Santiago de Compostela - O Papa Bento XVI denunciou neste sábado (6/11), no início de uma visita de dois dias à Espanha, o retorno do agressivo movimento anticlerical e laicista que este país viveu nos anos 30 e pediu pelo encontro entre a fé o laicismo na Europa.
"A Espanha viu nos anos 30 (durante a II República, antes da Guerra Civil) o nascimento de um anticlericalismo e de um movimento de secularização e incremento do laicismo forte e agressivo", recordou, em declarações aos jornalistas a bordo do avião que o levava a Santiago de Compostela (noroeste).
"Esse movimento e o enfrentamento entre a fé e a modernidade volta a ocorrer hoje e é muito forte", acrescentou, ao ser indagado sobre a fragilização do catolicismo nesse país.
O chefe da Igreja disse ter constatado esse problema em suas viagens à República Tcheca, França e Reino Unido, apesar de estar "muito acentuado na Espanha". Por isso pediu um "encontro entre a fé e o laicismo e não um confronto na Europa".
"A fé deve continuar se renovando para chegar a encontrar-se com o laicismo", insistiu.
Bento XVI foi recebido no aeroporto de Santiago de Compostela (noroeste) pelo príncipe herdeiro da Coroa, Felipe de Borbón, sua esposa, Letizia, e membros do governo espanhol e outras autoridades políticas e religiosas.
"Venho como peregrino neste Ano santo Compostelano e desejo unir-me assim a essa larga fileira de homens e mulheres que, ao longo dos séculos, chegaram a Compostela de todos os cantos da Península e da Europa e, inclusive, do mundo interior, para colocar-se aos pés de Santiago", anunciou, em suas primeiras palavras no aeroporto.
Bento XVI recordou que seu antecessor, João Paulo II, em sua viagem a Santiago de Compostela em 1982, "exortou o Velho Continente a dar nova pujança a suas raízes cristãs".
Como ele, "também gostaria de convidar a Espanha e a Europa a edificar seu presente e a projetar seu futuro a partir da verdade autêntica do homem, da liberdade que respeita esta verdade e nunca a fere, e da justiça para todos, começando pelos mais pobres e desvalidos", afirmou.
"Uma Espanha e uma Europa não apenas preocupadas com as necessidades materiais dos homens, como também morais e sociais, espirituais e religiosas, porque só assim se trabalha eficaz, íntegra e fecundamente por seu bem", afirmou, em seu discurso em espanhol e galego.
Posteriormente, durante a visita à catedral de Santiago, antes de oficializar uma missa ao ar livre, o Papa recordou que a peregrinação do Caminho de Santiago não é apenas fazer turismo, num momento em que esse percurso atrai cada vez mais pessoas por motivos não religiosos.
"Peregrinar não é simplesmente visitar um lugar qualquer para admirar seus tesouros de natureza, arte ou história. Peregrinar significa mais, sair de nós mesmos para irmos de encontro a Deus", afirmou o Papa em seu discurso na catedral de Santiago de Compostela, depois de orar ante o túmulo do Apóstolo Tiago.
Após orar ante a imagem do santo padroeiro da Espanha, o Papa se dirigiu aos fieis e autoridades, em um discurso interrompido várias vezes por ovações.
O Papa recordou que os principais lugares de peregrinação católica são Jerusalém e a Terra Santa - "vinculados à paixão, morte e ressurreição do Senhor", Roma - "cidade do martírio de Pedro e Paulo" - e Santiago de Compostela, que "recebeu peregrinos de todo o mundo, desejosos de fortalecer seu espírito com o testemunho de fé e amor do Apóstolo".
Depois de Santiago de Compostela, o Papa viajará a Barcelona para consagrar no domingo a catedral da Sagrada Família, espetacular templo do arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926), inacabado há mais de 100 anos, e que será elevado ao grau de basílica.
Segundo o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, a Europa será o tema central da mensagem que o pontífice transmitirá em Santiago de Compostela, onde o número de peregrinos, crentes ou não, continua a crescer, passando de 180 mil, em 1984, último Ano Santo Jacobeu ou Ano Santo Compostelano (quando o dia 25 de julho, consagrado a Santiago Maior, cai num domingo) para 260.000, este ano.
Trata-se da 18; viagem do Papa ao exterior e a 12; na Europa, um sinal da importância que este papado dá ao velho continente.
O objetivo de Bento XVI é incentivar a Europa a combater a "descristianização", bem como o "relativismo e as ideias herdadas da Revolução francesa, que consideram que para ser plenamente humano, é preciso libertar-se de toda tradição religiosa", antecipou o vice-secretário para a Congregação do Clero, Celso Morga.
Uma das maiores preocupações da hierarquia da Igreja católica é que "a Europa perca a memória e as práticas religiosas", explicou à AFP o vaticanista Maro Politi, lembrando que uma das prioridades estabelecidas pelo pontificado é a "reevangelização" do velho continente.