Silvio Queiroz
postado em 16/10/2010 07:37
O prefeito que governava Berlim durante o vertiginoso processo da queda do Muro, em 1989, e da reunificação - da cidade e da Alemanha - tem uma lição preciosa para Brasília: a capital de um país tem de espelhar a nação e ser por ela reconhecida como a sua vitrine para o mundo. Em sua primeira visita ao país, para uma série de eventos comemorativos dos 20 anos da reunificação, Walter Momper, 65 anos, falou à coluna também sobre as perspectivas para as relações bilaterais no pós-Lula.
Como foi a experiência de falar para o público brasileiro?
Tinha mais de 100 pessoas na plateia, o que mostra o grande interesse pelo assunto, e isso me alegra, naturalmente. Nem sempre as pessoas conhecem realmente o assunto, mas pelas perguntas me ficou a impressão de que o público tinha noção do que (a queda do Muro) significou para a Alemanha e para o mundo. Achei isso interessante e surpreendente essa atenção dos brasileiros.
Na época da queda do Muro, o senhor descreveu os alemães como "o povo mais feliz do mundo". Como lhe parece agora, passados 20 anos?
Acho que os alemães ainda são um povo feliz. Quando foi que outro povo conseguiu a liberdade de maneira tão pacífica e com tamanha união? Na maioria dos casos, houve guerras civis ou revoluções sangrentas, mas não conosco. Isso, por si, já é um presente para um povo, no caso para os alemães. E que essa revolução pacífica tenha sido vitoriosa, foi infelizmente uma exceção na história da Alemanha. Portanto, acho que somos felizes por isso. Naturalmente, ainda existem problemas, mesmo depois de 20 anos. O desenvolvimento da indústria e da economia na antiga Alemanha Oriental ainda não alcançou 100% do padrão da parte ocidental, isso ainda vai demorar um pouco. A construção de uma economia baseada na concorrência está demorando mais do que se esperava. E, naturalmente, continuam convivendo mentalidades diferentes. Quem viveu 30 ou 40 anos sob uma ditadura, sob esse modelo de ditadura comunista, não se acostuma facilmente a uma sociedade aberta, onde as pessoas têm de tomar as próprias decisões, dizer o que pensam e manifestar seus interesses. Ao contrário, estão habituadas a deixar-se conduzir em todos os campos, a se expressar plenamente apenas na vida privada, e essa é uma atitude que não funciona em uma sociedade fundada no desempenho individual e na competição.
E Berlim? O senhor governou a metade ocidental da cidade quando ela era uma ilha na Alemanha Oriental comunista? Como o senhor vê a Berlim reunificada?
Em Berlim, o Leste e o Oeste da Alemanha tiveram de se "trombar", obrigatoriamente. Essa foi uma experiência nova (inédita) para toda a sociedade. Não foi apenas para os que viviam na parte oriental que tudo mudou. Foi diferente de cidades como Munique e Hamburgo, onde as coisas continuaram como antes. Em Berlim, tudo mudou rapidamente nesses 20 anos. E esse processo se associou à reconstrução de uma capital. Portanto, em Berlim, quem tivesse uma mentalidade exclusivamente ocidental não poderia jogar um papel efetivo. Ao contrário, lá as pessoas do leste e do oeste tiveram de se misturar, e como resultado Berlim é ainda relativamente jovem, para uma cidade grande. Para um terço dos moradores de Berlim, que nasceram ou se mudaram para lá depois da reunificação, a época da divisão da cidade é apenas história, é passado. Por isso, elas interagem mais naturalmente e com isso constroem identidades sociais e culturais mais homogêneas do que em cidades como Hamburgo e Leipzig, por exemplo.
E o cenário político da capital? Até a queda do Muro, Berlim era o centro nervoso da Guerra Fria. Como é o panorama hoje?
A cidade apresenta hoje um quadro com cinco partidos políticos com representação parlamentar, como ocorre no nível federal e na maioria dos estados da parte ocidental: além da democracia cristã e da social-democracia, temos os liberais, os verdes e os herdeiros do Partido Comunista oriental. Estes últimos ocupam um nicho que pode ser localizados entre os verdes e os social-democratas. Não existe uma corrente política verdadeiramente comunista ou socialista radical com algum peso politico. No começo, eles se apresentavam como um partido regional, que representava o Leste e os ossies e apontavam mazelas sociais. Nesse meio tempo, voltaram-se também para o ocidente e pode-se dizer que se tornaram o partido radical no campo das políticas sociais. Em Berlim, o quadro dos cinco partidos funciona não muito diferentemente de como era na antiga Alemanha Ocidental. Na época, a social-democracia e a democracia cristã tinham uma força equivalente, cada uma com mais ou menos 40% dos votos, e precisavam formar coalizão com os verdes ou os liberais para governar com maioria. Esse jogo de alianças se tornou mais variado. No nível federal, já tivemos governos de "grande coalizão" entre os dois maiores partidos, mas também coalizões cristã-liberais e social-verdes. E, em Berlim, temos um governo da social-democracia com os ex-comunistas.
Berlim tem uma longa história, foi dividida e depois reunificada para ser novamente a capital. Brasília, ao contrário, é jovem e foi construída para ser capital. Podemos comparar duas experiências tão diferentes?
Berlim tem 3,5 milhões de habitantes. É mais ou menos o mesmo que Brasília? Bem, mas numa superfície quatro vezes menor. E a Alemanha é bem menor que o Brasil... A mudança mais representativa para Berlim foi que, por ser a capital, foi necessário reconstruir edifícios e instalações governamentais, as instituições centrais do Estado. Nosso centro histórico virou como uma área livre, porque tinha sido bombardeado na Segunda Guerra e depois tinha estado virtualmente fechado. Nesses 20 anos, cresceu rapidamente a consciência dos berlinenses de que a cidade é a capital, assim como entre os alemães como um todo se firmou rapidamente a percepção de Berlim como capital federal. As capitais são uma espécie de vitrine da nação, não apenas em relação ao Estado, mas também à vida cultural, e isso parece firme na consciência dos alemães. Foi um processo interessante, em que não faltaram disputas e contradições, mas que foi bem-sucedido.
Em duas semanas será eleito o novo presidente do Brasil. Como o senhor avalia esses anos de governo Lula?
Foi um governo muito bem-sucedido no combate à pobreza e ao analfabetismo, assim como na projeção do Brasil como potência econômica de alcance mundial. Cresceu na Alemanha o interesse pelo Brasil e pela América Latina em geral. Vamos ter a Olimpíada de 2016 no Rio, e em 2012 todos assistirão à Copa do Mundo no país do futebol. São grandes oportunidades para o país. Esse maior interesse pela região acompanha o fortalecimento econômico e político, em especial do Brasil, como o maior país. Claro, todos desejamos que o Brasil cumpra os objetivos que fixou para si mesmo no combate às mudanças climáticas, em especial no que diz respeito à preservação da floresta amazônica - esse é um tema de particular interesse para a opinião pública alemã. O Brasil estabeleceu metas ousadas, e espero que um próximo governo não desista de cumpri-las.
Qual é a sua expectativa para o futuro das relações Brasil-Alemanha?
Bom, naturalmente esperamos que os intercâmbios e o comércio cresçam, para benefício mútuo. Quanto à América Latina, que prossiga o desenvolvimento pacífico e bem-sucedido no combate à pobreza e ao analfabetismo, assim como na redução das emissões de gás carbônico - e nesse aspecto a cooperação é importante. O cumprimento das metas mundiais em torno do clima é importante não apenas para a Alemanha, mas para o Brasil e para todos.