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Vice-premiê israelense critica proximidade do Brasil com Irã e palestinos

postado em 03/12/2010 08:00
Às vésperas da posse de Dilma Rousseff, o vice-primeiro-ministro israelense, Silvan Shalom, veio trazer uma mensagem ao novo governo: é preciso olhar com mais cuidado para o Irã. O número dois do gabinete israelense sugeriu que o Brasil deve, inclusive, preocupar-se com os desdobramentos do programa nuclear de Teerã na própria América do Sul. "Amanhã, o Irã pode dar uma bomba atômica de presente ao presidente Hugo Chávez (da Venezuela). E então, o que vai acontecer?", questiona. Para Shalom, países como o Brasil, que acreditam no caráter pacífico do programa iraniano, são "ingênuos". Ele acredita que o país pode ter um papel no processo de paz entre israelenses e palestinos, mas só se adotar uma postura menos parcial daqui para frente. "O Brasil tem de entender que, se quiser se tornar um ator importante na comunidade internacional, deve ser mais balanceado."

O senhor veio ao Brasil em um período de transição. Trouxe alguma mensagem para a presidente Dilma Rousseff?
Nós queremos melhorar nossas relações. Acreditamos que o último ano foi muito produtivo, com as viagens do presidente Lula a Israel e do presidente Shimon Peres ao Brasil. É claro que gostaríamos que o Brasil compartilhasse conosco a preocupação com o Irã, de que ele representa uma ameaça não só para Israel, mas para todo o mundo. Com a bomba nuclear, eles podem atingir todo mundo. Eles têm desenvolvido mísseis com alcance muito maior, que poderão atingir todas as capitais da Europa: Londres, Paris, Madri, Roma, Berlim. Amanhã, o Irã pode dar uma bomba atômica de presente ao presidente Hugo Chávez (da Venezuela).

O Brasil deveria se preocupar com isso?
Eu não sei. A América Latina não tem bombas atômicas até hoje. Amanhã, já não sabemos. O Irã é uma tirania, eles podem fazer o que quiserem. E se decidirem dar uma bomba ao Chávez?

O senhor considera que o Brasil é ingênuo por acreditar e defender um programa nuclear pacífico para Teerã?
Talvez. Acho que aqueles que acreditam realmente que os iranianos estão tentando desenvolver apenas energia nuclear são ingênuos. Porque todos sabemos que os iranianos estão tentando se tornar uma superpotência. E eles trabalham em duas frentes: construir uma bomba atômica e tentar minar os regimes dos países moderados da região, controlar esses países e as suas reservas de petróleo.

Nos documentos divulgados pelo site WikiLeaks nesta semana, revelou-se que Israel teria condições de atacar o Irã mesmo sem apoio dos EUA. Em quais circunstâncias isso poderia ser considerado?
Estamos dando à comunidade internacional a oportunidade de impor ao Irã sanções mais duras. Acho que nem todos os israelenses pensam como eu, que acredito no poder das sanções. Elas funcionaram com África do Sul, Líbia e Coreia do Norte, podem funcionar com o Irã. Se as sanções forem duras o suficiente, os iranianos poderão, talvez, se convencer de que é melhor não continuar esse processo. Mas Israel precisa estar preparado para qualquer cenário, e não pode conviver com a ideia de que o Irã vai virar uma potência nuclear.

Mas Teerã argumenta que Israel já tem a bomba, e que esse é um fator de desequilíbrio na região.
Israel enfrenta uma situação única. Israel é o único país no mundo cuja existência é questionada. Israel é o único país que outros membros das Nações Unidas estão pedindo para destruir. Por isso, mantemos a nossa política ambígua e não comentamos os rumores sobre Israel e seu poderio (nuclear). Mas também não é a mesma coisa. Israel é uma democracia, e não apenas um homem que pode tomar a decisão destruir todo o mundo.

Diversos países, inclusive os EUA, vêm insistindo para que Israel retome o congelamento das colônias em territórios palestinos. Qual a sua posição?
Eu sempre fui contra o congelamento, porque considero que é um obstáculo desnecessário para o processo de paz, e que não foi pedido antes pelos palestinos. O próprio Abu Mazen (Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina) negociou por dois anos e meio com o primeiro-ministro Ehud Olmert, que não congelou os assentamentos por um dia sequer. (O ex-premiê Ariel) Sharon, por exemplo, permitiu que os colonos construíssem até o último dia (na Faixa de Gaza).

Mas isso não tornou a desocupação mais difícil?
O fato é que isso não parou Sharon. Temos que nos focar nas questões reais. E se eles querem uma desculpa para não retomar as negociações, nós vamos entender. Nós decidimos congelar os assentamentos por 10 meses, e só no último mês eles foram a Washington para conversar com Israel. Isso pode ser feito de outra maneira. É preciso ver as outras questões para um acordo, não só os assentamentos. É preciso ver a questão dos refugiados, de Jerusalém Ocidental, dos lugares sagrados, da segurança, da Faixa de Gaza.

O senhor acredita que o Brasil pode ajudar no processo de paz?
O Brasil pode desempenhar um papel importante, mas precisa ter uma postura balanceada. É o mesmo que eu digo aos europeus: você não pode aceitar todas as demandas dos palestinos e se oferecer como mediador entre nós e eles.

O Brasil não teve essa postura durante o governo Lula?
O Brasil tem de entender que, se quiser se tornar um ator importante na comunidade internacional, deve ser mais balanceado. Hoje, os únicos mediadores são os EUA, porque são mais balanceados.

Mas Washington é um tradicional aliado de Israel...
Eles não recusam apenas 1% das demandas palestinas. Se você considerar que uma solução deve ter por base um Estado palestino nas fronteiras de 1967, com Jerusalém como parte do Estado palestino, que deve retirar todos os colonos, todos os assentamentos, então o que resta? É claro que há demandas palestinas, mas precisamos negociar.

O senhor espera uma aproximação maior com Israel no governo Dilma?
Primeiro, esse é um governo que já estava no poder. É a mesma coalizão, são os mesmos partidos, então não acredito que vá haver grandes mudanças na política. Mas, é claro, temos de continuar trabalhando, e é por isso que estou aqui.

Além da questão política, o que mais pode avançar?
Eu vim ao Brasil com alguns objetivos: estreitar a relação entre os dois países, encontrar maneiras de as empresas israelenses trabalharem aqui. Tive um encontro com o ministro Miguel Jorge para tratar de como as empresas israelenses podem participar da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos que ocorrerão no Brasil nos próximos anos, porque as empresas israelenses estiveram muito envolvidas nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008, especialmente nas áreas de segurança, comunicações e infraestrutura.

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