postado em 23/12/2010 08:00
Com a assinatura de Barack Obama, os anos de silêncio sobre homossexualidade dentro das Forças Armadas dos Estados Unidos terminaram. O presidente norte-americano fez valer a lei que permite os militares assumirem sua orientação sexual e acabou com a política batizada como Don;t ask, don;t tell (;não pergunte, não conte;). Durante uma cerimônia emocionante, o chefe de Estado foi ovacionado por ativistas gays e militares que gritavam agradecimentos e comemoraram a revogação da medida. ;Dezenas de milhares de americanos fardados não serão mais obrigados a viver uma mentira, ou com medo de serem descobertos, para servirem ao país que amam;, discursou o governante. A mudança deve entrar em vigor dentro de 60 dias, mas acabar com o tabu e o preconceito deve ser um longo processo, na prática.O oficial de infantaria do Exército Dan Choi, veterano da guerra do Iraque, foi dispensado no ano passado, depois de ter assumido sua homossexualidade em um programa de TV. A lei vigente não permitia que militares gays e lésbicas falassem abertamente sobre sua orientação sexual. Choi chegou a ser preso, em abril deste ano, e começou a lutar no Congresso para que a ;lei do silêncio; fosse banida. Pelo menos 13 mil militares já foram excluídos com base no Don;t ask, don;t tell, em vigor desde 1993.
Durante a cerimônia de ontem, Choi estava na plateia e se emocionou com o discurso de Barack Obama. ;É um momento histórico. Mas é necessariamente uma forma de integração, porque os soldados gays já estão presentes nas Forças Armadas e servindo com sucesso. Nós simplesmente queremos dizer a verdade sobre nossa identidade e nossos relacionamentos amorosos, ter nossa família reconhecida e apoiada, tudo isso com base na igualdade e na integridade;, disse ao Correio, por e-mail. Com a mudança, o oficial já entrou com um processo para ser reintegrado no Exército.
Batalha judicial
Políticos conservadores tentaram barrar a queda da ;lei do silêncio; no Senado, que acabou por revogá-la no último fim de semana. A justificativa era de que a liberdade de expressão poderia afetar negativamente a unidade das tropas e a segurança do país em momento crucial, como a guerra do Afeganistão. A despeito das críticas, Obama classificou o momento como único, além de uma forma de fortalecer a segurança nacional e sustentar o moral das forças militares. ;Não somos um país que diz ;não pergunte, não conte;. Somos uma nação que diz: entre tantos, somos um;, declarou. ;Como o almirante Mike Mullen (chefe do Estado-Maior Conjunto) disse uma vez: nosso povo sacrifica muito por seu país, incluindo a vida. Nenhum deles deveria ter de sacrificar sua integridade também;, reforçou.
O secretário de Defesa, Robert Gates, disse que o governo deve atuar com ;precaução e método; para que a nova política seja aplicada com eficiência. A fim de preparar o contigente para a integração, o Pentágono anunciou em novembro passado uma revisão do código militar. Segundo uma pesquisa feita pelo governo, 70% dos soldados se disseram preparados para receber militares que se declarem abertamente homossexuais. Em algumas unidades, como a dos fuzileiros navais, o fim da política foi considerado negativo por 60% dos entrevistados.
De acordo com Steven Schlossman, professor da Universidade de Carnegie Mellon e pesquisador de políticas militares, a atuação de Obama, do secretário de Defesa e do chefe do Estado-Maior será essencial. ;Se eles se certificarem de que a política será mesmo implementada, e com todos os lados caminhando na mesma direção, estou otimista de que a forte tradição dos militares de conseguirem ;fazer tudo; pode impulsionar o movimento e levar a um processo relativamente rápido;, sugere Schlossman.
Para Diane Mazur, professora de Direito da Universidade da Flórida, o fim da política do silêncio pode indicar um caminho para o reconhecimento dos direitos familiares dos homossexuais, não apenas no meio militar mas em toda a sociedade. ;As Forças Armadas precisam seguir as leis do Estado, que não reconhecem o casamento gay. Até que essa lei mude, os militares não vão poder ter seus parceiros reconhecidos pela legilação. Mas esse já é um grande avanço para a igualdade de direitos. Com certeza, um momento histórico;, afirma a especialista.
Senado ratifica acordo
Em outra vitória política para o presidente Barack Obama, nos últimos dias de um ano marcado pela derrota sofrida por seu partido nas eleições para a renovação do Congresso, o Senado ratificou ontem um acordo firmado com a Rússia para a redução dos arsenais nucleares de ambas as potências. O Tratado sobre Redução de Armas Estratégicas (Start 2) representa um passo concreto para a erradicação progressiva dos artefatos atômicos, objetivo que o próprio Obama encampou durante conferência internacional realizada no primeiro semestre em Praga, na República Tcheca.
A ratificação, aprovada por 71 votos contra 26, salvou Obama de um embaraço diplomático e de uma negociação que se anunciava ainda mais difícil no próximo ano: a partir de janeiro, a bancada governista, embora ainda com estreita maioria, estará distante de contar com os 67 votos (dois terços do total de 100 senadores) exigidos para esse tipo de decisão. O resultado favorável se desenhava desde a noite de terça-feira, quando foi anunciado um acordo entre o democrata John Kerry e o republicano Richard Lugar, que lideram as respectivas bancadas nos temas de defesa e segurança.
O Start 2 tem como principal item a definição de um teto de 1.550 ogivas nucleares para cada um dos dois países, o que significa uma redução de 74% em relação aos totais previstos no acordo Start 1, negociado entre os EUA e a hoje extinta União Soviética no fim da década de 1980 e firmado em 1993 pelos presidentes Bill Clinton e Boris Yeltsin ; este já em nome da Rússia, sucedânea da URSS. O texto limita em 800 o total de vetores (mísseis baseados em terra ou a bordo de submarinos e aviões) que as potências poderão ter em seus arsenais, e a 700 o total de vetores posicionados ; com um alvo programado, portanto em condição de serem disparados.
Reaproximação
Produto de negociações iniciadas ainda com Vladimir Putin na Presidência da Rússia, o Start 2 foi concluído como parte de um esforço de Obama para promover reaproximação com o sucessor de Putin, Dmitri Medvedev. As relações entre EUA e Rússia foram abaladas pela decisão do antecessor imediato de Obama, o republicano George W. Bush, de instalar um escudo antimísseis na Europa Oriental, não muito distante da fronteira russa. Na interpretação norte-americana, o novo tratado não impede o desenvolvimento do escudo, embora o governo Obama tenha indicado que não pretende levar adiante o projeto, por ora.
A ratificação do Start 2 pelo Senado americano foi saudada pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, como um passo positivo para a distensão nuclear. Lavrov observou, porém, que Moscou precisará de ;mais algum tempo para examinar; o conteúdo dos documentos americanos antes de tomar decisão semelhante. O tratado entrará em vigor a partir da ratificação por ambas as partes.