postado em 28/01/2011 08:26
Da costa ocidental da África à Península Arábica, o clamor pela democracia e por melhores condições de vida tem levado milhares de pessoas às ruas das principais cidades, em uma revolta sem precedentes. ;Temos vivido sob uma lei de emergência desde 1981. Qualquer policial pode fazer o que quiser e ninguém tem seus direitos respeitados. A situação econômica é ruim, com a inflação em alta, uma taxa de desemprego de 10% e com 20% da população vivendo abaixo da linha de pobreza. O que mais é preciso para nos levantarmos e pedirmos a esse regime que nos deixe?;, questionou ao Correio a jornalista Aliaa Hamed, de 27 anos, moradora do Cairo. Os egípcios voltaram a exigir ontem a renúncia do presidente Hosni Mubarak. Uma jovem beduína de 17 anos foi morta pela polícia, em Sheik Zuweid, no Sinai. Em três dias, cinco manifestantes e dois agentes de segurança morreram.Ante a radicalização, o chefe de Estado norte-americano, Barack Obama, apelou à contenção e lembrou que a violência não é solução. ;O Egito é um dos nossos aliados sobre numerosas questões de importância;, declarou Obama, lembrando que alertou ao colega egípcio sobre a necessidade extrema de reformas. A pressão sobre Mubarak se intensificou com o retorno ao Cairo do opositor Mohammed ElBaradei, ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e Nobel da Paz. ;Minha prioridade é ver um novo Egito, encaminhado para uma transição pacífica;, afirmou.
Enquanto os egípcios planejam reunir hoje 1 milhão de pessoas nas ruas, os tunisianos assistem a mais um capítulo da Revolução dos Jasmins. O movimento culminou na queda do ditador Zine El Abidine Ben Ali. A manutenção do premiê Mohamed Ghannouchi e as destituições dos ministros do Interior, da Defesa, das Relações Exteriores e das Finanças ; todos pró-Ben Ali ; indicavam ruptura com o antigo regime. O sucesso do levante na Tunísia estimulou milhares de iemenitas a exigirem o fim do governo de Ali Abdullah Saleh. ;O presidente tunisiano foi embora depois de 20 anos. E 30 anos no Iêmen já bastam;, gritavam os opositores, na capital, Sanaa.
Em entrevista ao Correio, por e-mail, o egípcio Samer Shehata ; professor de política árabe da Georgetown University ; admite: ;Não há dúvidas de que a queda de Ben Ali foi um catalisador dos protestos no Egito, no Iêmen, na Jordânia e em outros países;. De acordo com ele, a destituição do tunisiano funcionou como uma ;faísca;, que incendiou queixas de longa data contra regimes autoritários. ;A Tunísia foi uma inspiração. Provou que não é impossível remover um regime autoritário poderoso, apoiado pela França e pelos EUA;, comentou.
O ex-chanceler jordaniano Marwan Jamil Muasher acredita que os países árabes compartilham de um problema de ;baixa qualidade de governança;. ;Está claro que algo já mudou;, comemora. ;As pessoas que temiam sair às ruas agora o fazem;, lembra, assegurando que nenhum país está imune à convulsão social. ;Não se pode resolver o problema só com medidas financeiras;, sustenta. O tunisiano Maher Abderrahmen, de 27 anos, compartilha da opinião de Muasher. Ele afirma que as pessoas descobriram que transformações são possíveis. ;Não sei se o que ocorreu em minha terra vai se repetir em outras nações árabes, mas espero que os ditadores caiam, um por um;, admitiu o morador de Túnis.
Steven Heydemann, especialista do United States Institute of Peace (em Washington), explica que os países árabes compartilham dos mesmos cenários que insuflaram os protestos na Tunísia. Ele cita a alta taxa de desemprego, a exclusão socioeconômica e a desigualdade crescente. ;Os jovens estão frustrados com a falta de oportunidades e com regimes que eles entendem ser corruptos e ilegítimos;, alerta. Heydemann prevê que alguns governos farão mudanças nas políticas sociais e econômicas. O fenômeno deve impactar a sucessão. ;Será difícil para os filhos dos ditadores permanecerem no poder, no Iêmen e no Egito;, aposta.
Insatisfação generalizada
O levante na Tunísia, que derrubou o presidente Zine El Abidine Ben Ali em 14 de janeiro, teve o efeito de um rastilho de pólvora no mundo árabe:
; EGITO
Uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas em questão de dias depois de atearem fogo ao próprio corpo. Cinco manifestantes e dois policiais morreram durante protestos para exigir a saída do presidente, Hosni Mubarak. Mais de mil pessoas foram detidas. A organização Irmandade Muçulmana espera reunir hoje 1 milhão de manifestantes nas ruas.
; ARGÉLIA
No começo de janeiro, cinco dias de protestos violentos contra a carestia deixaram cinco mortos e mais de 800 feridos. O governo ordenou cortes nos preços dos alimentos básicos e prometeu continuar subsidiando o trigo, o leite e a eletricidade. Em 22 de janeiro, a polícia dispersou uma manifestação pró-democracia e feriu 20 pessoas. Duas auto-imolações fatais e seis tentativas de suicídio com fogo foram registradas na Argélia desde 14 de janeiro.
; JORDÂNIA
Milhares de jordanianos tomaram as ruas de Amã e outras cidades do país em 14 de janeiro para protestar contra os preços das commodities em elevação, o desemprego e a pobreza, pedindo a deposição do governo. Um novo protesto foi marcado para hoje.
; SUDÃO
Um jovem sudanês de 25 anos que havia ateado fogo ao próprio corpo em um subúrbio de Cartum morreu em decorrência dos ferimentos na última quarta-feira. O descontentamento generalizado com a economia e a política no norte do Sudão levou a protestos esporádicos nas últimas semanas.
; OMÃ
Pelo menos 200 pessoas protestaram em 17 de janeiro contra a carestia e a corrupção, um fato raro na monarquia do Golfo Pérsico.
; MAURITÂNIA
O mauritano Yacoub Ould Dahoud ateou fogo ao próprio corpo em um protesto antigovernamental, em 17 de janeiro, por estar ;infeliz com a situação política no país e furioso com o governo;.
; IÊMEN
A polícia iemenita dispersou centenas de manifestantes que cantavam slogans pró-Tunísia na Universidade de Sanaa, em 18 de janeiro. Dezenas de milhares de pessoas voltaram às ruas ontem e exigiram a renúncia do presidente, Ali Abdullah Saleh.