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Fim de governo não afetará relação com o Brasil, diz embaixador da Índia

postado em 16/12/2010 08:00

Os dois são países emergentes, multiculturais, representativos em seus continentes e aspirantes a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Diante dessas semelhanças, foi inevitável que Brasil e Índia se aproximassem ; não só em sua relação bilateral, como em pequenos grupos de nações com interesses comuns, como o Ibas (com a África do Sul), o G-4 (com Japão e Alemanha) e os Brics (com Rússia e China). No Brasil, o movimento foi reforçado no governo Lula pela orientação Sul-Sul que marcou a sua política externa. ;Os últimos oito anos foram completamente transformadores, em grande parte por causa do presidente Lula. Durante seu governo, encontramos novas dimensões na relação bilateral e também plurilateral, com a formação do Ibas, do qual Lula foi o mentor;, observou, em entrevista ao Correio, o embaixador indiano no Brasil, B. S. Prakash.

Apesar de creditar a aproximação, em grande parte, à atuação do presidente brasileiro, ele disse que as relações continuarão avançando, independentemente da vontade de sua sucessora. ;Francamente, isso não depende tanto do governo. É mais um processo, em que estamos conhecendo um ao outro. Falando pela Índia, acredito que (;) sempre haverá um consenso nacional de que é preciso olhar para o Brasil;, afirmou. Ele, no entanto, acredita que o fato Dilma Rousseff ter trabalhado de forma próxima a programas sociais do governo Lula, como o Bolsa Família, a presidente eleita manterá a atenção em países que queiram parcerias nesse sentido.

Segundo Prakash, a experiência do Brasil nessa área tem chamado a atenção da Índia, que, apesar de já desenvolver programas semelhantes internamente, se interessou pela abordagem ;avançada; do Bolsa Família. ;Brasil e Índia são países que têm a necessidade de se conhecerem mais. Não tem relevância para nós o que acontece na Alemanha, na França. (;) Lá não se fala sobre programas de erradicação da pobreza, eles não precisam disso;, afirmou. Para o embaixador, o fato de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter defendido a entrada da Índia no seleto grupo dos países com assento permanente no Conselho de Segurança deve ser visto com entusiasmo e não com receio pelo governo brasileiro. ;O que é importante é que os Estados Unidos, pela primeira vez em nível presidencial, abordaram esse assunto;, disse.

O que os oito anos de governo Lula representaram para as relações entre Brasil e Índia?
As relações se transformaram em um sentido fundamental nestes oito anos de governo Lula. Sempre tivemos boas relações, apesar de o Brasil e a Índia estarem fisicamente muito distantes. Sendo dois grandes países emergentes, sempre gozamos de excelentes relações nas Nações Unidas, e em temas multilaterais. No entanto, nas relações bilaterais, ainda se fazia muito pouco. Elas eram muito cordiais, mas insuficientes. E os últimos oito anos foram completamente transformadores, em grande parte por causa do presidente Lula. Durante seu governo, encontramos novas dimensões na relação bilateral e também plurilateral, com a criação do Ibas (grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul), do qual Lula foi o mentor. Nesse período, a aproximação aumentou entre a Índia e o Brasil, países com os mesmos valores e com muitos interesses comuns. Ambos se integraram como nações em desenvolvimento e do Sul, com uma enorme diversidade cultural e religiosa.

Tal aproximação não ocorreu em governos anteriores porque eles não haviam percebido tantas semelhanças entre os dois países?
É claro que perceberam, e nós também tivemos boas relações durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. O que aconteceu é que, nos últimos oito anos, o mundo se tornou um espaço menor e mais integrado. É só olhar o crescimento da internet e a explosão da mídia, que diminuíram as distâncias entre os países. E esse foi um período também no qual Brasil e Índia realmente cresceram economicamente. Nos últimos oito, nove anos, a Índia cresceu entre 8% e 9%, e o Brasil cresceu de 5% a 6%. O Brasil se tornou uma economia de US$ 1 trilhão, e encontrou um lugar nas dez maiores economias do mundo, em termos de paridade de poder de compra (PPP, pela sigla em inglês). Além disso, a existência de novas formas de organização ; não multilaterais, mas plurilaterais, como o Ibas, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) e o G-4 (Japão, Alemanha, Brasil e Índia) ; reuniu os dois países em diversos fóruns.

E qual é a importância de Brasil e Índia trabalharem juntos nesses fóruns?
As Nações Unidas têm 193 membros, mas, dentro desse grande grupo, há países que possuem interesses similares, não por serem da mesma região, mas por terem a mesma visão de mundo. E, hoje, esses países estão encontrando, nos fóruns multilaterais, uma maneira de se reunir e de buscar uma agenda específica. Mas o que acho interessante é que o Brasil e a Índia estão presentes em uma grande quantidade deles, como o Ibas, os Brics, o Basic e o G-4. Isso realmente mostra o que o ministro (Celso) Amorim uma vez chamou de uma ;parceria natural; entre os dois países. Por que natural? Porque somos democracias maduras e países em desenvolvimento, mas com um certo grau de desenvolvimento, pois possuímos ciência, tecnologia e indústria. O Brasil, por exemplo, tem a Embraer, uma empresa líder no seu campo, já a Índia é o único país em desenvolvimento que enviou um satélite à Lua. E também é uma parceria necessária, porque temos a mesma visão de mundo, estamos trabalhando pelos países em desenvolvimento, pelo Sul, pela restruturação global.

E em que áreas a parceria avançou mais?
Acredito que o nível em que mais avançamos foi o político. O nosso primeiro-ministro (Manmohan Singh) veio duas vezes ao Brasil, a nossa presidente (Pratibha Patil) veio uma, Lula foi duas vezes à Índia, e os chanceleres dos dois países se encontraram em muitas ocasiões. Foi um entendimento político excelente. Hoje, o presidente Lula e o nosso primeiro-ministro são amigos pessoais. A relação governo a governo também melhorou bastante, porque nos aproximamos em várias áreas, como finanças, comércio, ciência e tecnologia. O comércio melhorou, mas não estamos satisfeitos, para ser sincero. Hoje o nosso comércio bilateral é de mais de US$ 5 bilhões, e cresceu mais de 300%. Mas US$ 5 bilhões é pouco para países com o tamanho de Brasil e Índia. Então, se você olha para o crescimento, é bom, mas se você olha para o nosso potencial, é pouco.

Como fazer o comércio avançar nos próximos quatro anos?
Precisamos olhar isso de uma perspectiva mais ampla. A Índia está crescendo 9%, mas nós temos uma extraordinária necessidade de todos os tipos de recursos, a começar pelo petróleo, pelos minerais e pelos produtos agrícolas. E o Brasil é uma potência mundial em tudo isso ; com exceção do petróleo, mas estou certo de que, em alguns anos, será. Na Índia, nós também precisamos do etanol, que ainda não é muito usado em larga escala, mas, que, com o combate às mudanças climáticas, poderá ser uma alternativa. E de onde ele virá? Então, em todas essas áreas, vemos o Brasil como uma grande fonte. Do lado indiano, o nosso ponto forte não são recursos, mas serviços. Temos uma das melhores indústrias de tecnologia da informação, de terceirização de processos de negócios (BPO, na sigla em inglês). E, também na questão farmacêutica, em biotecnologia, somos líderes entre os países em desenvolvimento e até em relação ao mundo. Isto é, há muitas coisas para desenvolver juntos, até na indústria de Defesa. Então, na verdade, exportações e importações são uma pequena parte. O que é maior é a sinergia entre os dois países. Os dois países até competem em algumas áreas, como couro, mas, hoje, competição e cooperação caminham juntos.

Brasil e Índia têm problemas semelhantes no que concerne à
distribuição de renda e à pobreza. Que tipos de cooperação já existem na área social, e como é possível ampliar essas parcerias?

Em ambos os países estamos muito preocupados em melhorar a qualidade de vida de nossa população: educação, saúde, erradicação da pobreza, ajudar a levar o desenvolvimento às favelas. O Brasil tem feito notáveis avanços nessa área, especialmente com o Bolsa Família. O que o Brasil tem feito com pesquisa agrícola, por meio da Embrapa, e os programas de microcrédito, também são programas de sucesso na área social que estamos de olho. Agora, estamos começando a enviar técnicos e especialistas na área social para aprender uns com os outros. E, pessoalmente, eu acho que essa é uma área muito promissora e importante. Brasil e Índia são países que têm a necessidade de se conhecerem mais. Não tem relevância para nós o que acontece na Alemanha, na França, e como eles lidam com seus problemas ; isso está em um estágio completamente diferente. Na França e na Alemanha, não se fala sobre programas de erradicação da pobreza, eles não precisam disso. Eles têm programas sociais, mas não é a mesma coisa.

O senhor acredita que, no governo Dilma, essa aproximação vai continuar?
Francamente, isso não depende tanto do governo. É mais um processo, em que estamos conhecendo um ao outro. Somos duas democracias, então não importa quem está no governo. Falando pela Índia, acredito que, não importa o governante que assumir o poder, sempre haverá um consenso nacional de que é preciso olhar para o Brasil. Nós temos os nossos principais temas de política externa, nossas prioridades na região, que são o combate ao terrorismo e as relações com o Paquistão. Mas, olhando uma agenda maior, que é a agenda do desenvolvimento, é interessante promover as relações com o Brasil. E eu creio que, no Brasil, independente do governo que esteja no poder, a Índia será vista como um grande país, com quem sempre tiveram excelentes relações. Por Dilma ter estado sempre tão ligada a esses programas sociais do governo, vamos avançar com a relação nessas áreas.

Há o interesse em levar o Bolsa Família para a Índia?
Sim, e especialistas indianos já vieram aqui. Não poderá ser o mesmo modelo. Temos que aprender os melhores elementos e adotá-los. Nós também temos programas, como a Lei Nacional de Garantia de Emprego Rural, com a qual as pessoas recebem esse tipo de ajuda. O que achamos interessante no Bolsa Família foi o fato de ser a mãe, a mulher da casa quem recebe, além de estar ligado a benefícios: para receber, as crianças têm que ir para a escola e e estar vacinadas. É uma abordagem bem avançada.

Os Brics podem se tornar um grupo como o Ibas, que formula posições políticas conjuntas para a agenda internacional?
O Ibas e os Brics são muito diferentes. Os Brics não foram um grupo criado por seus membros, mas sim por uma ideia de um pesquisador da (empresa) Goldman Sachs de que essas são economias emergentes, onde o mundo todo pode procurar mercados e oportunidades. Dois dos Brics já estão no Conselho de Segurança das Nações Unidas e dois são aspirantes, Brasil e Índia. Além disso, Rússia e China já são potências nucleares ; a Índia também já é, mas não é reconhecida como tal ;, e o Brasil não quer ser uma potência nuclear. Então, por esses e por outros motivos, é difícil encontrar uma agenda política comum. O Ibas é diferente: são três países em desenvolvimento, democracias pertencentes ao Sul, que aceitam a pluralidade e têm imprensa livre. Nos Brics, nem todos são uma democracia. O Ibas é uma entidade política de uma ordem diferente. Mas temos de ver como os Brics vão evoluir.

O presidente Obama defende um assento permanente da Índia no Conselho de Segurança. Isso deveria ser visto com preocupação pelo Brasil?
O que é importante é que os EUA, pela primeira vez em nível presidencial, abordaram esse assunto. Se essa reforma acontecer, não será para a entrada de um ou dois países. Será um pacote com representantes de várias regiões, e terá que incluir a América Latina e a África. Somos parceiros do Brasil no G-4, que busca essa agenda.

O senhor citou a diversidade cultural dos dois países. Houve uma aproximação nessa área?
Estamos nos conhecendo agora. Mas já há muitas pessoas se interessando pelas danças indianas, pelo cinema indiano, e é claro que a novela Caminho das Índias ajudou a despertar esse interesse. Todo mundo agora entende o que os nossos gestos e expressões significam. E a Índia está cada vez mais interessada no Brasil. Até um tempo atrás, só conhecíamos o futebol do Brasil. Em maio e junho, vamos fazer um festival cultural indiano em São Paulo, no Rio e em Brasília.

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