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Em Ruanda, refugiados congoleses estão seguros, mas querem voltar para casa

postado em 22/09/2010 15:45
Maputo (Moçambique) - A Agência Brasil visitou Gihembi, em agosto, um dos campos de refugiados que recebem congoleses em Ruanda. Localizado a 50 quilômetros (km) da fronteira com a Uganda e a 200 km do Congo, Gihembi foi criado em 1996 como solução temporária para receber congoleses que fugiam da guerra civil. Transformou-se em uma cidade de 20 mil habitantes, na maioria membros das etnias banyamulenge e banyamasisi, ligadas aos tutsi ruandeses.

Nos 60 km que separam o campo de refugiados da capital ruandesa Kigali é possível ver plantações de banana e arroz. A estrada é estreita e sinuosa, mas inteiramente asfaltada e sem buracos. Depois de uma hora e meia de viagem surgem casas de taipa enfileiradas nas encostas da colina mais alta da região. Na entrada de Gihembi não há cancelas ou portões. Uma corrente separa o campo da pequena cidade de Byumba. Os refugiados podem circular apenas pela vila. Para ir mais adiante, precisam de autorização do serviço de imigração ruandês. Para facilitar as idas e vindas, cartões de identificação devem ser distribuídos.

O campo também tem uma escola primária - que atende a 4 mil alunos ; feita de paredes de barro e telhado de zinco coberto de poeira marrom. Assim também são todas as casas, erguidas pelos próprios moradores. Muito plástico, pedaços de zinco e tábuas dominam o cenário geral. O chão é de terra batida. Há torneiras pelo campo, onde os moradores buscam água em baldes e garrafões. As construções são mais sólidas do que as barracas de lona vistas em outros campos de refugiados da África Central.

Em uma área fechada por cercas de caniço há salas de consulta médica e atendimento psicológico, onde um médico e cinco enfermeiras recebem os doentes. Casos graves são encaminhados à cidade. Também está instalada uma farmácia, que distribui os medicamentos receitados, inclusive para aids, muito comum em toda a região. Só no campo de refugiados, 248 pessoas estão em tratamento contra a aids.

Anemia a carência nutricional em adultos são casos comuns. Ao lado dos consultórios, uma cozinha com fogões de lenha reforça a alimentação de 148 crianças desnutridas. Lactantes (300) e mulheres grávidas (86) também recebem complemento alimentar. Cada refugiado tem direito a 2.200 calorias por dia. Arroz, milho, feijão e óleo são distribuídos uma vez por mês.

No dia que a equipe da EBC visitou o campo de refugiados de Gihembi, em agosto, era dia de distribuição do suprimento de lenha, que deve durar dois meses. A distribuição é feita em uma praça central, onde também estão montadas bancas de frutas e verduras. A movimentação é intensa. Centenas de mulheres e crianças subiam as ruas de terra com toras de madeira equilibradas na cabeça.

[SAIBAMAIS]As mulheres, maioria visível em Gihembi, vestem panos coloridos amarrados na cintura e na cabeça. Fogem da câmera, assim como os homens mais velhos. Alguns vestem roupas com marcas conhecidas - piratas ou verdadeiras, vindas de doações distribuídas por toda África.

Já as crianças mostram-se curiosas com os visitantes. Sorridentes, fazem poses para a câmera e puxam o repórter pelo braço. Gritam "muzungu, muzungu" ("branco, branco" em kinyarwanda, língua predominante na região) e acompanham de perto o trabalho do cinegrafista da TV Brasil. A maioria fala ou, ao menos, entende francês. E na escola ensina-se inglês. São muitos cumprimentos de "good morning, muzungu (bom dia, branco);.

Elas correm pelas ladeiras de terra, jogam basquete em uma quadra perto da entrada do campo. Também gostam de futebol. Adolescentes mais arredios aproximam-se ao ver a bandeira verde-amarela no colete da TV Brasil. E tentam se comunicar enfileirando nomes de jogadores brasileiros - alguns com sobrenome: "Kaká, Robinho, Ramires, Ronaldo Nazário de Lima".

Como a vila vizinha é pequena, poucas são as oportunidades de emprego - tanto para ruandeses quanto para refugiados. Por isso, poucos congoleses vão à cidade. Além das barracas de frutas e verduras, pequenos comércios vendem refrigerante e crédito para telefone celular pré-pago, além de algumas poucas conveniências.

Alguns refugiados conseguem dinheiro (pouco) fazendo melhorias nas casas dos vizinhos. As enfermeiras também são moradoras e recebem uma pequena contribuição pelo trabalho, bem como os professores. Segundo os moradores, há gente com diploma que vive ali, sem perspectiva, esperando há anos para poder voltar para casa. O máximo que consegue é dar aulas na escola primária.

"Aqui estamos totalmente seguros", diz Gerard Damascene Toma, um dos indicados pelos representares do governo de Ruanda e das Nações Unidas para falar com a Agência Brasil. "Fomos expulsos de nossa terra pela guerra. Espero pelo acordo de paz para retornar e ver o que sobrou", afirma ele, que vive desde dezembro de 1998 em Gihembe. "Não é bom, mas é melhor que lá".

Jean Paul está no campo desde 1997, quando conseguiu escapar da República Democrática do Congo. No campo de refugiados, se sente em segurança. Mas não pensa em ficar. "Não podemos estar satisfeitos. Recebemos comida e abrigo, mas queremos voltar para nossos lugares."

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