Mundo

Chávez assume poderes extraordinários para governar e mira eleição de 2012

postado em 08/01/2011 08:00
Estudantes protestam em Caracas contra a Lei Habilitante: presidente larga como favorito para as eleições do ano que vemEm 2011, a Venezuela terá um presidente capaz de decretar leis sem a aprovação da Assembleia Nacional. Depois da aprovação da Lei Habilitante, o Executivo terá liberdade para legislar como bem entender. Dotado de superpoderes, Hugo Chávez tenta tornar-se um super-herói, pronto para enfrentar os inimigos rumo a mais uma reeleição em 2012. Um terceiro mandato para o mandatário, que está no poder desde o fim de 1998, é considerado quase certo, por agora: a oposição não tem candidato à altura do desafio. Além disso, o socialismo bolivariano do presidente supercandidato continua empolgando uma parcela considerável dos venezuelanos.

Chávez vai legislar por decreto nos próximos 18 meses. E a nova arma chega em momento oportuno. A popularidade do presidente é de pouco mais de 50%, e o governo precisa encontrar o equilíbrio no meio de uma onda que traz inflação alta, em especial nos preços dos alimentos, insatisfação dos mais ricos e escassez de insumos para a indústria. De acordo com os especialistas entrevistados pelo Correio, polêmicas, problemas internos e radicalismo à parte, as chances de vitória chavista em 2012 são grandes.

Um dos grandes trunfos do presidente é não ter um adversário direto. A oposição é dispersa e não apresenta um projeto forte para o país. Por isso, os descontentes estão divididos. ;A população venezuelana tem a tendência de se polarizar-se em momentos de votação. A oposição está muito dispersa e não tem uma liderança forte. Resultado: isso amplia a possibilidade de o presidente ser reeleito. Uma derrota vai depender muito da capacidade da oposição de se unir e gerar um projeto único para o país, coisa que parece difícil de acontecer;, afirma Nicmer Evans, professor de teoria política e planejamento da Universidade Central da Venezuela (UCV).

NChávez exibe a Constituição Bolivariana: projeto socialista em marchaas últimas eleições legislativas, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) teve 48% dos votos ; o pior resultado do chavismo em 12 anos no poder. ;Mas não deixa de ser uma disputa vitoriosa. Chávez, depois de mais de uma década no comando, ainda é um dos poucos líderes políticos na América Latina que demonstram capacidade de manter uma margem de popularidade. E isso não é fácil;, afirma Evans.

O presidente é o grande favorito porque não há espaço para novas lideranças, de acordo com Virgílio Arraes, professor do Departamento de Relações Internacionais de Universidade de Brasília (UnB). ;Quando a oposição esteve no poder, não teve um governo marcante. A população mais pobre opta pelo presidente porque a situação econômica tem sido melhor, de fato, e houve um balanço do ponto de vista social. Os opositores não conseguem ter um programa, apenas se contrapõem a Chávez;, analisa.

Para José Vicente Carrasquero, professor de ciência política da Universidade Simón Bolivar, um terceiro mandato depende de uma melhora considerável do governo e da qualidade de vida dos venezuelanos. ;As pesquisas de opinião mostram que a imagem do presidente está se deteriorando. Uma vitória nas urnas será possível na medida que ele consiga melhorar a percepção dos venezuelanos sobre a resolução dos problemas econômicos e sociais;, comenta o cientista político venezuelano.

Processo revolucionário
Para o sociólogo George Ciccariello-Maher, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e autor do livro We created him: a people;s history of the Bolivarian Revolution (em tradução livre, ;Nós o criamos: história popular da revolução bolivariana;), é preciso analisar o papel da população no processo de transição para um regime com formas socialistas. ;Não é só uma questão de Chávez e de suas aspirações pessoais, e sim do que o povo quer. É fundamental reconhecer que a maioria dos movimentos sociais da Venezuela quer um processo revolucionário, e também mais democrático. Eles apoiaram a Lei Habilitante como arma para aprofundar a revolução;, afirma.

Segundo Ciccariello-Maher, defensor do governo, a vitória de Chávez em 2012 é essencial para o desenvolvimento do país, e a liberdade para o presidente legislar por decreto é um passo para chegar lá.

;As medidas que Chávez pode tomar com esses poderes vão adiantar o processo revolucionário, por meio de mais desapropriações de terra para os trabalhadores rurais, mais desapropriações de fábricas para os trabalhadores industriais e uma radicalização orientada para a distribuição do poder econômico e político para os mais pobres;, prevê o sociólogo chavista.

OEA condena Lei Habilitante

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, fez coro ontem com o governo norte-americano e criticou a concessão de poderes extraordinários ao presidente Hugo Chávez, por decisão da própria Assembleia Nacional. ;O preocupante, no caso, é que os parlamentares limitaram as faculdades do Legislativo por 18 meses. Isso não é um mecanismo válido na democracia;, advertiu. Insulza defendeu que a nova legislatura da Assembleia, na qual a oposição tem cerca de 40% dos votos. Na véspera, o Departamento de Estado dos EUA havia classificado a Lei Habilitante como antidemocrática.

Emergência é a justificativa

O poder de legislar livremente durante um ano e meio é uma oportunidade de ouro para Hugo Chávez em 2011. Pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 1998, o presidente venezuelano não tem maioria qualificada na Assembleia Nacional para remendar e emendar a Constituição. A legislação extraordinária foi pedida pelo chefe de Estado para responder à emergência causada pelas chuvas, que deixaram mais de 130 mil desabrigados, mas o pacote inclui a possibilidade de desapropriar terras, assinar importantes tratados internacionais e colocar em prática o plano de distribuição de renda.

A Lei Habilitante deve permitir ao presidente aprofundar seu projeto socializante. Segundo, Nicmer Evans, professor da Universidade Central da Venezuela, a manobra legal já foi usada por outros presidentes. ;A Assembleia Nacional não perde suas faculdades. Essa é uma ferramenta política, disfarçada como uma legislação feita para atender os desabrigados, mas destinada a aprofundar o processo revolucionário no ano de 2011, que será complexo, já que se espera uma reativação das ações desestabilizadoras por parte da oposição da mais extrema direita;, afirma o especialista.

Para o cientista político José Vicente Carrasquero, da Univeridade Simón Bolívar, será a chance de Chávez colocar em prática um plano mais radical. ;A Lei Habilitante representa um desafio para os venezuelanos que acreditam que ela fecha os espaços democráticos. Isso pode gerar um estado de desorganização social e de protestos cada vez mais frequentes, para atrapalhar a capacidade do governo de manter a ordem. Por outro lado, ela pode facilitar a implantação de um regime autoritário, como estabelecido de forma apelativa na Constituição de 1999;, afirma o especialista.

Segundo Carrasquero, se a lei for usada para tentar contornar problemas econômicos e favorecer a todas as classes sociais, haverá uma melhora na concepção do povo em relação ao governo. ;O rendimento da gestão do presidente Chávez é bastante magro. Ele tem poucas habilidades democráticas para negociar soluções com a oposição. E a lei habilitante busca manter seu status quo. Para seguir governando sem maiores contratempos, ele precisa melhorar sua imagem;, explica o cientista político venezuelano.

Os superpoderes
O texto da Lei Habilitante não é muito específico. Nos três artigos e nove parágrafos, são definidas áreas nas quais o chefe de Estado vai poder legislar livremente. Além de poder reponder à emergência causada pelas chuvas que atingiram o país nos últimos meses de 2010, o presidente terá liberdade para legislar sobre os seguintes temas:

; Economia
Pode baixar leis para distribuir a riqueza e diminuir a desigualdade econômica, causada, segundo o texto, por uma combinação de ;especulação, usura, acúmulo de capital, monopólios, oligopólios e latifúndios;.

; Cooperação internacional
O Executivo pode fixar normas para fortalecer a integração da América Latina e assinar tratados e acordos bilaterais ou multilaterais ;de interesse do país;.

; Propriedade urbana e rural
Será permitido ao presidente estabelecer uma ;forma adequada do uso social; de terras urbanas e rurais, o que dá margem para reforma agrária e a desapropriações.

; Infraestrutura, transporte e serviços públicos

Opresidente pode criar ou reformar leis que regulem a atuação de órgãos públicos e de entidades privadas na realização de obras (públicas ou privadas) e mudar as regras para as telecomunicações e a tecnologia de informação.

; Segurança e defesa
Chávez tem carta branca para reformar a estrutura militar, garantir atenção para as fronteira e legislar sobre ;tudo que diga respeito a armas, sua regulação e sua supervisão;.

; Habitação
Em nome da emergência vivida pelos desabrigados, o presidente pode baixar leis para facilitar o acesso de famílias a financiamentos públicos e privados para construção, aquisição e reforma de casas e propriedades.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação