele falou por 45 minutos. Vestido com a tradicional farda verde oliva, mas sem as insígnias, o Comandante conseguiu lotar as escadarias e a praça em frente à universidade, tomadas por estudantes e moradores de Havana. ;Ele tirou as insígnias porque não é mais o comandante em chefe das Forças Armadas, mas continua sendo um mito, tem uma grande força;, disse ao Correio o professor Helio Doyle, do Núcleo de Estudos Cubanos da Universidade de Brasília (UnB). ;O local escolhido também é muito simbólico. No alto dessa escadaria há uma estátua representando a ;Alma Mater;. É onde se realizavam as grandes manifestações, os grande comícios (de Fidel);, recorda o professor. No ato público de ontem, Fidel estava acompanhado da mulher, Dalia Soto del Valle. Ele lembrou a época de estudante de direito e enfatizou que a Universidade de Havana era a única que existia em Cuba, 65 anos atrás. ;Essa escadaria guarda recordações indeléveis dos anos em que comecei a ter consciência de nossa época e de nosso dever. (;)Nessa idade, descobri meu verdadeiro destino;, disse o ex-presidente cubano. Doyle observa que, apesar de Fidel reaparecer na vida pública cubana, a temática tem sido sempre externa, para não tirar a autoridade do irmão e sucessor, Raúl ; que não compareceu à cerimônia. ;Se ele (Fidel) começa a falar de temas internos, num instante volta a ser, em tese, o presidente. Então, ele tem tomado esse cuidado e tem tratado de temas internacionais: guerra nuclear, Coreias, Irã;;, afirma Doyle. ;É também o que ele escreveu muito nesse período todo (em que esteve se recuperando), nas Reflexões;, completa o especialista em temas cubanos. Perigo nuclear Fidel destacou ontem aos estudantes que nem os Estados Unidos nem Israel ;têm provas; de que o governo de Teerã esteja fabricando armas atômicas. ;Para eles, ter um centro de pesquisa é uma razão para atacá-los. Ter uma central que produza energia elétrica partindo do urânio é algo que não constitui um delito, e para eles é uma prova de fabricação de armas;, disse Fidel. Não é a primeira vez que o líder cubano expõe a tese de seria iminente uma guerra nuclear no Oriente Médio, mas foi a primeira vez que compartilhou a hipótese com a população, em um discurso. Segundo uma fonte da diplomacia cubana disse à reportagem, ;o Comandante sente a necessidade de, com a força de sua figura moral, mobilizar o mundo para deter o perigo nuclear;. ;Ao longo de mais de três meses de incessante batalha, esforcei-me modestamente para divulgar, ante um mundo inadvertido, os terríveis perigos que ameaçam a vida humana em nosso planeta;, disse Fidel à multidão. Em entrevista publicada nesta semana no jornal mexicano La Jornada, o veterano dirigente contou que ;chegou a estar morto; e ;ressuscitou; em ;um mundo de loucos;. Além disso, disse ter ainda muito a fazer, num momento em que o planeta vive ;a fase mais interessante e perigosa de sua existência;. Trechos ; Esta escadaria, à qual nunca imaginei voltar, guarda recordações indeléveis dos anos em que comecei a ter consciência de nossa época e nosso dever. Podem-se adquirir conhecimentos e consciência ao longo da vida inteira, mas jamais, em nenhuma outra época da existência, uma pessoa voltará a ter a pureza e o desinteresse com que se enfrenta a vida quando se é jovem. ; Graças ao exemplo dos que nos tinham precedido, aos estudantes fuzilados por exigência das hordas dos chamados ;voluntários; espanhois, muitos deles nascidos nessa terra mas que se punham a serviço da tirania espanhola; graças ao apóstolo da nossa independência e do sangue derramado por dezenas de milhares de patriotas, em três guerras de independência, nos precedia uma história que inspirava nossas lutas. ; Não me resta alternativa a recordar o fato de que não vivemos na época da cavalaria, do aço das espadas acompanhadas por espingardas de um só disparo, que foram precedidas por máquinas que derrubavam muralhas ou tentavam fazê-lo, ou por carros de combate puxados a cavalo; armas, enfim, sempre cruéis, mas de limitado poder destrutivo. Há mais de 60 anos fala-se do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Por isso, temos assinalado que o poder destrutivo das armas (nucleares) estocadas equivale a mais de 440 mil vezes o poder de uma daquelas bombas. Assim é, é o que diz a matemática. (;) A pretensão ao domínio econômico e militar por parte dos primeiros a utilizar esses aterradores instrumenos de destruição e morte conduziu a humanidade à possibilidade real de perecer. ; Para mim, parece incrível que o temor a um ataque (contra o Irã) se deva às consequências que ele poderia ter para o preço do petróleo e a luta contra a recessão. Não abrigo a menor dúvida de que a capacidade de reação convencional do Irã provocaria uma guerra feroz, cujo controle escaparia das mãos das partes beligerantes. Ela se tornaria irremediavelmente um conflito nuclear global. Ensaio para a autocrítica Na última terça-feira, Fidel Castro, reconheceu que foi o principal responsável pela perseguição aos homossexuais na ilha caribenha, implacável durante as primeiras décadas do regime comunista. A entrevista exclusiva que concedeu à jornalista Carmen Lira, diretora do jornal mexicano La Jornada, foi a primeira a um meio de comunicação impresso estrangeiro desde que Fidel voltou às atividades públicas, há 40 dias. Segundo o líder, a repressão aos gays ocorreu em momentos de ;uma grande injustiça;. Ele reconheceu não ter prestado ;suficiente atenção; àquele fato. ;Se alguém é responsável, esse sou eu;, admitiu Fidel. O professor Helio Doyle, do Núcleo de Estudos Cubanos da UnB, ressalta que, nos primeiros anos depois do triunfo dos guerrilheiros da Serra Maestra, o regime assumiu ;uma ortodoxia soviética e muita hostilidade a ideias contrárias à revolução;, tanto no terreno estritamente político quanto no de costumes. ;Tudo isso ditou uma norma, e os homossexuais realmente foram muito perseguidos. Com o passar dos anos, (o regime) foi liberando. Hoje, quem anda por Havana vê travestis e homossexuais e sabe que, politicamente, não é mais correto hostilizá-los;, explica Doyle. A homossexualidade deixou de ser tratada como crime em Cuba nos anos 1990. Desde 2008, é possível no país fazer cirurgias gratuitas para mudança de sexo. Em ambos os casos, a interferência decisiva foi da nova geração do regime, na pessoa de Mariela Castro, sobrinha do Comandante, cuja participação garantiu também, na prática, status legal para as caminhadas anuais do ;orgulho gay; em Havana. ;Além das mudanças naturais, teve um peso muito grande a filha do Raúl, que é uma militante em defesa da igualdade de gênero. E a idade também está fazendo com que ele (Fidel) olhe para trás e repense alguns temas, reconheça alguns erros. Pode ser até que reconheça outros;, comenta o professor da UnB. Por outro lado, a confederação espanhola LGBT Colegas avaliou recentemente que a homofobia ainda continua latente em Cuba. ;A polícia ainda reprime duramente os homossexuais nos seus lugares de encontro, como parques, praias, cinemas e festas, e continua a encarcerá-los. Também persegue as organizações e ativistas independentes, como a Fundação Reinaldo Arenas, que não é controlada pelo Cenesex;, disse o porta-voz da Colegas, Paco Ramírez, referindo-se ao Centro Nacional de Educação Sexual, dirigido por Mariela Castro. Depois de quatro anos afastado do público, Fidel Castro discursa na universidade. E alerta sobre o perigo de uma guerra nuclear no Oriente MédioA idade também está fazendo com que ele (Fidel) olhe para trás e repense alguns temas, reconheça alguns erros. Pode ser até que reconheça outros; Helio Doyle, professor da UnB

Veja trechos do discurso de Fidel Castro
Primeira Parte
Segunda parte
Terceira parte
Quarta parte
Quinta parte
Sexta e última parte

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação