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Novo gabinete da Tunísia terá três ministros da oposição e oito da situação

postado em 18/01/2011 08:00
Em nome da flor branca perfumada, símbolo da Tunísia, da pureza e da tolerância, 78 pessoas já perderam a vida. A chamada Revolução do Jasmim teve ontem um desfecho decepcionante para muitos tunisianos, que sonhavam com a completa remoção do governo do presidente Zine El Abidine Ben Ali. O premiê Mohamed Ghannouchi anunciou um governo de união nacional, que inclui três líderes da oposição e oito ministros da equipe anterior. ;As eleições serão realizadas em seis meses, no mais tardar;, declarou o chefe de governo, em entrevista à emissora de TV Al-Arabiya. ;A Constituição prevê eleições gerais em 45 a 60 dias (;), prazo, no entanto, insuficiente;, acrescentou. Além de prometer a legalização de partidos, Ghannouchi concedeu anistia geral a todos os presos políticos do país. ;Os partidos políticos e as organizações que pedirem serão reconhecidos de imediato;, disse ele, ao garantir a ;liberdade total de informação; e a autorização de funcionamento das organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos.

O novo governo terá a tarefa de coordenar a transição até a organização das eleições presidenciais e legislativas. Moradora de Túnis, a psicóloga e produtora de tevê Nidhal Chemengui, 24 anos, acusou o novo governo de ser uma ;manipulação;. ;Os mais importantes ministérios ficaram com o antigo regime. Nós pretendíamos que o gabinete fosse representativo, mas o que eles querem é silenciar a revolução;, lamenta ao Correio, pela internet. A capital tenta, aos poucos, retornar à normalidade. ;A situação tem sido mais calma pela manhã. À noite, as pessoas ajudam o Exército a combater as milícias pró-Ben Ali;, relata.

Uma notícia divulgada pelo jornal Le Monde, com base em supostos relatórios secretos franceses, causou revolta popular. Segundo o diário, antes de fugir para a Arábia Saudita com o marido, a ex-primeira-dama Leila Trabelsi teria ido ao Banco Central da Tunísia e roubado 1,5t em lingotes de ouro. A instituição financeira nega e garante que suas reservas estão intactas.

Violência
A 140km de Túnis, na cidade de Sousse, o engenheiro de softwares Marouan Omezzine, 26 anos, se diz ;orgulhoso; pela revolução, mas com medo do futuro. ;Esse novo governo parece fruto de um jogo desagradável. O premiê Ghannouchi foi escolhido pelo presidente, que é um criminoso;, comenta, referindo-se a Ben Ali. No domingo, Marouan ouviu vários tiros. ;O exército cercou nossa residência. Alguns soldados usam os telhados das casas para vigiar carros que pertençam a milicianos do antigo regime;, revela. Além dos 78 mortos, o ministro do Interior, Ahmed Friaa, confirmou que 94 pessoas ficaram feridas, incluindo ;vários; membros das forças de segurança. Aliado de Ben Ali, Friaa foi mantido no cargo, ao lado dos ministros Ridha Grira (Defesa), Kamel Morjane (Relações Exteriores) e Ridha Chalghoum (Finanças).

Entre os 24 ministros do novo gabinete, estão Ahmed Néjib Chebbi, chefe histórico do Partido Democrático Progressista (PDP); Ahmed Ibrahim, líder do Movimento Ettajdid (Renascença); e Mustapha Ben Jaafar, que comanda a Frente Democrática para o Trabalho e as Liberdades (FDTL). Os três são considerados importantes opositores a Ben Ali. Por e-mail, Michael Koplow, pós-doutorando pela Georgetown University e jornalista especializado em Tunísia, afirmou ao Correio que o novo governo não deve trazer paz à Tunísia. ;As pessoas estão muito chateadas com Ben Ali, por causa do desemprego, da estagnação econômica, da corrupção e da repressão política;, lembra. ;Os manifestantes exigiam a completa remoção do regime. Os ministros ainda são escolhidos a dedo por Ben Ali e serão vistos pela população como a continuidade das políticas do passado.;


ONDA DE AUTOIMOLAÇÕES
; Desde o início da crise na Tunísia, seis homens atearam fogo ao próprio corpo no norte da África. Os protestos seriam cópias do ato que deflagrou a violência no país, depois que o tunisiano Mohamed Bouzazi cometeu suicídio após a polícia prender sua banca de verduras, em 17 de dezembro. Na Argélia, pelo menos quatro atos de autoimolação foram presenciados nos últimos dias. Na última segunda-feira, um homem se incendiou do lado de fora do palácio presidencial, na Mauritânia. No Egito, ação semelhante ocorreu do lado de fora do Parlamento.

Lista de ministros do novo governo

1- Primeiro-ministro: Mohamed Ghannouchi (Rassemblement constitutionnel démocratique, RCD, União Constitucional Democrática, reconduzido)
2- Ministro da Justiça: Lazhar Karoui Chebbi (independente)
3- Ministro da Defesa Nacional: Ridha Grira (RCD, reconduzido)
4- Ministro das Relações Exteriores: Kamel Morjane (RCD, reconduzido)
5- Ministro do Interior: Ahmed Friaa (RCD, reconduzido)
6- Ministro das Relações Religiosas: Larbi Mizouri (independente)
7- Ministro do Desenvolvimento Regional e Local: Ahmed Néjib Chebbi (Partido Democrático Progressista, PDP, oposição)
8 - Ministro do Ensino Superior e da Pesquisa Científica: Ahmed Ibrahim (Ettajdid, oposição)
9 - Ministro da Saúde Pública: Mustapha Ben Jaafar (Fórum democrático do trabalho e das liberdades, oposição)
10 - Ministro do Comércio e do Turismo: Mohamed Jegham (ex-membro do RCD)
11 - Ministro da Educação: Taieb Baccouch (independente, ex-sindicalista)
12 - Ministro das Relações Sociais: Moncer Rouissi (independente)
13 - Ministro da Agricultura e do Meio Ambiente: Habib M;barek (RCD)
14 - Ministro do Planejamento e da Cooperação Internacional: Mohamed Nouri Jouini (RCD, reconduzido)
15 - Ministro da Indústria e da Tecnologia: Mohamed Afif Chelbi (independente, reconduzido)
16 - Ministro encarregado do desenvolvimento administrativo: Zouheir M;dhaffer (RCD, reconduzido)
17 - Ministro das Finanças: Ridha Chalghoum (RCD, reconduzido)
18 - Ministra da Cultura: sra. Moufida Tlatli (independente, cineasta)
19 - Ministra da Mulher: Lilia Laabidi (independente)
20 - Ministro do Transporte: Slaheddine Malouch (RCD, reconduzido)
21 - Ministro da Formação e do Emprego: Houssine Dimassi (sindicalista)
22 - Ministro da Juventude e dos Esportes: Mohamed Aloulou (independente)
23 - Ministro sem pasta: Abdeljelil Bédoui, (independente, sindicalista
24 - Secretário geral do governo: Abdelhakim Bouraoui (reconduzido)

Veja alguns exemplos destas revoluções:

- PORTUGAL: REVOLUÇÃO DOS CRAVOS - 25 abril 1974, a "Revolução dos Cravos" derruba o governo salazarista de Marcello Caetano, pondo um fim a um regime ditatorial de 48 anos. Em 1976, o general Antonio Ramalho Eanes se torna o primeiro presidente eleito por sufrágio universal. Em março 1986, o socialista Mario Soares vira o primeiro presidente civil do país.

- TCHECOSLOVÁQUIA: REVOLUÇÃO DE VELUDO - Em novembro de 1989, a "Revolução de Veludo", liderada pelo dramaturgo e dissidente Vaclav Havel, põe fim, sem violência, ao regime comunista. O divórcio tcheco e eslovaco ocorre quatro anos mais tarde.

- GEÓRGIA: REVOLUÇÃO DA ROSA - 23 de novembro de 2003, após três semanas de manifestações contra as legislativas fraudulentas, a Revolução da Rosa derruba do poder o presidente Edouard Tchevardnadze. Mikhail Saakachvili, líder da oposição reformista e pró-ocidente, entra no Parlamento com uma rosa nas mãos, apoiado por dezenas de milhares de pessoas. Ele é eleito presidente em janeiro de 2004 com 96,2% dos votos.

- UCRÂNIA: REVOLUÇÃO LARANJA - 22 de novembro de 2004, centenas de milhares de ucranianos saem às ruas de Kiev para protestar contra a "vitória" na eleição presidencial do candidato pró-russo Viktor Ianukovitch. Essa eleição seria mais tarde anulada por fraudes em massa. Os oponentes batizaram a revolução de "Laranja" em referência a cor da campanha de seu candidato Viktor Yuschenko. Este seria eleito presidente em janeiro de 2005.

- QUIRGUISTÃO: REVOLUÇÃO DAS TULIPAS - 24 de março de 2005, milhares de manifestantes, que protestam contra os resultados das legislativas e contra a corrupção do regime, invadem a sede do governo, forçando o presidente Askar Akaãev, no poder há 15 anos, a fugir. Quatro meses mais tarde um dos líderes do levante, Kourmanbek Bakiev, é eleito à presidência, com quase 90% dos votos.

- TUNÍSIA: REVOLUÇÃO DO JASMIM - 14 janeiro de 2011, após um mês de manifestações reprimidas violentamente, a "Revolução do Jasmim" derruba o regime autoritário do presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há 23 anos. A primeira revolução do tipo no mundo árabe, pegou emprestado o nome da flor branca perfumada símbolo da Tunísia e da pureza, da doçura de viver e da tolerância.

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