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"Regime autoritário de Mianmar se consolida", diz relator especial da ONU

postado em 08/11/2010 07:03
Entre 2000 e 2008, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro fez várias visitas a Mianmar, na função de relator especial da ONU para a situação dos direitos humanos. Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, ele falou sobre as históricas eleições de ontem.

Como o senhor analisa a importância das eleições em Mianmar, as primeiras em 20 anos? O senhor crê em uma apuração imparcial?
[SAIBAMAIS]Essas eleições são a última etapa do processo de consolidação autoritária do regime. Basta lembrar que o Congresso teria, obrigatoriamente, 25% dos assentos escolhidos pelos militares. O principal partido da oposição, dirigido pela Prêmio Nobel da Paz Aung Sang Suu Kyi, há 12 anos em prisão domiciliar, boicota as eleições. Quase 2 mil prisioneiros políticos continuam detidos. Os partidos independentes que resolveram se inscrever precisam de permissão para fazer reunião de mais de cinco pessoas. Não existe horário eleitoral gratuito na TV e todos os materiais de propaganda das eleições precisam ser feitos pela oposição. Todas as nacionalidades éticas foram proibidas de participar das eleições. A Junta Militar vetou a presença de jornalistas estrangeiros, afirmando que jornalistas nacionais podem cobrir muito bem as eleições. Obviamente não aceitou a presença de observadores. Evidentemente essas eleições não respeitam nenhum dos requisitos fundamentais de uma eleição limpa e confiável.

O que significaria a vitória do USDP, em termos de ameaça ao regime militar?
Não significa nenhuma ameaça porque o USDP é um partido umbilicalmente ligado à Junta, assim como a Arena era na época da ditadura militar no Brasil. Se eles elegerem muitos representantes, ajudarão a consolidar o regime militar. A existência de um Parlamento pode trazer algumas tensões imprevistas, mas a tendência é de que a Casa não tenha relevância alguma.

É possível a instauração da democracia em Mianmar? Qual seria a receita para isso?
A curto e a médio prazo isso é impossível, ao menos enquanto os militares continuarem a controlar o poder e a sociedade. Não existe uma receita para isso ; muito diferente do que ocorreu com os processos de transição das nossas ditaduras. As democracias no mundo podem ajudar a sociedade civil interna em todas as oportunidades, além de colaborar com o governo militar em políticas que protejam os direitos das crianças, na luta contra a Aids, nas políticas de saúde e de educação, no monitoramento dos direitos humanos. O Ocidente precisa aproveitar todas as possibilidades de diálogo com o governo, porque sanções e pressão não têm ajudado a mudar a situação. A presença dos organismos internacionais e ações de cooperação que fortaleçam os direitos humanos.

Como o Brasil pode ajudar Mianmar nesse processo?
O Brasil acabou de abrir uma embaixada em Mianmar. Como um interlocutor independente, pode desempenhar um papel na promoção de um diálogo com a Junta, sem renunciar a uma posição independente de monitoramento multilateral de direitos humanos. O Brasil poderia, por exemplo, se somar às dezenas de países na Assembleia Geral da ONU para apoiar uma resolução pelo estabelecimento de uma comissão de investigação sobre crimes contra a humanidade praticados pela Junta. E, por outro lado, aproveitar para estimar as possíveis vias para a transição, com base em nossa experiência democrática de 25 anos. Mas nada nesse processo terá sucesso se não forem envolvidos a China, a Índia e os demais países da Ásia. Não existe uma solução mágica.

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