Agência France-Presse
postado em 28/10/2010 19:52
A morte do ex-presidente Néstor Kirchner, o político mais poderoso da Argentina, deixou sua viúva e chefe de Estado, Cristina Fernández, no centro da cena política e põe à prova sua capacidade de liderar o governo até as eleições de 2011, avaliam especialistas.Presidente entre 2003 e 2007, Kirchner - cuja morte repentina, na quarta-feira, de ataque cardíaco, comoveu o país - exercia um papel crucial como artífice do tecido político que dava sustentabilidade ao governo da esposa, concordam analistas políticos, em declarações à AFP.
"Agora não resta dúvida alguma de que a única figura do cenário político é a presidente Cristina Kirchner", diz o sociólogo Ricardo Rouvier, descartando inconvenientes na governabilidade, embora tenha questionado a capacidade da presidente de cumprir o papel do marido.
A corrida para as presidenciais do ano que vem está em plena fase de lançamento, com muitos opositores e possíveis candidatos à esquerda e à direita do governo, mas nada está definido e menos ainda no peronismo, onde há uma considerável força dissidente que procura um candidato ;antikirchnerista;.
Néstor Kirchner "era um grande construtor do consenso institucional indispensável. Agora, é Cristina que terá a responsabilidade de ser uma grande articuladora política. É preciso ver se vai ser capaz de realizar esta tarefa delicada", afirma Rouvier.
Já o cientista político e professor da Universidade de Buenos Aires, Edgardo Mocca, rejeita que a morte de Kirchner deixe o governo em meio à incerteza. "Obviamente são enormes as repercussões políticas, mas não é que estejamos em uma situação de incerteza, como alguns pretendem impor, nem de crise institucional", explica Mocca, considerando que serão inevitáveis mudanças no gabinete.
"Certamente haverá reacomodações devido à proximidade das eleições. É óbvio que será necessário combinar a gestão de governo com a construção política de alianças necessárias para a disputa" eleitoral, argumenta Mocca.
[SAIBAMAIS]No entanto, ele adverte que a situação pode ser aproveitada por setores da oposição para gerar desestabilização. "É um velho problema da Argentina, não se deve esquecer o ódio particular de setores que não se viram beneficiados pelo ;kirchnerismo; e cujos movimentos nem sempre caminham de modo democrático e adquirem uma ação desestabilizadora", reforça.
De qualquer forma, para Mocca, aqueles que quiserem trabalhar neste sentido "não poderão perder de vista" o "enorme clima de solidariedade do conjunto da sociedade com relação à presidente, independente da opinião que cada um tiver sobre sua gestão de governo".
"Qualquer um que pretenda dar passos desmedidos vai correr o risco de ficar mal parado diante da opinião pública", diz.
A socióloga Doris Capurro explica que, embora a morte do líder do ;kirchnerismo; deixe um vazio político, seu desaparecimento físico acaba fortalecendo o governo. "Isto fortalece o governo de Cristina porque, com a morte de Néstor Kirchner, desaparecem os argumentos da oposição contra o projeto do ;kirchnerismo;", alega.
A socióloga e pesquisadora lembra que, embora "o ;kirchnerismo; gerasse um certo repúdio, suas medidas têm cerca de 80% de apoio popular", segundo as pesquisas de opinião. "Kirchner deixa uma herança clara e este legado o deixa na liderança de Cristina, razão pela qual será crucial a decisão que ela tomar frente às eleições. É a candidata natural, dependerá dela", diz.
Com relação à capacidade da chefe de Estado de enfileirar atrás de si os tumultuosos correligionários do Partido Justicialista que seu marido presidia, os analistas coincidem em que ela poderá superar com sucesso esta batalha. "Nem todas as facções juntas conseguem ter lugar no eleitorado frente ao ;kirchnerismo;", afirma Capurro, lembrando que consultas recentes situaram Néstor Kirchner ou a própria Cristina "muito perto de vencer no primeiro turno" e o impacto do falecimento "capitaliza ainda mais a intenção de voto em seu favor".