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Quatro ministros apresentam demissão no dia seguinte à formação do governo

postado em 19/01/2011 09:00
Menos de 24 horas foram tempo suficiente para que o novo governo de união nacional da Tunísia começasse a erodir. Samih Cherif não perde as esperanças ante a crise política ainda sem solução. O engenheiro de tecnologia de informação de 31 anos mora em Túnis e saiu às ruas da capital para exigir o fim do regime do presidente Zine El Abidine Ben Ali, em um movimento conhecido como Revolução do Jasmim. ;A revolução definitivamente continuará, até que todos os tentáculos imundos do velho regime estejam cortados;, afirmou ao Correio, por e-mail. Samih e milhares de tunisianos anseiam por uma democracia sólida e de longa duração. Sabem que o caminho será tortuoso. Ontem, três ministros da União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UFTT, pela sigla em francês) e outro do Foro Democrático para o Trabalho e as Liberdades (FDLT) apresentaram sua renúncia ao premiê Mohamed Ghannouchi. O gesto marca a ruptura com o governo de coalizão. A própria UFTT conclamou todos os seus membros a fazerem o mesmo.

Na tentativa de aplacar a fúria dos manifestantes, Ghannouchi e o presidente interino, Fouad Mebazaa, se desligaram do partido Agrupamento Constitucional Democrático (RCD). ;Muitas pessoas querem um corte total com o passado. Há muito ressentimento contra o RCD;, explicou à reportagem o tunisiano Noureddine Raouafi, 35 anos, professor de química na Universidade de Túnis El-Manar. Segundo ele, o país tenta, aos poucos, retornar à normalidade. ;As ruas estão calmas hoje (ontem) e o Exército tem detido simpatizantes de Zinochet;, afirmou, em referência irônica ao primeiro nome do ex-presidente (Zine) e ao ex-ditador chileno Augusto Pinochet. Noureddine acredita que nenhum governo funcionará sem representar todos os partidos. Por sua vez, Samih vê apenas uma saída para a crise. ;O único caminho rumo à paz seria uma intervenção do Exército, em caráter temporário;, opinou.

Em entrevista à rádio Europe 1, o premiê Ghannouchi justificou a manutenção de aliados de Ben Ali no novo governo. ;Nós precisamos deles, durante essa fase de construção da democracia;, disse. ;Todos os ministros que mantiveram seus cargos têm as mãos limpas e são muito competentes;, acrescentou. Em outros desdobramentos, o partido islâmico Ennahda (Renascimento) admitiu à agência France-Presse que apresentará uma demanda de legalização, para participar das eleições legislativas de julho.

O retorno do histórico líder oposicionista Monsef Al-Marzouki também mexeu com os ânimos dos tunisianos. O chefe do Partido do Congresso Nacional da Tunísia desembarcou no Aeroporto Internacional Túnis-Cartago e foi saudado por simpatizantes. Em sua primeira declaração, após um exílio de nove anos em Paris, Al-Marzouki pediu ao povo que trabalhe com a polícia. ;Sim à democracia, sim à liberdade, não ao caos;, exortou.

Autoimolações
A crise política na Tunísia, deflagrada pela autoimolação de um camelô, em 18 de dezembro, deu origem a um fenômeno estarrecedor em vários países árabes. Pelo menos 10 pessoas imitaram o gesto do tunisiano. No Egito, um homem morreu e dois ficaram feridos. Na Argélia e na Mauritânia, dois cidadãos também tentaram o suicídio. Em Marselha (França), um estudante de 16 anos ateou fogo ao próprio corpo no banheiro do centro de estudos da escola secundária Saint-Joseph-Les Maristes. ;Foi levado ao hospital de La Concepción em estado muito grave, com prognóstico reservado;, afirmou um bombeiro. O garoto teve queimaduras de segundo e terceiro graus em 70% do corpo.


ANÁLISE DA NOTÍCIA
Os espinhos da revolução

A chamada Revolução do Jasmim começa a mostrar seus espinhos. O governo de união nacional não representa os anseios da sociedade que, após mais de duas décadas sob a tutela de Zine El Abidine Ben Ali, enfrenta a pobreza, testemunha uma inflação galopante no preço dos alimentos e precisa conviver com a taxa de desemprego de 14%. Sufocado, o povo tunisiano exige mudanças. Mas não as vê. O premiê Mohammed Ghannouchi nomeou 24 ministros, entre eles três líderes da oposição e oito seguidores de Ben Ali. Por não romper com o antigo governo, o novo gabinete se desmoronou menos de 24 horas após sua formação.

A debandada de quatro ministros, a intenção do movimento islâmico Ennahda (Renascimento) de disputar as eleições legislativas de julho e o retorno de Moncef Marzouki ; uma figura histórica da oposição ; lançam incerteza sobre o futuro da Tunísia. Alguns analistas temem uma espécie de ;islamização; da política, um fenômeno que poderia resultar numa mistura explosiva de religião e poder.

Desvincular o governo da figura de Ben Ali é fator crucial para qualquer fagulha de democracia. Muitos tunisianos veem a revolução como um caminho sem volta. Ou o país se adequa a ela ou terá que caminhar sobre muitos espinhos. (RC)

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