No dia seguinte à saída do presidente tunísio, Zine El Abidine Ben Ali, do posto que ocupava há 23 anos, movimentações entre as lideranças políticas do país já começavam a exprimir as possibilidades para o próximo governo do país. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Fouad Mebazza, assumiu a presidência interina. Nas últimas horas, o cargo esteve nas mãos do primeiro-ministro, Mohammed Ghannouchi. O premiê, que tem a difícil tarefa de formar um governo, já aceitou a proposta dos partidos de oposição para uma coalizão. As eleições terão de ser realizadas em, no máximo, 60 dias. Por meio de um comunicado, o Conselho Constitucional, maior autoridade legal do país, anunciou que o posto de presidente estava ;definitivamente vago;, após a fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita.
O primeiro-ministro passou o dia se reunindo com lideranças da oposição. Segundo Mustafa Ben Jaafar, presidente do Partido Trabalhista e da União da Liberdade, as conversas devem continuar hoje. ;Discutimos a ideia de um governo de coalizão, e o primeiro-ministro aceitou nossa solicitação;, disse, destacando que os dois lados têm o objetivo de tirar a Tunísia da crise política e obter ;reformas reais;. Ao assumir a presidência, Mebazza discursou brevemente, afirmando que ;todos os tunisianos sem exceção; participarão do processo político. Ele prometeu promover o pluralismo e a democracia.
Acolhida
O presidente interino é do mesmo partido de Ben Ali e de Ghannouchi, o Constitutional Democratic Rally, o que fez com que muitos manifestantes voltassem às ruas, insatisfeitos.
Ben Ali, que deixou o país na sexta-feira, desembarcou em Jidá, na Arábia Saudita, na madrugada de ontem. ;O governo saudita acolheu o presidente Zine El Abidine Ben Ali e sua família no reino devido às circunstâncias excepcionais as quais atravessa o povo tunisiano;, informou o palácio real, citado pela agência oficial saudita SPA. Reeleito para um quinto mandato em outubro de 2009, com cerca de 90% dos votos, Ben Ali enfrentava uma crescente oposição, que degenerou em protestos nas ruas a partir de dezembro passado. O governo da França, país que colonizou a Tunísia até 1956, pediu que as eleições sejam realizadas o ;mais cedo possível;.
Em nota, o presidente Nicolas Sarkozy afirmou que já tomou as medidas necessárias para garantir que as ;movimentações financeiras suspeitas; relativas a ativos da Tunísia fossem bloqueadas na França.
Fogo mata 42 presos
Enquanto as autoridades tunisianas tentavam contornar a turbulência política com a indicação de um presidente interino, em vários locais do país manifestações e rebeliões em presídios deixaram dezenas de mortos. Em um centro de detenção na província turística de Monastir (nordeste), prisioneiros organizaram um motim e atearam fogo às camas de suas celas, provocando um grande incêndio que deixou, pelo menos, 42 mortos.
De acordo com testemunhas, muitos presos foram atingidos pelo fogo por terem a saída barrada pelos guardas, que tentavam conter a rebelião. Em outras prisões, nas regiões de Gafsa, Kasserine, Bizerta e Mornaguia, houve também rebeliões e inícios de incêndio.
Na capital, Túnis, manifestantes atearam fogo, no início da manhã de ontem, à principal estação ferroviária da cidade. Em Ariana, ao norte da capital, soldados tiveram que intervir para frustrar a ação de saqueadores em um grande supermercado. Testemunhas disseram à agência Reuters ter ouvido tiros durante a ação. Lojas foram destruídas. O Aeroporto Internacional de Túnis, fechado em meio às tensões na sexta-feira, reabriu ontem.
Exterior
Em outras nações, as manifestações foram de comemoração pela saída do ditador Zine El Abidine Ben Ali. Na França, 200 expatriados, alguns deles usando bandeiras da Tunísia como capas, se reuniram na Place des Invalides, em Paris, e seguiram para as proximidades da embaixada tunisiana. ;Viva o povo da Tunísia! Não ao regime militar!”, eram as inscrições em uma enorme faixa estendida em um protesto realizado em Bruxelas.