O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, parece estar levando a sério a máxima segundo a qual ;se você não pode com o inimigo, estenda-lhe as mãos;. Fontes afegãs e árabes revelaram ao jornal The Washington Post que as autoridades de Cabul retomaram o diálogo de alto nível, em caráter secreto, com a milícia fundamentalista islâmica Talibã. Sobre a mesa de negociações, as partes discutem formas negociadas de terminar a guerra, que completa hoje nove anos. Segundo o site iCasualties.org, a chamada Operação Liberdade Duradoura deixou 2.130 soldados norte-americanos e britânicos mortos ; com 562 baixas, 2010 já é o ano mais violento do conflito.O analista afegão Abdulhadi Hairan, do Centro para Estudos de Paz e Conflito (Caps), afirma que o ex-ministro do Interior Ali Ahmad Jalali e o atual ministro da Educação, Farooq Wardak, representam Karzai nos encontros. Os extremistas enviaram como mediadores os mulás Abdul Salam Zaeef e Wakil Muttawakil. ;Líderes do Partido Nacional Awami, que governa a região de Khyber-Pakhtunkhwa (no Paquistão), também estiveram nas reuniões;, destaca Hairan. O próprio Karzai inaugura hoje o Alto Conselho da Paz, grupo de 70 afegãos incumbidos de definir políticas de negociação com o Talibã.
No entanto, Hairan duvida de que as conversações rendam um acordo de paz definitivo. De acordo com ele, o Talibã não interrompeu os ataques ; uma premissa para qualquer diálogo. ;É completamente errado negociar com eles;, opina. ;São terroristas, mataram milhares de pessoas.; Hairan acredita que a manobra de Karzai seja movida apenas por interesses pessoais. ;O presidente quer salvar os negócios ilegais de seus irmãos. Por isso, está disposto a conversar com os terroristas;, observa. O porta-voz de Karzai, Waheed Omer, confirmou ao Washington Post que ;negociações, de uma forma substancial;, nunca haviam ocorrido. ;Temos feito contatos, iniciados algumas vezes pelos próprios talibãs, em diferentes níveis;, assegurou.
Haroun Mir, analista político afegão, fala sobre as negociações entre o governo Karzai e o Talibã
Segundo o Washington Post, Zaeef e Muttawakil receberam a inédita autorização para falar em nome da Quetta Shura, o conselho diretivo do Talibã baseado no Paquistão, e do mulá Mohammad Omar. ;Eles (os talibãs) estão falando muito, muito sério sobre como encontrar uma solução;, declarou uma fonte ligada às reuniões, sob a condição de anonimato. Haroun Mir, cofundador e diretor do Centro para Estudos e Pesquisas Políticas do Afeganistão (ACRPS, pela sigla em inglês), tem sérias dúvidas sobre isso.
Por telefone, de Cabul, ele lembra que o Talibã deseja ditar qualquer tipo de acordo a longo prazo, por se considerar uma força política e militar, além de uma alternativa ao governo afegão. ;Tenho certeza de que os militantes não pretendem obter logo uma solução para a guerra e vão esperar para enfraquecer ainda mais Karzai;, prevê. Mir alerta que os seguidores do mulá Omar provavelmente acabarão por impor as próprias condições aos Estados Unidos para deporem as armas. No entanto, ele descarta o fim imediato da violência. ;Eles manterão sua estratégia e realizarão ataques contra as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e as tropas do governo;, aposta.
Ataque à Otan
A retomada do diálogo coincide com a pressão exercida pelos militantes islâmicos sobre o Paquistão e os EUA. Nos últimos dias, os talibãs têm intensificado os ataques contra comboios da Otan, numa tentativa de sabotar o abastecimento das tropas ocidentais no Afeganistão. Ontem 35 caminhões-tanque foram queimados em Ajtarabad, nos subúrbios de Quetta, no sudoeste do Paquistão. Foi o quarto atentado contra a logística da Otan em seis dias. A ofensiva foi reivindicada pelos talibãs paquistaneses, aliados da rede terrorista Al-Qaeda, como represália a ataque de aviões não tripulados.
Por e-mail, o paquistanês Imtiaz Gul, diretor do Centro para Pesquisas e Estudos sobre Segurança (em Islamabad), disse acreditar que as ações são resposta à morte de três soldados atingidos por disparos de um helicóptero, semana passada. ;Alguns grupos militantes perceberam que as ofensivas da Otan estão colocando mais pressão sobre o governo do presidente Asif Ali Zardari e complicando a situação;, opina.
CARGA SUSPEITA DO IRÃ
; A polícia do Afeganistão apreendeu 20t de explosivos procedentes do Irã ocultos em caixotes. Oficialmente, a carga deveria conter alimentos e utensílios de cozinha. De acordo com Mohamad Musa Rasuli, vice-chefe de polícia da província de Nimruz (oeste), os explosivos foram encontrados num posto de alfândega. O comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e membros do governo afegão suspeitam que o Irã forneça armas aos insurgentes islâmicos.