postado em 09/10/2010 08:00
A reação foi imediata. Logo após o anúncio do nome do dissidente e escritor chinês Liu Xiaobo como Nobel da Paz de 2010, o governo da China determinou que forças de segurança cercassem o apartamento de Xia ; mulher de Liu ; e a silenciassem. O próprio ativista, que cumpre pena de 11 anos de prisão, ficou sem receber a notícia. O regime ordenou a detenção de 20 ativistas que celebravam a concessão do prêmio mais prestigioso do planeta e censurou os principais sites do país, assim como as redes de telefonia móvel. Durante todo o dia de ontem, chineses que digitavam as palavras-chave ;prêmio Nobel, paz, Liu Xiaobo; não recebiam qualquer resultado nos sites de busca, como Sina, Sohu e Baidu. O filtro também foi ativado no Weibo, microblog semelhante ao Twitter. As mensagens de SMS contendo o nome de Liu foram bloqueadas.
Mas a reação mais dura foi a convocação do representante norueguês em Pequim para prestar explicações. ;O embaixador foi convocado ao Ministério das Relações Exteriores, onde foi informado sobre o descontentamento e o protesto das autoridades chinesas;, confirmou à agência France-Presse o porta-voz Ranghild Immerslund. O regime comunista vinha advertindo a Noruega de que não toleraria a premiação a um ;criminoso; ; desde dezembro de 2009, Liu está na prisão de Jinzhou, 500km a noroeste de Pequim, por ;incitar a subversão ao estado de poder;.
[SAIBAMAIS]
Os alertas não foram suficientes para intimidar o Comitê Nobel, que enviou um forte recado político a Pequim. Após afirmar que Liu foi agraciado ;por sua batalha longa e não violenta pelos direitos humanos fundamentais na China;, o organismo sublinhou sua crença na ligação entre os direitos humanos e a paz. ;O país tem hoje a segunda maior economia do mundo. Centenas de milhares de pessoas foram retiradas da pobreza. O escopo para a participação política tem ampliado. O novo status da China deve implicar aumento de responsabilidade;, sustenta o texto. Em várias partes do mundo, a decisão foi celebrada e acompanhada por pedidos, como da União Europeia, para que o dissidente possa receber o prêmio em pessoa.
De acordo com o comunicado, o artigo 35 da Constituição da República Popular da China atesta que ;os cidadãos gozam de liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação e de manifestação;. O texto sustenta, porém, que essas liberdades vêm sendo ;distintamente reduzidas; para os cidadãos. ;Por duas décadas, Liu tem sido um firme porta-voz para a aplicação dos direitos humanos fundamentais na China. Tomou parte nos protestos da Praça da Paz Celestial, em 1989, e foi o mentor da Carta 08, um manifesto por tais direitos na China;, acrescenta a nota. Xia, mulher de Liu, divulgou nota na qual afirma ter sido ;inundada por centenas de diferentes emoções;. Ela agradeceu ao comitê, a Vaclav Havel (ex-presidente da República Tcheca), ao bispo Desmond Tutu e ao dalai-lama. ;Isso (o prêmio) vai acelerar a entrada da China no mundo civilizado real;, comemorou.
Barack Obama, presidente dos EUA e ganhador do Nobel da Paz de 2009, saudou a premiação de Liu e sustentou que o chinês ;sacrificou sua liberdade por suas convicções;. ;Essa recompensa nos recorda que as reformas políticas não ocorreram e que os direitos fundamentais de cada homem, cada mulher e cada criança devem ser respeitados;, enfatizou. ;Nós pedimos ao governo chinês que liberte o senhor Liu o mais rápido possível;, concluiu. O dalai-lama, também ganhador do prêmio, afirmou que o comitê refletiu o reconhecimento internacional das ;vozes crescentes para empurrar a China rumo a reformas políticas, legais e constitucionais;. Também defendeu a imediata libertação do laureado.
Ofensa
Por telefone, a ativista chinesa Tienchi Liao, presidenta da ONG Independent Chinese PEN Centre, disse ao Correio que a reação de Pequim não surpreende. ;O governo chinês está furioso. A concessão dessa grande honra a Liu Xiaobo é um tapa no rosto (do regime);, comenta. ;O governo enfrenta um dilema: sabe que a pressão internacional é muito intensa, mas entende que não pode libertar Liu imediatamente;, explica. Ela acha possível que o Nobel da Paz ajude a reduzir o tempo de Liu na prisão, e destaca a importância do dissidente. ;Desde a década de 1980, ele tem batalhado para levar os direitos humanos não apenas aos intelectuais, mas também aos cidadãos comuns. Já escreveu mais de 10 livros e mil artigos e expôs ideias filosóficas. É um crítico verdadeiro, que se importa com a juventude;, observa.
O Nobel da Paz para Liu nasceu da iniciativa de Kwame Anthony Appiah, professor de filosofia da Universidade de Princeton. Em 29 de janeiro, ele enviou uma carta ao Comitê Nobel indicando o chinês. Ontem, menos de uma hora após a divulgação do premiado, Appiah revelou ao Correio seu contentamento. ;Com a Carta 08, assinada por dezenas de milhares de pessoas, Liu se transformou em um movimento. Ele é um símbolo da liberdade, uma pessoa muito articulada e, sobretudo, corajosa;, afirmou, por telefone, de Los Angeles. ;Liu se encaixa no espírito do prêmio;, acrescentou. Um dia após ganhar o Nobel de Literatura, o escritor peruano Mario Vargas Llosa declarou que o prêmio a Liu é ;uma homenagem a todos os dissidentes chineses e a todos os chineses que querem o crescimento e o progresso na China, não apenas econômico, como também político;.
Entrevista Yang Lian
"O massacre foi o ponto de virada;
Na década de 1970, Yang Lian fazia parte do primeiro grupo clandestino de escritores da China que publicou a revista literária Jiantian (;Hoje;, em mandarim). Em várias ocasiões, o poeta de 55 anos encontrou-se com Liu Xiaobo. ;Ele não fazia parte do grupo, mas éramos da mesma geração e nos reuníamos em eventos diferentes;, contou ao Correio, por telefone, de Londres. ;Liu mostrava-se como uma espécie de crítico e filósofo, enquanto eu era um poeta;, lembra. Em junho de 1989, após o governo chinês reprimir o movimento pela democracia na Praça da Paz Celestial, em Pequim, e executar 2,6 mil manifestantes, Yang Lian refugiou-se na Austrália e na Nova Zelândia. Na década de 1990, foi indicado ao Nobel de Literatura. Membro da diretoria da International PEN ; organização fundada em 1921 para lutar pela liberdade de expressão ;, ele considera o Nobel da Paz uma ;ótima; notícia para pensadores independentes da China.
Como o senhor recebe a notícia do prêmio, e o que deve mudar na China com esse Nobel?
Eu creio que essa é uma notícia ótima para os pensadores independentes na China, que ainda estão em situação difícil, ainda que a economia chinesa esteja crescendo muito mais que antes. Os intelectuais chineses que falam sobre a situação política estão vivendo uma realidade muito difícil. O Nobel da Paz é uma espécie de apoio a esses pensadores.
Existe a possibilidade de Pequim libertar Liu nos próximos dias? O senhor teme pela integridade física de Liu?
Não creio que a China colocará a vida de Liu em perigo, porque ele é a base desse prêmio. Está preso e impedido de deixar a prisão. Esse Nobel da Paz será de grande ajuda para o próprio Liu. Tenho certeza de que o prêmio apoiará a confiança dele em sua luta. De alguma forma, o Nobel deixará o governo chinês em uma situação muito embaraçosa e difícil. A China não se renderá e não o libertará apenas por causa do prêmio. No entanto, como o Nobel foi dado a Liu, cada dia de sua prisão será como um dia de punição a Pequim.
A China reagiu convocando o embaixador da Noruega e detendo dissidentes. Como vê isso?
A reforma econômica foi muito boa para a China e para o mundo, porque Pequim agora pode desempenhar um papel mais ativo. O Partido Comunista pretendia comprar o apoio internacional à candidatura de Liu. Ceder à pressão seria o mesmo que desistir dos direitos humanos e da democracia. Seria o mesmo que trocar princípios espirituais por dinheiro. A China tenta separar-se do Ocidente, evitando intromissão em seus assuntos e mudanças em sua cultura política.
De que modo o senhor definiria Liu, enquanto pessoa e intelectual?
Ele é um jovem nervoso, um contestador, tenta criticar e atacar a todos. Uma das melhores coisas em Liu é seu foco na realidade chinesa, especialmente em relação à política. Ele gradualmente construiu seu pensamento, voltado para a compreensão das dificuldades alheias. Liu está escrevendo e pensando de uma forma muito mais profunda, especialmente após o massacre da Praça da Paz Celestial, quando foi preso. A chacina representou o ponto de virada para que ele entendesse os processo de mudanças que ocorria na China. Ele voltou a ser um pensador real, uma verdadeira voz independente, um organizador da liberdade de expressão. Fiquei muito feliz com a notícia. No dia em que assumi a diretoria do International PEN, ele me telefonou e conversamos bastante. (RC)
"Como o Nobel foi dado a Liu, cada dia de sua prisão será como um dia de punição a Pequim"
Yang Lian, poeta chinês exilado
Tienchi Liao, presidenta da ONG Independent Chinese PEN Centre (Hong Kong), fala sobre o Nobel da Paz a Liu Xiaobo (em inglês)
Eu acho... ;Convocar o embaixador da Noruega em Pequim apenas mostra que a China não entende as sociedades livres. E, se eles não entendem as sociedades livres, trancafiarão as pessoas que expressarem sua alegria pelo prêmio. As autoridades chinesas serão lembradas como gente que fracassou em fazer seu país mover-se adiante. Xiaobo e seus simpatizantes sempre serão celebrados como heróis; Anthony Akroma-Ampim Kusi Appiah, professor de filosofia da Princeton University
;O Nobel da Paz é um alerta ao governo da China de que ele não pode reprimir pessoas que têm opiniões diferentes ; especialmente, jornalistas, intelectuais e advogados. A concessão desse prêmio a Xiaobo tem um significado simbólico muito profundo, de encorajamento aos intelectuais chineses; Tienchi Liao, presidenta da ONG Independent Chinese PEN Centre, sediada em Hong Kong