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Raúl ensaia adotar o 'capitalismo social' implantado no Brasil

Programas de complementação e transferência de renda farão parte de uma reestruturação no país

Feitas as contas, foi mesmo preciso uma amizade de mais de duas décadas, plena de admiração recíproca, para que Fidel Castro faltasse à data magna do calendário político cubano ; o aniversário da revolução, que triunfou no Revéillon de 1958 para 1959 ; e viesse à primeira posse de Lula, em 2003. Dilma não terá na plateia nem Fidel nem o irmão e sucessor Raúl. Mas a ausência não significa que o namoro esfriou. Ao contrário: a mesma razão pela qual o presidente cubano não deixaria jamais de estar em Havana, hoje, certamente faz com que ele tenha pensamentos reservados à nova colega brasileira.

A revolução cinquentona passa por considerável crise de maturidade e ensaia uma dessas ;repaginações; que o tempo impõe. Raúl, que assumiu como interino em meados de 2006 e passou a titular da posição no início de 2008, já lançou sua plataforma de ajustes no sistema, um processo que resolveu batizar de ;atualização do socialismo;. O ano para colocar o processo em marcha será 2011, e a conta é salgada: para corrigir ;distorções; na estrutura de rendas e salários, além de aliviar o peso da máquina pública, no primeiro semestre meio milhão de cubanos trocarão a segurança mumificada dos empregos no Estado pela aventura inédita do empreendedorismo. Poderão escolher uma lista de atividades que o pacote abriu para a iniciativa autônoma.

O Brasil da era Lula entra no enredo na parte da concepção que orienta um dos pilares da reforma. A mesma preocupação com as ;distorções; do modelo ; reconhecidas, por sinal, pelo próprio Fidel ; conduzirá à eliminação de um dos símbolos do regime em suas primeiras décadas: a libreta (cartão) do racionamento. Na troca do igualitarismo subsidiado por um favorecimento seletivo às famílias de renda mais baixa, Cuba ensaia importar alguma coisa do ;capitalismo social; empreendido por aqui pela via dos programas de complementação e transferência de renda. E, claro, o Brasil tem igualmente contribuições a oferecer na capacitação profissional da nova geração de trabalhadores.

De guerrilheira a gerente
Se em 2003 Lula era, para Fidel, o líder operário que mais de uma geração de comunistas sonhou ver no poder, Dilma é egressa das guerrilhas inspiradas na América Latina pelos barbudos da Serra Maestra. E vai subir a rampa do Planalto como sucessora escolhida não tanto pela trajetória passada, mas pelo perfil de ;gerente; que assumiu no comando da Casa Civil. É nessa Dilma que os cubanos estarão de olho para a continuidade de um leque de projetos, começando pela ambiciosa ampliação do porto de Mariel e pela fábrica de lubrificantes da Petrobras.

É na capacidade operativa da ;mãe do PAC; que repousa agora a meta, lançada pelo ministro Celso Amorim, de transformar o Brasil no principal parceiro latino-americano de Cuba, desbancando a Venezuela de Hugo Chávez.

Mais dinheiro no bolso
Quase como no verso da célebre valsa do ano-novo, os diplomatas cubanos serão beneficiados por tabela por uma das últimas medidas do pacote de Raúl. Pressionado por um momento agudo da crônica escassez de divisas, o governo extinguiu o imposto de 10% que era cobrada no câmbio sobre as remessas em dólares recebidas pelos cidadãos que têm parentes nos EUA. A taxa, instituída para ajudar a compensar o custo das operações bancárias da
ilha, sob o bloqueio americano, acabou estimulando o recurso a ;mulas; para levar o dinheiro, que acabava sendo trocado no paralelo.

Como também são pagos na moeda do inimigo, os diplomatas entravam na conta um pouco como Pilatos no Credo.

A África agradece

É da dirigente comunista Ana Maria Prestes, neta do célebre Cavaleiro da Esperança, que vem o testemunho sobre a envergadura assumida por Lula entre os dirigentes africanos. Integrante da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB, ela relata em seu blog, o Altamira (http://altamira.blogs.sapo.pt): "Na minha última viagem à Africa do Sul, a ministra de Relações Exteriores pegou na minha mão e me disse, olhando nos olhos: ;Vocês precisam eleger a sucessora de Lula, pela África;".