postado em 20/09/2010 09:32
Primeiro, veio o terrorismo, com atentados cada vez mais frequentes e letais. Entre 2003 e 2009, os extremistas suicidas mataram pelo menos 25 mil pessoas ; incluindo 7,5 mil civis. Depois, vieram as chuvas de moções. Desde julho passado, quando os primeiros pingos caíram, 1.750 morreram e 10 milhões se viram obrigados a abandonar suas casas. A economia já amarga um rombo de US$ 43 bilhões. Os extremistas decidiram usar a maior catástrofe da história do Paquistão para ganhar terreno no país e lançar a população contra o governo do presidente Asif Ali Zardari, acusado de morosidade ao responder à tragédia. A tática foi apresentada por Ayman Al-Zawahiri, lugar-tenente de Osama bin Laden na rede Al-Qaeda, por meio de uma gravação de áudio divulgada na última quarta-feira. ;O silêncio do nosso povo no Paquistão em relação a esses corruptos é a razão para a evidente incapacidade e o fracasso deles em oferecer ajuda;, afirmou. O médico egípcio que se tornou terrorista também chamou Zardari de ;presidente ladrão, que não consegue lidar com as enchentes devastadoras;.Para o estrategista militar paquistanês Hasan-Askari Rizvi, professor da Universidade do Punjab (em Lahore), o chamado da Al-Qaeda à insurreição popular faz parte de uma nova estratégia da organização de Osama bin Laden, focada na desestabilização do governo. ;Se o Estado paquistanês ficar sobrecarregado (com a resposta às inundações), a Al-Qaeda terá um amplo espaço para perseguir sua agenda;, alerta. Ao tirarem proveito da insatisfação do povo com a performance de suas autoridades, os extremistas acrescentam uma ameaça a um Paquistão já problemático.
Rizvi acha pouco provável que os seguidores de Al-Zawahiri lancem uma campanha de violência no país. Ele lembra que nem todos os grupos extremistas e de ideologia linha dura compartilham do modus operandi da Al-Qaeda. ;Os atentados podem aumentar, mas por meio da milícia Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP) e de seus afiliados;, admite. ;Esses ataques aterrorizam o povo e não constroem apoio à militância. Ao mesmo tempo, enfraquecem a credibilidade do governo, aos olhos da população.;
Diretor do Centro para Pesquisas e Estudos sobre Segurança (em Islamabad) e autor de A Conexão Al-Qaeda ; o Talibã e o terror em áreas tribais, Imtiaz Gul concorda que a organização de Bin Laden lançará mão de redes locais e de auxiliares, como o próprio TTP, para pressionar o governo de Zardari em um momento de fragilidade. ;Os extremistas tentarão causar danos aos interesses do presidente e o forçarão a encerrar a cooperação com os Estados Unidos;, prevê. Ele não se surpreendeu com a mensagem de Zawahiri e explicou que a liderança da Al-Qaeda transformou em rotina as incitações à revolta popular contra Islamabad. ;Isso mostra que a organização trata o Paquistão como seu campo de batalha e considera legítimas quaisquer interferências em assuntos de governo;, diz Gul.
Risco de atentados
Com o Exército paquistanês praticamente todo envolvido nas ações de resgate e socorro aos flagelados pelas enchentes, a vulnerabilidade do país aumentou. ;Ainda que as tropas não tenham sido removidas de áreas tribais, suas operações se restringem agora a movimentações defensivas nessas regiões;, comenta Hasan-Askari. Ele acredita que essa tendência vai se manter pelos próximos quatro a seis meses. ;Tal tática alivia a pressão sobre os talibãs e torna a possibilidade de uma operação militar no Waziristão do Norte (1)mais remota;, acrescenta.
1 - Refúgio de militantes
A região montanhosa do Waziristão do Norte, na parte noroeste do Paquistão, demarca a fronteira com o Afeganistão e perfaz um total de 11.585 quilômetros quadrados. Os Estados Unidos creem que nessa área tribal vivam cerca de 2 mil militantes da rede terrorista Al-Qaeda, inclusive seu líder maior, Osama bin Laden, que estaria recebendo proteção de talibãs e de mujahedine estrangeiros (guerrilheiros islâmicos) ; entre eles, 3 mil uzbeques.
EUA fazem ataques não tripulados
A impossibilidade do Exército paquistanês de fazer frente à catástrofe das enchentes e à ameaça do terrorismo forçou os Estados Unidos a ampliarem a ofensiva com as aeronaves Predator. Se os soldados não podem entrar no Waziristão do Norte, um dos bastiões do terror no mundo, os aviões espiões não tripulados norte-americanos cumprem seu papel com eficiência. Entre os dias 2 e 15 deste mês, foram 13 bombardeios e 75 mortos. Ontem, quatro rebeldes morreram no noroeste do Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, quando o veículo em que viajavam foi atingido por dois mísseis disparados por uma dessas aeronaves.
Com esse mais recente ataque, os Predators realizaram 126 ofensivas e mais de mil pessoas. Para Imtiaz Gul, especialista em terrorismo nas áreas tribais do Paquistão, a intensificação das operações com esse tipo de avião tem uma explicação política. ;Os EUA tentam, desesperadamente, aumentar a pressão sobre a milícia Talibã. O objetivo é mostrar aos norte-americanos que a política do presidente Barack Obama para o Afeganistão é bem-sucedida, antes das eleições parlamentares de novembro;, observa Gul.
Hasan-Askari Rizvi, estrategista militar da Universidade do Punjab, também liga a intensificação dos ataques com aeronaves não tripuladas ao fato de as operações do Exército terem se tornado mais raras nas áreas tribais. Ele garante, porém, que não há sinais de aumento da atividade do Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), o Talibã paquistanês, nessas regiões. ;É provável que os Predators lancem ataques em outras áreas tribais, além do Waziristão do Norte;, admite. Ele prevê que os milicianos comecem a se movimentar com mais frequência entre a fronteira entre Afeganistão e Paquistão. ;Isso criará problemas para os dois países;, observa. Hasan-Askari recorda que o presidente afegão, Hamid Karzai, visitou Islamabad na última quarta-feira, com o objetivo de ;revisar; a situação do terrorismo.