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Lula atende a pedido de Abbas e reconhece a Palestina como país soberano

postado em 04/12/2010 08:00
Lula participa de coletiva de imprensa com Abbas,  durante visita a Ramallah, em março: tendência confirmadaNa manhã de ontem, o diplomata palestino Ibrahim Al-Zeben chegou ao Palácio do Itamaraty como chefe da delegação palestina em Brasília. Saiu com o status de embaixador de um Estado oficialmente reconhecido pelo Brasil. A decisão de reconhecer, de forma unilateral, a existência do Estado Palestino nas fronteiras de 1967 foi a maneira encontrada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para manter os holofotes sobre sua política externa até a reta final. A notícia, que oficializa a decisão já amplamente conhecida do Brasil em relação à questão israelo-palestina, foi comemorada por Al-Zeben, pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), pela Autoridade Palestina (AP) e pelo Fatah. Como era de se esperar, desagradou o lado israelense, que lamentou o posicionamento de Lula ao fim de seu mandato.

Segundo o Itamaraty, a decisão de oficializar a posição brasileira foi motivada por uma carta do presidente da AP, Mahmud Abbas, enviada ao colega brasileiro no último dia 24. Na quarta-feira passada, o Planalto enviou a resposta a Abbas, reconhecendo o Estado palestino. ;A iniciativa é coerente com a disposição histórica do Brasil de contribuir para o processo de paz entre Israel e Palestina, cujas negociações diretas estão neste momento interrompidas;, observa o Ministério das Relações Exteriores, por meio de nota. O comunicado ressalta que a decisão está em consonância com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) ; a exigência do ;fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro das fronteiras de 4 de junho de 1967;.

Lideranças palestinas já tinham anunciado que pretendiam recorrer à ONU para garantirem o reconhecimento unilateral de seu Estado, ante o impasse com Israel ; o governo judaico se recusa a congelar novamente a construção em suas colônias. Para os palestinos, um anúncio como o feito pelo Brasil pode incentivar outros países a adotarem a mesma postura. ;Estamos falando do Brasil, que tem um peso importante na América Latina e no mundo. A decisão (de cada país) é sempre soberana, mas, seguramente, isso ajudará outros países que estavam indecisos a entender a mensagem;, concordou o agora de fato embaixador palestino no Brasil. Com o reconhecimento, a missão palestina em Brasília passará a ter o status de embaixada, bem como o escritório de representação do Brasil em Ramallah.

;É uma grande alegria para nós, estamos felizes que o Brasil tomou essa decisão a favor da justiça e do estado de Direito, porque a criação do Estado Palestino está sendo postergada desde 1947;, afirmou Al-Zeben, que disse só ter sido informado da decisão brasileira na tarde da última quinta-feira. ;Foi uma surpresa agradável. Mas dos bons amigos e dos amantes da paz e da justiça sempre se espera algo bom;, disse ao Correio. Hoje, mais de 100 países reconhecem o Estado palestino, entre eles todos os árabes, e uma boa parte dos governos da África, da Ásia e do Leste Europeu. O Itamaraty fez questão de ressaltar que todos os parceiros do Brasil no Ibas (fórum formado com Índia e África do Sul) e no BRICs (com Rússia, Índia e China) já tomaram essa iniciativa.

Solidariedade
Em Ramallah, um dos líderes e chanceler do Fatah classificou a decisão brasileira como uma ;resposta não violenta ao unilateralismo israelense;. ;Quero agradecer ao meu amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por cumprir com sua palavra de pôr a solidariedade em ação. O Brasil está ajudando a pavimentar o caminho da justiça, da liberdade e da paz no Oriente Médio;, afirmou Nabil Shaath. Al-Zeben disse também estar certo de que o passo dado pelo Brasil vai contribuir para que se alcance a paz no Oriente Médio.

Para os israelenses, no entanto, o governo Lula cometeu um ;erro; ao reconhecer o Estado palestino, à revelia de um acordo entre os dois lados, que seria a única forma possível de definir as fronteiras. Fontes do governo de Israel disseram ao Correio lamentar a decisão brasileira, que ;só vai complicar ainda mais o processo;.

;Acreditamos que o Estado palestino deve ser resultado direto das negociações entre israelenses e palestinos;, afirmou um diplomata. A Embaixada de Israel em Brasília foi informada pelo Itamaraty também na tarde de quinta-feira, poucas horas depois de o número dois do governo israelense, o vice-premiê, Silvam Shalom, se reunir com o chanceler Celso Amorim. Apesar de Shalom aparentemente já estar ciente da intenção brasileira, fontes asseguraram que o assunto não esteve na pauta do encontro.

Carta do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva:


;À Sua Excelência Mahmoud Abbas Presidente da Autoridade Nacional Palestina"

Senhor Presidente,

Li com atenção a carta de 24 de novembro, por meio da qual Vossa Excelência solicita que o Brasil reconheça o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Como sabe Vossa Excelência, o Brasil tem defendido historicamente, e em particular durante meu Governo, a concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.

Temos nos empenhado em favorecer as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Condenamos quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.

Nos últimos anos, o Brasil intensificou suas relações diplomáticas com todos os países da região, seja pela abertura de novos postos, inclusive um Escritório de Representação em Ramalá; por uma maior freqüência de visitas de alto nível, de que é exemplo minha visita a Israel, Palestina e Jordânia em março último; ou pelo aprofundamento das relações comerciais, como mostra a série de acordos de livre comércio assinados ou em negociação.

Nos contatos bilaterais, o Governo brasileiro notou os esforços bem sucedidos da Autoridade Nacional Palestina para dinamizar a economia da Cisjordânia, prestar serviços à sua população e melhorar as condições de segurança nos Territórios Ocupados.

Por considerar que a solicitação apresentada por Vossa Excelência é justa e coerente com os princípios defendidos pelo Brasil para a Questão Palestina, o Brasil, por meio desta carta, reconhece o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Ao fazê-lo, quero reiterar o entendimento do Governo brasileiro de que somente o diálogo e a convivência pacífica com os vizinhos farão avançar verdadeiramente a causa palestina. Estou seguro de que este é também o pensamento de Vossa Excelência

O reconhecimento do Estado palestino é parte da convicção brasileira de que um processo negociador que resulte em dois Estados convivendo pacificamente e em segurança é o melhor caminho para a paz no Oriente Médio, objetivo que interessa a toda a humanidade. O Brasil estará sempre pronto a ajudar no que for necessário.

Desejo a Vossa Excelência e à Autoridade Nacional Palestina êxito na condução de um processo que leve à construção do Estado palestino democrático, próspero e pacífico a que todos aspiramos.

Aproveito a ocasião para reiterar a Vossa Excelência a minha mais alta estima e consideração.;

Carta do Presidente Mahmoud Abbas ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

(Tradução não-oficial)

;Sua Excelência Luiz Inácio Lula da Silva Presidente da República Federativa do Brasil Brasília

24/11/2010

Saudações,

Inicialmente, gostaríamos de estender a Vossa Excelência nossas felicitações pelo sucesso das eleições gerais no Brasil, louváveis por sua elevada transparência e pelo alto nível do processo democrático, que levaram à vitória a candidata de seu partido como nova Presidente da República Federativa do Brasil. É com satisfação que também saudamos entusiasticamente o seu Governo, testemunha de um período de prosperidade econômica e mudança política qualitativa, que inscreve Vossa Excelência na história política moderna do Brasil.

Senhor Presidente,

A atual situação nos territórios palestinos evidencia uma grande escalada das ações israelenses. O Governo de Israel recusa-se a interromper suas atividades em assentamentos. Isso paralisou o lançamento de negociações diretas, apesar das posições e dos pedidos de países de todo o mundo para que Israel ponha fim aos assentamentos, e, dessa forma, não apenas torne possíveis as negociações, como também dê uma chance à paz. No entanto, Israel ainda desafia o mundo inteiro e insiste em suas atividades colonizadoras. Tal posição dificulta qualquer possibilidade de se alcançar um acordo por meio de negociações e cria também uma nova realidade no terreno, que inviabiliza a solução de dois Estados.

Enquanto expressamos a Vossa Excelência o nosso orgulho das valorosas e históricas relações brasileiro-palestinas, que refletem suas posições firmes em relação ao nosso povo ao longo dos anos e em nossos recentes encontros, esperamos, nosso caro amigo, que Vossa Excelência decida tomar a iniciativa de reconhecer o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967. Essa será uma decisão importante e histórica, porque encorajará outros países em seu continente e em outras regiões do mundo a seguir a sua posição de reconhecer o Estado palestino. Essa decisão levará também ao avanço do processo de paz e à promoção da posição palestina, que busca o reconhecimento internacional do Estado da Palestina. Esperamos que o nosso pedido possa receber sua bondosa aceitação e esperamos também que essa iniciativa possa ser tomada antes do fim de seu mandato presidencial.

Queira aceitar os protestos de nossa mais alta estima e consideração.

Mahmoud Abbas
Presidente do Estado da Palestina

Presidente do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina Presidente da Autoridade Nacional Palestina;

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