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Pastores queimam Corão e despertam a ira do Afeganistão

postado em 13/09/2010 07:41
O escritor Àsad Afghan, 20 anos, acha que a situação vai ficar bem pior no Afeganistão. O pastor norte-americano Terry Jones, da pequena igreja Dove World Outreach Center (em Gainesville, na Flórida), desistiu anteontem de queimar o Corão. Não foi o bastante para reduzir o nível de violência no país, ocupado por tropas dos Estados Unidos desde outubro de 2001. Pelo terceiro dia consecutivo, protestos violentos deixaram ontem dois mortos e dois feridos em Pul-i-Alam, na província de Logar (leste).

Aos gritos de ;Morte à América;, muçulmanos mais uma vez atacaram lojas e incendiaram pneus e cartazes de candidatos das eleições parlamentares, que ocorrem no próximo sábado. Mohammad Rahim Amin, chefe do distrito de Baraki Barak, contou à agência Associated Press que soldados afegãos abriram fogo contra centenas de manifestantes. ;As pessoas estão nervosas. Em todo lugar, há muçulmanos tristes. A profanação do Corão representa uma chance de ouro para a rede Al-Qaeda;, opinou Àsad, que vive em Khost, a 250km de Logar. ;Muitas pessoas se juntarão a Osama bin Laden e ao Talibã.;

A menção de Jones de queimar as escrituras do islã criou um precedente perigoso. Nos EUA, pastores e ativistas dos estados de Tennessee e Wyoming fizeram o que o pregador da Flórida não teve coragem. Ao meio-dia de sábado, em pleno aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001, Bob Old e Danny Allen borrifaram fluido de isqueiro em exemplares do Corão e atearam fogo, em Springfield (Tennessee). O gesto foi repetido por Duncan Philip, do movimento Equipe de Resposta à Tirania, nas escadarias da sede do Legislativo, em Cheyenne, capital do Wyoming.

Em entrevista ao Correio, Old garantiu que não teve a intenção de ofender o islã. A Christian Church, igreja da qual Old se diz membro, esclareceu em seu site que não tem vínculo algum com o pastor.

Por telefone, Nihad Awad ; diretor executivo do Conselho sobre Relações Americano-Islâmicas (Cair, pela sigla em inglês) ; criticou Old, Allen e Philip. ;Considero muito infeliz o fato de pastores que se clamam caridosos serem tão ofensivos;, desabafou. ;Esse gesto reflete quem eles são: pessoas que tentam chamar a atenção.; Ele alerta que os imitadores de Terry Jones representam um perigo para si mesmos. ;O que eles fazem apenas expõe o que eles pensam. São oportunistas;, acrescenta. Para Awad, a violência no Afeganistão se justifica pelo fato de muitos muçulmanos acreditarem que comportamentos religiosos têm grande representatividade entre cristãos e judeus dos Estados Unidos. ;O melhor modo de defender o Corão é disseminar a ideia contida nele, do perdão.;

O Correio entrou em contato com a Dove World Outreach Center e recebeu a notícia de que Jones, o pastor que instigou os ;imitadores;, fará um comunicado à imprensa no meio dessa semana. Em Springfield, a atitude de Old recebeu a reprovação de colegas. O reverendo Larry Herbert, da Faith Convenant Church, disse à reportagem que a fogueira de Corões foi algo errado. ;Old terá de prestar contas a Deus. Ele precisará lidar com Deus, por conta própria. Tudo o que sei é que continuarei ensinando a palavra do Senhor e ajudando as pessoas a viverem uma vida correta;, disse à reportagem, por telefone.

Mesquita
O clérigo defensor da construção de um centro islâmico ; que incluiria uma mesquita; a duas quadras do Marco Zero, em Nova York, alertou que mudar a localização do projeto seria contraproducente. ;Isso daria a impressão de que o islã está sob ameaça nos EUA;, disse o imã Feisal Abdul Rauf à emissora de televisão ABC News. ;Fortalecerá os extremistas muçulmanos, ajudará a sua capacidade de recrutamento e colocará nossos soldados em perigo, nossas embaixadas e nossos cidadãos;, acrescentou o religioso.

Entrevista BOB OLD
;O que fiz foi pela fé;


O pastor norte-americano Bob Old, de 58 anos, atendeu ao telefonema com um certo receio. Antes de aceitar falar ao Correio, ele perguntou o propósito da entrevista e pediu paciência. ;Não escuto direito;, afirmou. O religioso que queimou exemplares do Corão, o livro sagrado do islã, no quintal de sua casa, em Springfield (Tennessee), garante que ;sente muito; por seu gesto. Mas está longe do arrependimento. ;O que fiz foi um ato de fé;, admite. Old acusou Maomé de ser um ;falso profeta; e assegurou que o Corão sofreu várias modificações ao longo dos séculos. ;Achei que queimar um livro foi melhor do que sequestrar três aviões, arremessá-los contra prédios e matar gente inocente;, declarou. O pastor não teme por sua vida e diz que agiu em nome do amor e da paz.

Por que o senhor decidiu queimar o Corão?
Eu pensei de coração, por muito tempo, sobre fazer isso. Mas; Eu o fiz por três razões. Em primeiro lugar, quis falar com os irmãos em cristianismo, da minha igreja. E dizer a eles que somos o que somos porque somos discípulos criados em nossa igreja. Em segundo lugar, para falar com o povo norte-americano. E para dizer que somos o que somos porque não entendemos a Constituição que nos foi dada por nossos fundadores. A Constituição nos foi dada às custas do sacrifício de muitas vidas. Não para a liberdade de religião, como ela declara. Isso significaria que ela permitiria a adoração a qualquer Deus. A Constituição foi uma ruptura em relação à Inglaterra, em relação à adoração e à liberdade. Os fundadores falaram aos índios que viviam aqui, e sobre como escrever e pronunciar o inglês. Então, lhes ensinaram as escrituras. Eu me dirigi aos muçulmanos porque minha Bíblia me ensina o amor e a compaixão. Eu disse a eles que estavam adorando um falso profeta e um falso Deus. Minhas escrituras pedem-se para ser compassivo e inofensivo o máximo que eu puder, a fim de demonstrar-lhes o que isso causará a suas almas. E que isso vai levar o mundo a uma guerra. Para passar as mensagens de compaixão e amor, achei que queimar um livro foi melhor do que sequestrar três aviões, arremessá-los contra prédios e matar gente inocente. O objetivo foi usar as ferramentas que nossa nação nos dá ; uma nação livre ; para ser capaz de falar aos homens, sem qualquer retribuição. Essas são as razões que utilizei para queimar o Corão.

O que o livro sagrado do islã representa para o senhor?
Para mim, o Corão é de um falso profeta. Eu respeito meus amigos muçulmanos. Eles fazem um bom trabalho, ensinam suas disciplinas e doutrinas e fazem o que a Bíblia nos diz para fazer de coração. Eles podem ter suas pessoas se virando em direção a Meca, três vezes ao dia, enquanto passamos por tempos difíceis para trazer nosso povo à igreja. Eu os respeito. Meu coração dói por eles. Eu estudei e li o Corão. Eu acredito que o irmão Maomé, que disse ter recebido sua mensagem do anjo Gabriel, não tinha testemunhas. Ele teve de memorizar tudo o que o anjo lhe disse e passar para sua mulher, que angariou crentes. Capítulos e escrituras têm se perdido no Corão. Muitos textos do livro foram queimados. Eu acredito que esse foi o único modo de eu levar minha mensagem de amor a todas essas pessoas. Eu sinto muito por qualquer dor ou dano que eu tenha causado a qualquer um. Eu estou pronto para sentar a qualquer momento com um imã e falar sobre as escrituras. Mas agora me sinto hesitante, pois a promessa que fizeram ao pastor (Terry Jones) da Flórida foi quebrada. Não ouvimos clamor contra o que os muçulmanos americanos estão fazendo. Só há queixa de que estão sendo perseguidos.

Seu gesto não pode estimular a Al-Qaeda a atacar os EUA?
Eu rezo para que isso não ocorra. Isso não é o que desejo que ocorra. Eu sou tolerante com a fé das outras pessoas e com o que elas acreditam. Mas não posso ser tolerante o bastante para vê-los (muçulmanos) vindo ao meu país, pegando a Constituição e usando-a contra nós para construírem uma mesquita exatamente no lugar onde mataram 3 mil inocentes. Eu escolhi simplesmente queimar um livro. Eles poderiam ter feito isso com nossa bandeira. Em vez disso, queimaram 3 mil pessoas.

Muitas pessoas o acusam de buscar os holofotes, à margem de Terry Jones;
Se eu quisesse publicidade, eu colocaria cartazes nos 20 andares de uma torre, só para mostrar o que fiz. Mas o que fiz foi um ato de fé. Eu acredito que meu Deus me dá o direito de defender as escrituras, de permanecer ao lado de minha nação e de minha Constituição. O que fiz foi para que nossas tropas saibam que não estão lutando por nada. Há pessoas que creem fortemente que o que nossos soldados fazem é bom.

O senhor não teme por sua vida? Chegou a receber alguma ameaça de morte desde ontem (sábado)?
Não, eu não recebi nenhuma ameaça desde a queima do Corão, senhor. Não temo por minha vida. Eu acredito que o que fiz não foi um ato de violência. Foi meu modo pacífico de disseminar minha mensagem. Eu não estou tentando forçar ninguém a mudar o local da mesquita, como meu irmão na Flórida (Terry Jones) está fazendo. Meus amigos muçulmanos, que já queimaram Bíblias e bandeiras dos EUA, entendem a liberdade de que falo e que meu gesto foi em paz. (RC)

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