postado em 07/09/2010 08:16
A escritora inglesa Virgínia Woolf diz, no livro Três guinéus, que a máquina de matar tem um gênero, e este seria masculino. Em carta a um advogado que lhe perguntou como se poderia evitar a guerra, a inglesa responde: ;Por que lutar? Não é uma resposta de nenhum valor. Obviamente, há para vocês (homens) alguma glória, alguma necessidade, alguma satisfação em lutar que nós (mulheres) nunca sentimos ou desfrutamos;. Grupos de mulheres israelenses e palestinas têm concretizado as palavras da escritora e tentam demonstrar que a convivência pacífica é possível, apesar de 60 anos de conflito.No fim de julho, 11 mulheres israelenses levaram palestinas para passear em Telavive e Jaffa, sem pedir ao autorização ao governo do premiê Benjamin Netanyahu ; em desafio à rigorosa lei de entrada em Israel. ;Nós comemos num restaurante, tomamos banho de mar e nos divertimos na praia. Depois, retornamos por Jerusalém e observamos a Cidade Velha de longe;, conta a jornalista israelense Ilana Hammerman. Ela motivou mais mulheres a seguirem seu exemplo depois de relatar sua história, em artigo publicado em maio no jornal Haaretz, quando ousou levar em seu carro as jovens palestinas Lin, Aya e Yasmin para verem o mar pela primeira vez.
No último fim de semana, Ilana reuniu mais israelenses e palestinas para organizarem outro dia de praia em Telavive ; outro dia de ;desobediência civil;, nas palavras da jornalista. Ela explica que não reconhece a legitimidade da ocupação, dos muros e dos postos de controle instalados por Israel no território palestino da Cisjordânia. ;Eu me oponho à ocupação e acredito que a gente pode se manifestar pacificamente. Acho que essas condições não são aceitáveis. Então, tento fazer o melhor;, diz Ilana ao Correio, por telefone, de Jerusalém. Foi depois de uma palestra em Telavive, na qual a jornalista contou sua experiência libertadora de viajar com as palestinas, que outras israelenses pediram para se juntar ao grupo. ;E vamos nos reunir mais vezes e vamos nos encontrar com mais palestinas. Agora, teremos 10 carros ou mais. Não sei se é bem um movimento, mas é um ato espontâneo de desobediência civil;, completa.
A opção por não levar homens, além de ser um ato simbólico, diz respeito à segurança na viagem. ;Muitos israelenses consideram os homens palestinos terroristas (em potencial). Com mulheres, é menos arriscado passar nos postos de controle;, explica Ilana. O ;contrabando; de palestinas para passear em Telavive pode ser punido com até dois anos de prisão. No entanto, a jornalista não teme ser presa ou perseguida. ;Houve uma reclamação oficial contra mim, há alguns meses, quando publiquei a matéria, mas nada aconteceu depois. É muito difícil fazer o controle, porque milhares de pessoas entram e saem pelo postos. Então, eu passo por eles sem me preocupar;, conta Ilana. No fim de agosto, segundo o Haaretz, mais de 600 israelenses já tinham aderido à iniciativa.
Pioneiras
O gesto de Ilana não é inédito em Israel. Há 22 anos, durante a primeira intifada palestina, outro grupo de mulheres se uniu em um ato simbólico. Elas plantaram oliveiras, símbolo de paz para árabes e judeus, e fundaram o movimento Mulheres de Negro. Desde então, toda sexta-feira elas se reúnem em silêncio, vestidas de negro, em uma praça de Jerusalém, para dizer ;não; à ocupação da Cisjordânia. Elas se juntam com palestinas, reunidas no grupo Jerusalém Link, para lutar pelos direitos das mulheres.
;É maravilhoso contemplar oliveiras sem o temor de que uma escavadeira as arranque para construir um assentamento ou uma estrada para colonos;, disse em 2000, pouco antes de morrer na Grécia, Hagar Roublev, cofundadora das Mulheres de Negro, em conversa com Luisa Morgantini, então vice-presidenta do Parlamento Europeu. Oliveiras ainda são derrubadas na Cisjordânia e o azul do Mediterrâneo continua sendo uma paisagem distante para muitos palestinos. Mas os esforços de Ilana e de Hagar pela paz continuam dando frutos.
ACORDO SÓ NO FUTURO
O governo israelense reduziu as expectativas de sucesso nas negociações de paz com os palestinos, retomadas no último dia 2 em Washington. O premiê Benjamin Netanyahu expressou a congressistas americanos sua preocupação de que o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, abandone o processo, depois que a parte israelense se recusou a prorrogar a moratória de construções nas colônias da Cisjordânia. Netanyahu ainda sugeriu que a paz poderia ser selada em um ano, mas o chanceler Avidgdor Lieberman foi mais enfático. ;Assinar um acordo de paz global é um objetivo inalcançável neste ano e nesta geração;, destacou o chanceler em um ato de celebração do ano-novo judaico com seus correligionários do partido ultradireitista Yisrael Beitenu, que apoia incondicionalmente a colonização.
Três perguntas - Ilana Hammerman
Jornalista israelense e ;desobediente civil;
O que a senhora acha das negociações de paz relançadas pelos EUA neste mês? Está otimista?
Não. Eu queria estar otimista, mas, infelizmente, com essa expansão dos assentamentos, não acredito que possa haver paz. Não acredito que (o premiê Benjamin) Netanyahu queira realmente remover as colônias, e sem isso não consigo ver uma solução de dois Estados. Queria ser otimista, mas essa é a situação real. Eles não param de construir assentamentos.
E a senhora acha que a maioria dos israelenses está a favor das colônias ou contra?
Os partidos do governo são a favor dos assentamentos, mas se você perguntar para as pessoas nas ruas, a maioria vai dizer que prefere a paz. As colônias, ao mesmo tempo, recebem grande apoio do governo, do Parlamento. Mas as pessoas querem a paz.
O que a senhora achou da iniciativa do presidente Lula de oferecer a ajuda às negociações?
O Brasil está ficando cada vez mais importante, mas ainda não sei como poderia influenciar as negociações. Não sou política, mas posso dizer que a visita de Lula a Israel e, simetricamente, à Palestina foi muito encorajadora para pessoas como eu. A maioria dos líderes fica em hoteis em Jerusalém, e fica apenas uma hora, duas horas, mas Lula passou bastante tempo nos dois territórios. Falou com líderes de ambos os lados da mesma forma, e isso foi um tipo de declaração.
Navio das mulheres aguarda permissão
Do Líbano, cerca de 50 mulheres de várias nacionalidades planejam zarpar no Maria, um barco que pretende levar ajuda humanitária para o território palestino da Faixa de Gaza, há dois anos sob bloqueio naval israelense. A partida estava prevista para o mês passado, do porto de Trípoli, mas a autorização foi negada. Além do cerco de Israel ao território, o governo do Chipre recusou permissão para que a embarcação cruzasse as suas águas. Segundo a Agência Judaica de Notícias, diplomatas israelenses estimam que existe ;pouca probabilidade; de elas concretizarem seus planos. ;É que, como estamos tecnicamente em guerra, nenhum barco pode partir do Líbano para Israel: precisa fazê-lo de outro país que mantenha relações com o Estado judeu;, diz a nota. O grupo de mulheres agora tenta uma autorização com o governo da Grécia.
As viagens ao território palestino ganharam notoriedade depois que, em 31 de maio, militares israelenses interceptaram em águas internacionais a flotilha Gaza Livre, de bandeira turca, e mataram nove ativistas. Foi depois do incidente com a flotilha turca que a advogada libanesa Samar Hajj e 11 amigas tiveram a ideia de enviar a Gaza um barco só com mulheres. ;Estávamos consternadas pelas violentas imagens na televisão e queríamos fazer algo;, disse. ;Uma das mulheres, em nossas reuniões semanais, invocou o nome de Maria (mãe de Jesus), e foi como uma revelação. O nome era perfeito para um navio tripulado só por mulheres. Quem poderia menosprezar a virgem Maria, reconhecida santa pela maioria das religiões?;, questiona Hajj.
Registro
Elas entraram em contato com Yasser Kashlak, sírio de origem palestina que preside o Movimento Palestina Livre. Kashlak já tinha financiado vários navios que tentaram romper o bloqueio, incluindo os da flotilha turca. O Maria foi inscrito no Registro Internacional Boliviano de Navios(RIBB), dependente do Ministério de Defesa da Bolívia, apesar de não pertencer nem ao governo nem a alguma empresa boliviana.
Hajj conta que recebeu 500 pedidos de mulheres que queriam participar da viagem, mas a capacidade máxima é 10 vezes menor. A metade das inscritas é de libanesas, e o restante se divide entre árabes de outras nacionalidades, europeias e americanas. ;O barco transportará medicamentos contra o câncer e outros artigos necessários para mulheres e crianças. Não vamos levar armas nem terroristas, como diz o Exército israelense;, garante Hajj.