postado em 21/11/2010 08:49
Primeira decisão anunciada pelo presidente Barack Obama assim que assumiu a Casa Branca, o fechamento da prisão de Guantánamo pode ser também o primeiro projeto do governo democrata fadado ao fracasso. Não só pelo fato de Obama ter desperdiçado um período precioso de quase dois anos com uma maioria democrata confortável no Congresso, mas também pelos mais recentes episódios, que envolvem o polêmico veredicto dado a um prisioneiro de Guantánamo, em um tribunal civil, e o desmantelamento de um plano de ataque terrorista em solo americano. A partir de janeiro, a situação ficará ainda mais complicada para o presidente seguir com seu projeto, já que terá de enfrentar uma Câmara controlada pela oposição republicana e um Senado ainda com maioria governista, porém consideravelmente menor.Na Câmara, Obama já sabe até quem serão os seus principais opositores. Um deles, o deputado Buck McKeon, da Califórnia, sempre foi um dos republicanos mais críticos ao fechamento da controversa prisão, que ainda abriga 174 detentos. McKeon, que deverá assumir em 2011 a Presidência do Comitê das Forças Armadas, foi um dos primeiros a condenar o resultado do julgamento de Ahmed Ghailani, acusado de participar dos atentados a bomba contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia, em 1998.
Na última semana, o tanzaniano de 36 anos foi absolvido de 285 acusações de terrorismo e condenado apenas por ;conspirar para destruir propriedade dos Estados Unidos;. Ele foi o primeiro preso de Guantánamo a ser julgado em um tribunal civil ; o que é defendido pelo governo Obama para todos os detidos na base americana, instalada em Cuba. ;O veredicto é um golpe nos programas fracassados do governo para detenção e julgamento de terroristas, programas que não são guiados pela lei dos conflitos armados, como deveria ser;, disse McKeon, na última quarta-feira.
O deputado Peter King, de Nova York, que deverá assumir o Comitê de Segurança Nacional, também usou a ;tragédia; do julgamento de Ghailani e prometeu que fará de tudo para barrar no Congresso a decisão de fechar Guantánamo. ;Eles não conseguiram levar isso à frente quando os democratas estavam no comando. Não há possibilidade de que isso aconteça agora, com os republicanos em maioria;, disse. Na próxima legislatura, a oposição terá pelo menos 240 das 435 cadeiras na Câmara e 47 dos 100 assentos no Senado.
;É altamente improvável que o presidente Obama consiga fechar Guantánamo, dada a nova equação partidária no Congresso. Ele poderia até tentar fazer algo até o fim de 2010, mas seria algo temporário, que poderia dar mais trabalho no futuro;, argumenta o pesquisador Patrick Basham, do Instituto Cato. O diretor do Centro de Paz e Liberdade do Instituto Independente de Washington, Ivan Eland, por sua vez, acredita que o presidente e os democratas nem tentarão passar qualquer decisão em relação a Guantánamo nas poucas semanas de trabalho que restam ao Congresso neste ano. ;Obama vai ter de se concentrar em outras coisas nesse período precioso, como ratificar o novo Start (acordo de redução de armas nucleares com a Rússia) e remover a lei ;Don;t ask, don;t tell; (que obriga os militares homossexuais a se calarem sobre a opção sexual);, observa Eland.
Tempo perdido
Em janeiro, o projeto de Obama de fechar o centro de detenção na base naval completa dois anos. Nesse período, muito pouco foi feito por seu governo para avançar com o plano, que sempre foi mais popular fora do que dentro dos Estados Unidos. Até mesmo entre os democratas Obama encontrou certa oposição para acabar com a prisão, que se tornou emblema da violação dos direitos humanos pela maior democracia do mundo ; fator que acabou comprometendo ainda mais os planos do presidente. Nos 21 meses em que esteve no poder, Obama iniciou a transferência de presos para outros países ; em muitos casos, para os próprios países de origem ;, ordenou a compra de uma prisão em Illinois para abrigar o restante dos detidos e deu início aos julgamentos em tribunais civis.
Em todas essas ações, porém, ele enfrentou obstáculos. No caso da aquisição do Centro Thomson, em Illinois, sugerido por Obama em dezembro de 2009, os próprios líderes democratas boicotaram o governo: não incluíram no orçamento a verba para a sua compra em 2010. A prisão está vazia desde março passado, esperando pela definição que virá de Washington. ;Na verdade, Obama acabou descobrindo que o custo político de cumprir a promessa de campanha era muito alto. Essa era uma das suas metas mais importantes, na qual deveria ter investido tempo e esforço, mas ele colocou na balança e percebeu que o impacto em seu governo seria muito elevado;, afirma Eland.
Prisão questionável
Difícil encontrar um ponto que não seja polêmico no funcionamento de Guantánamo nos últimos oito anos. Prisões sem julgamento, torturas, detenção de pessoas reconhecidamente inocentes ; tudo é questionável no centro que ocupa a baía cubana. Inclusive a sua eficácia no combate ao terrorismo. Mesmo assim, Obama enfrenta sérios obstáculos para tentar minimizar os estragos causados pela herança deixada pelo governo anterior. O principal, agora, envolve a discussão sobre o método de julgamento dos detidos.
;A maior dificuldade é como julgar os prisioneiros. Tribunais militares foram usados ocasionalmente na história americana, mas eles são inconstitucionais nos Estados Unidos;, lembra o especialista Ivan Eland. Segundo ele, a única defesa desses tribunais é o fato de alguns detidos serem acusados de crimes que não podem ser condenados em um tribunal civil.
Por esse motivo, inclusive, o especialista Patrick Basham acredita que cada possibilidade de julgamento deveria ser analisada separadamente. ;Muitos dos prisioneiros de Guantánamo são suspeitos de terrorismo e simpatizantes de suspeitos de terrorismo, em vez de prisioneiros de guerra no sentido tradicional. E eles estão sujeitos à justiça militar, à criminal ou à civil?;, questiona. ;Se fosse decidida caso a caso a jurisdição do tribunal, isso permitiria que casos concretos de má aplicação da Justiça viessem à tona;, acrescenta.
O caso mais emblemático é o de Khalid Sheikh Mohammed, acusado de planejar os ataques de 11 de setembro de 2001. A intenção inicial do governo de levá-lo a Nova York para o julgamento despertou a fúria dos conservadores, da população e até de governistas ; o que fez com que ficasse suspenso seu comparecimento à Corte até segunda ordem. Durante o governo Obama, apenas um prisioneiro foi julgado em um tribunal militar de Guantánamo. No fim de outubro, o canadense Omar Khadr, 24 anos, foi condenado há 40 anos de prisão por um tribunal formado por sete militares, após admitir culpa por cinco crimes de guerra, incluindo assassinato, terrorismo e conspiração com a Al-Qaeda.
;Certo ou errado, Guantánamo é uma excelente ilustração do inerente dilema entre segurança e liberdade na política de contraterrorismo, e se tornou o símbolo de tudo o que há de errado com a guerra americana contra o terror;, afirma Basham. ;A questão é saber se uma América mais segura vale o custo da perda proporcional da liberdade, porque mantendo os presos lá, os EUA vão reduzir a ameaça terrorista, mas certamente continuarão havendo violação dos direitos humanos e abusos.; (IF)