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Ex-presidente argentino morre aos 60 anos e deixa a sucessora viúva

postado em 28/10/2010 08:58
Luto dos argentinos diante da Casa Rosada: ex-presidente superou crises econômicas e políticasCom passadas tristes, a presidenta Cristina Kirchner entrará hoje no Salão dos Passos Perdidos, no Congresso Nacional argentino, para prestar uma última homenagem ao marido e antecessor. A viúva, os argentinos e o mundo foram surpreendidos na manhã de ontem pela morte do ex-presidente Néstor Kirchner, vítima de um infarte fulminante aos 60 anos. Ele chegou a ser levado a um hospital em El Calafate, no sul do país, onde o casal descansava, mas não foi possível reanimá-lo. Em 12 de setembro, Néstor tinha passado por uma angioplastia (cirurgia para desobstruir a artéria coronária), e acreditava-se que ele se recuperava bem. Em fevereiro, o ex-presidente tinha sido operado com urgência de um problema na artéria carótida direita, e na ocasião os médicos avaliaram a operação como bem-sucedida.

Na residência do casal Kirchner, na província sulina de Santa Cruz, houve ontem uma despedida exclusiva para familiares e amigos. O padre Carlos Alvarez, que esteve ao lado de Cristina, afirmou que a presidenta demonstrou ;muita força e valentia;, e lhe disse que ;seguirá lutando;.

Néstor Kirchner dá posse à mulher, Cristina, que o sucedeu em 2007: o casal dominou a cena política argentina nesta década e tinha planos para seguir governandoA notícia da morte de Kirchner ensombreceu o aniversário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem completou 65 anos. Em cerimônia no Porto de Itajaí (SC), Lula decretou luto por três dias, inclusive porque o ex-presidente argentino ocupava a secretaria-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), pela qual ambos se empenharam. ;Sempre tive em Néstor Kirchner um grande aliado e um fraternal amigo. Foram notáveis o seu papel na reconstrução econômica, social e política de seu país e seu empenho na luta comum pela integração sul-americana;, disse Lula por meio de nota oficial. Ele é esperado hoje em Buenos Aires, para os funerais. No Rio de Janeiro, o chanceler Celso Amorim se disse ;consternado; e ;chocado;. ;Foi com grande pesar que recebi a notícia;, lamentou Amorim, que destacou a contribuição do argentino para o avanço do Mercosul e da Unasul.

Em Buenos Aires, as ruas registraram pouco movimento na maior parte do dia. O país tinha se preparado para um feriado especial, quando todos esperam em casa a visita dos funcionários do censo. ;Por lei, fica proibida a abertura de estabelecimentos comerciais e culturais. Nem mesmo os postos de gasolina funcionam. Os hospitais e os sistemas de transporte trabalham com pessoal reduzido. Apenas as bancas de jornal costumam abrir;, disse ao Correio o economista Agustín Trombetta. A notícia da morte de Néstor levou alguns grupos a homenagearem o presidente em avenidas centrais da capital.

Vazio de poder
Ainda em meio ao baque, os argentinos começavam a discutir perspectivas para o futuro político do país. Carlos Escudé, diretor do Centro de Estudos Internacionais da Universidade Cema, em Buenos Aires, considera que Néstor foi ;injustamente julgado por seus contemporâneos;. ;Foi o homem a quem devemos a saída da crise de 2001 e 2002;, afirma Escudé. O analista internacional Pablo Mera também destacou que o ex-presidente ;foi protagonista central da política argentina durante a última década e conseguiu dar rumo a uma Argentina em crise e desorientada;. Por outro lado, o professor de política sul-americana da Universidade Católica, Eugenio Kvaternik, indica que Néstor e Cristina ;converteram a Argentina no país com a segunda taxa mais alta de inflação do mundo;.

Os analistas concordam que Néstor era o principal precandidato do Partido Justicialista para disputar as próximas eleições presidenciais, e que sua morte deixa um vazio de poder que deverá ser fortemente disputado ; tanto por setores governistas quanto pela oposição. ;O coquetel de menos poder que terá o governo sem Kirchner, mesclado com uma confrontação aguda, conduz sem dúvida a um cenário de deterioração institucional;, teme Kvaternik, que menciona até uma renúncia presidencial antecipada. Já Mera descarta uma ;situação de desgoverno;, pois considera que Cristina, embora aos olhos da opinião pública estivesse sempre à sombra do marido, possui longa trajetória política própria. ;A presidenta tem um ano difícil pela frente, com a árdua tarefa de demonstrar de forma solitária sua verdadeira natureza na hora de governar, sem sombras nem fantasmas ao redor. As circunstâncias a obrigam a ser ela mesma, mais que nunca.;

Peronismo fica sem a referência

;Peço-lhes que ajudem Cristina, que é uma mulher de coragem disposta a transformar a pátria;, disse o ex-presidente Néstor Kirchner em um de seus muitos discursos na Plaza de Mayo, em Buenos Aires. Talvez, se tivesse tido tempo de discursar antes de morrer, ele repetisse a frase e pedisse apoio para sua mulher. Apesar das brigas ; algumas anedóticas, como na ocasião em que, na residência de El Calafate, Cristina teria dito ao marido: ;A presidenta sou eu!” Na vida a dois como na política, os dois sempre caminharam juntos desde que se casaram, em 1975. O ex-presidente deixa os filhos Máximo, 32 anos, e Florencia, 19.

Néstor Kirchner nasceu em 25 de fevereiro de 1950, em Río Gallegos, na Patagônia argentina. Foi durante os conturbados anos 1970, quando militavam na Juventude Peronista e estudavam direito na Universidade de La Plata, que Néstor e Cristina se tornaram o ;casal K;. Advogado formado em 1976, ele chegou a prefeito de sua cidade natal (1987-1991) e a governador da província de Santa Cruz (1991-2003), antes de se tornar presidente ; sempre pelo Partido Justicialista (peronista). Em 2003, deixou de ser um político regional para tornar-se não apenas presidente, mas líder latino-americano e figura-chave de um peronismo desfigurado após o governo de Carlos Menem. Kirchner derrotou-o e recebeu o comando do país das mãos de Eduardo Duhalde ; outro cacique peronista ;, que renunciou antes de completar o mandato inconcluído de Fernando de la Rúa. Foram anos marcados pela crise econômica e pela instabilidade política.

Seu mandato na Casa Rosada, entre 2003 e 2007, caracterizou-se por uma tensa relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mas também pelo crescimento da economia, pela redução da pobreza e do desemprego. Seu governo também ficará na história pela abertura dos arquivos da ditadura militar (1976-1983) e pelo julgamento de crimes contra os direitos humanos cometidos no período.

Néstor Kirchner exercia o cargo de secretário-geral da Unasul desde 4 de maio último, e também ocupava um cadeira de deputados, além de presidir o Partido Justicialista. ;Seu estilo de liderança, baseado na confrontação, permitiu-lhe impor algumas posturas fortes e conflituosas, que lhe geraram tanto admiradores quanto detratores;, resume o analista de política internacional Pablo Mera. Com eleições presidenciais marcadas para outubro de 2011, seu nome aparecia como um dos favoritos para voltar ao cargo.

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