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Com perfil técnico, Dilma Rousseff não terá o status de "popstar" de Lula

Ex-ministra deverá adotar postura mais pragmática nos debates com a comunidade internacional, avaliam especialistas

postado em 14/11/2010 08:25
Nos dois meses entre a sua eleição, em 2002, e a posse como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva tratou logo de ir atrás de conexões que considerou importantes no cenário internacional. Em meio à formação do gabinete e aos trabalhos da transição, Lula conseguiu encaixar viagens à Argentina, ao Chile, aos Estados Unidos e ao México. Em Buenos Aires, começou a discutir o Mercosul; em Washington, convidou George W. Bush para vir surfar no Brasil; em Santiago, ouviu do então presidente chileno, Ricardo Lagos, que deveria ser um líder para a América Latina. Era o início do protagonismo global de Lula, que mudou a cara da política externa brasileira nos últimos oito anos, mas que não poderia estar mais distante da realidade de sua sucessora, a presidente eleita Dilma Rousseff.

Diferentemente de Lula, um sindicalista que se acostumou a negociar em qualquer situação, Dilma é uma gestora nata, visivelmente pragmática e reconhecidamente menos carismática. Para muitos, o diferente perfil já será suficiente para garantir sensíveis mudanças no modo como a política externa será levada pelo próximo governo ; e de como será vista lá fora. Afinal, foi o estilo ;amistoso; de Lula que abriu portas com diversos líderes e fez com que o presidente ganhasse popularidade internacional. Mas que também, em algumas ocasiões, levou Lula a errar a mão em temas no qual o Brasil não precisaria ter se envolvido tanto, como a questão nuclear do Irã.

Entre muitos diplomatas brasileiros, há a expectativa de que, num primeiro momento, a política externa siga em frente contando menos com a presença da presidente ; que, aparentemente, não tem nem o mesmo gosto pessoal por temas internacionais como seu antecessor. A visão é, inclusive, compartilhada por quem já esteve à frente do Itamaraty. O embaixador Luiz Felipe Lampreia, chanceler durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, acredita que o fato de ela ter sempre se voltado para a gestão de projetos e programas nacionais, será determinante em sua postura nos próximos quatro anos. ;Ela não tem a mesma inclinação (para o tema), e dificilmente terá a mesma projeção que o Lula conseguiu internacionalmente, porque ele já era uma pessoa com uma militância sindical, voltada justamente para a área internacional, com coligações com sindicatos americanos e comunicação com partidos políticos europeus;, destaca Lampreia.

Para o presidente do Inter-American Dialogue, Peter Hakim, ela certamente não terá o mesmo status de ;popstar; de Lula e nem figurará ;entre os líderes mais influentes da revista Time;, mas terá seu apelo. ;Ela vai ter atenção, porque será presidente de um país importante e crescente. O resto do mundo vai querer que ela seja ativa e esteja envolvida a nível internacional. Não é uma escolha dela;, afirma.

Estreia
A primeira aparição internacional da presidente eleita Dilma, ao lado de Lula na cúpula do G-20 em Seul, parece respaldar as especulações. Apesar da notada preocupação de que sua presença não ofuscasse a última grande atuação do antecessor em um fórum multilateral, Dilma se mostrou de fato recuada. Não participou de uma importante reunião bilateral com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, nem fez pronunciamentos oficiais durante a cúpula. Nas entrevistas que deu, no entanto, adotou um tom mais crítico que o de Lula para falar, por exemplo, sobre a questão cambial dos Estados Unidos ; mais uma diferença entre os estilos dos dois que pode fazer uma grande diferença nos próximos quatro anos.

Ao ser questionada sobre a decisão do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) de injetar US$ 600 bilhões na economia, Dilma classificou a ação como uma ;desvalorização disfarçada do dólar;. ;Essa é uma questão que sempre causou problema, a política do dólar fraco faz com que o ajuste americano fique na conta das outras economias;, disparou. Ao falar sobre o Irã, três dias depois de eleita, Dilma também já havia mostrado que não será tão ;diplomática; quanto Lula em questões espinhosas. No Planalto, ela disse que, ;mesmo levando em conta os costumes de outras culturas;, a morte da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani por apedrejamento seria uma ;coisa bárbara;.

;É claro que Dilma vai tentar seguir as direções e a visão política de Lula. Haverá, no entanto, certamente, mudanças de estilo e ênfase;, observa Hakim. ;Eu suspeito que Dilma, sendo uma gerente e tecnocrata, vai se concentrar mais nas relações econômicas e menos em questões geopolíticas, como os laços Sul-Sul ou a governança multilateral. Ela pode dar mais importância para o Mercosul do que a Unasul, talvez mais à Organização Mundial do Comércio (OMC) do que à ONU.;

Continuidade na maioria dos temas



Diferenças de estilo à parte, a presidente eleita, Dilma Rousseff, deverá optar por continuar a política externa dos oito anos de governo Lula, na maioria dos temas. O Partido dos Trabalhadores (PT) aposta que ;no conteúdo e na estratégia; não haverá novidade. ;Teremos continuidade na integração continental, na prioridade para África, nas relações Sul-Sul, na defesa de um mundo multipolar, da reforma das instituições internacionais. O que pode provocar mudanças de ênfase ou até mesmo novidades, é a evolução da crise internacional;, afirma a secretária de Relações Internacionais do PT, a deputada federal Iriny Lopes.

O partido da presidente eleita acredita, inclusive, que Dilma não deixará de lado temas não tão próximos ao país, como o processo de paz no Oriente Médio ou mesmo o programa nuclear do Irã. ;O Brasil continuará atuando em todos os cenários, pois temos preocupações globais. Agora, nossa prioridade será, como foi no governo Lula, nossa região;, declara. Em relação aos Estados Unidos, a expectativa do partido é que, se houver mudança, será para endurecer mais. ;Mas se há uma área em que estamos todos, governo e partido, satisfeitos, é a área externa. Por qual motivo nós iríamos mudar time e política que estão dando certo?;, questiona a deputada.

Para o embaixador Luiz Felipe Lampreia, contudo, Dilma pode optar por não envolver o país em ;operações espetaculares que não deram certo, como a do Irã;. ;Haverá uma ênfase latinoamericana, uma preocupação com o peso internacional do Brasil. Mas a questão do Irã e do Oriente Médio tinha mais a ver com um lado pessoal de Lula, da projeção internacional, com o protagonismo dele;, observa.

Peter Hakim, por sua vez, acredita que a diplomacia de Dilma será focada cada vez menos por objetivos geopolíticos e mais por prioridades econômicas. Isso terá um impacto, por exemplo, na relação com Washington. ;Por causa de seus diferentes interesses, estilos e abordagens em relação à política externa, os EUA e o Brasil continuarão a ter divergências em muitas questões, e vão se enfrentar em algumas delas. Pode haver mais oportunidades para a cooperação econômica, mas que vão exigir mudanças políticas difíceis de ambos os países, e podem ser um sobrepeso;, opina. (IF)

Declarações de Dilma

;Há uma política que é grave para o mundo inteiro, que é a política do dólar fraco. Essa é uma questão que sempre causou problema, porque a política do dólar fraco faz com que o ajuste americano fique na conta das outras economias;

Na quinta-feira passada, em Seul, ao criticar o ;protecionismo camuflado; dos EUA ao injetar dólares na economia


;Eu tenho todo interesse em continuar, manter e expandir (as relações com a América Latina). Sem menosprezar as relações com a Europa e os Estados Unidos. Eu não abandonarei jamais o Mercosul. Acho o Mercosul prioritário;

Em 2 de outubro de 2010, durante comício em São Paulo


;Existe, pela OMC e pelo Mercosul, a possibilidade de retaliar (a Argentina). Uma medida tão agressiva como essa que foi tomada contra o Brasil tem de ser respondida. O primeiro momento é ter uma posição firme, muito forte;

Em 12 de maio de 2010, sobre a possibilidade de a Argentina proibir a importação de alimentos que também sejam produzidos localmente


;Não temos por que participar, a não ser a pedido da Colômbia, de qualquer atividade de pacificação ou diálogo com as Farc. Se a Colômbia alguma vez solicitar a presença do Brasil, nós vamos participar, caso não solicite, não temos por que participar, porque as Farc não são um problema do Brasil;

Em 1; de setembro de 2010, ao se encontrar com o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, em Brasília


;Acredito que iremos, cedo ou tarde, seguir para uma variante melhorada da Rodada Doha (...). Não estou pessimista com a situação;

Em 22 de julho de 2009, durante visita a Washington, Estados Unidos


;O Irã não é uma civilização como a iraquiana, é um país com mais de 70 milhões (de habitantes), controla armas nucleares e tem de fato um posicionamento internacional que naquela região é expressivo;

Em 12 de maio de 2010, antes da viagem de Lula a Teerã, cometendo um deslize ao afirmar que o Irã controla armas nucleares


;Sou contra o apedrejamento da iraniana. Acho uma coisa muito bárbara, mesmo considerando os costumes de outros países;

Em sua primeira entrevista coletiva após eleita, em 3 de novembro de 2010, no Palácio do Planalto

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