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A fórmula possível para a criação de dois estados

Silvio Queiroz
postado em 04/12/2010 08:00
O retorno às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, vencida por Israel em junho de 1967, tornou-se nas últimas décadas a fórmula preferencial de diplomatas e negociadores para tornar viável a ;solução de dois Estados; para o conflito entre israelenses e palestinos. Ela implica a retirada de Israel da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, territórios árabes ocupados pelo Estado judaico, e a revisão do status de Jerusalém: o setor oriental, que tem população de maioria árabe e ficou até a guerra sob custódia da Jordânia, foi anexada unilateralmente por Israel, a ponto de a Constituição atual proclamar a cidade como sua ;capital eterna e indivisível;.

Na prática, a despeito de retoques mínimos ; mas nem por isso menos delicados ; no traçado das fronteiras, a desocupação dos territórios palestinos significaria a aceitação do Plano de Partilha aprovado pelas Nações Unidas duas décadas antes do conflito, em 1947. Na ocasião, apenas o lado judaico aceitou a divisão proposta, e com base nela foi estabelecido o Estado de Israel, no ano seguinte, ao fim da primeira guerra árabe-israelense. Na ausência de expressão política própria, os palestinos foram ;representados; pelos governos árabes, que rejeitaram a partilha e cerraram fileiras contra a criação de Israel.

A derrota de 1948 colocou os palestinos na condição de apátridas. Alguns decidiram permanecer nas terras onde viviam como cidadãos de Israel, onde gozam formalmente de liberdade religiosa e direitos políticos plenos, embora sejam uma minoria. A maior parte, no entanto, permaneceu nos territórios da Cisjordânia, administrado pela Jordânia, e de Gaza, sob controle do Egito. Nenhum dos dois países, no entanto, aceita reconhecer os palestinos como cidadãos ; em parte por coerência com o discurso pró-independência, em parte por recear a influência política dos refugiados.

A última tentativa de reaver os territórios ocupados pela força foi o ataque de surpresa em 1973, em pleno feriado judaico do Yom Kippur. Vencidos mais uma vez, os exércitos árabes saíram de cena e a causa passou a ser encarnada pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), sob o comando do legendário Yasser Arafat, morto em 2004 sem ter conduzido seu povo ao Estado prometido.

Decisão simbólica e oportuna
A decisão do governo de reconhecer a Palestina pode não surpreender pelo conteúdo ; uma vez que a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da diplomacia brasileira sempre foi a de que os palestinos deveriam ter um Estado soberano, com as fronteiras de 1967.

Contudo, chamou a atenção de especialistas o momento em que ela foi tomada. O anúncio foi justificado como uma resposta à carta do presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, que pediu uma decisão ;ainda neste mandato;, mas o momento seria oportuno para uma saída triunfal de Lula e Celso Amorim.

;Não é uma novidade a posição brasileira, mas trata-se de um passo simbólico, porque é um momento de transição aqui e de impasse lá no Oriente Médio. Acho que houve também a intenção de fechar com chave de ouro;, avalia Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para ela, o pedido de Abbas e a resposta de Lula também são uma reação à inação do governo de Barack Obama, que não adotou ações firmes para fazer avançar as negociações. ;O processo está bem parado. Então, essa é uma maneira de colocar a questão mais uma vez em pauta;, afirma Pecequilo.

Ponto final
O professor da Universidade de Brasília (UnB), Amado Luiz Cervo, por sua vez, acredita que o governo apenas resolveu pôr um ponto final no discurso que o Brasil defende há décadas. ;Desde a criação do Estado de Israel, quando a ONU decidiu, ao mesmo tempo, criar um Estado Palestino, e os palestinos se recusaram a constituí-lo, o Brasil defende essa postura;, afirma Cervo. ;Mas essa é mais uma decisão unilateral, que, apesar de acertada, não terá efeito algum se os dois lados não voltarem a negociar;, observa.

O especialista José Flávio Saraiva, da UnB, concorda que, apesar de importante, a decisão do governo brasileiro é ;inócua;. ;É um documento que reitera a posição que o Brasil tem há anos e que foi motivado por um pedido do presidente da Autoridade Palestina. E talvez o governo brasileiro aproveitou o momento para marcar, de fato, a sua posição sobre o tema no fim do mandato.; (IF)

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