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População egípicia contra presidente Mubarak na Sexta-feira da Ira

postado em 29/01/2011 10:11
O corpo de um dos 13 manifestantes mortos ontem em Suez é carregado pelas ruas da cidade, enquanto a multidão furiosa grita %u201CVocês mataram meu irmão%u201D. Cinco civis morrem no Cairo. Carros blindados do Exército ocupam o centro da capital, em meio a rajadas de metralhadora. A polícia de Alexandria não suporta a pressão e abandona a cidade, diante de 500 mil egípcios enfurecidos. Em Dumyat, uma multidão incendeia o quartel-general das forças de segurança. O Egito viveu ontem um dia histórico. Mais de 1 milhão de pessoas tomaram as ruas das principais cidades para exigir a renúncia do presidente Hosni Mubarak, enquanto Mohammed ElBaradei, ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e Prêmio Nobel da Paz, era colocado sob prisão domiciliar. As autoridades impuseram toque de recolher, entre 18h e 7h, para o Cairo, Alexandria e Suez. De nada adiantou. A medida já estava em vigor quando os opositores atearam fogo à sede do Partido Democrático Nacional %u2014 de Mubarak %u2014 e em carros blindados do Exército. Até o fechamento desta edição, ao menos 25 pessoas tinham morrido, 18 ontem, e 1,1 mil haviam ficado feridas. Às 20h15 (hora de Brasília), Mubarak falou à nação. Ele assegurou ter demitido o governo, garantiu comprometimento com o país e prometeu não ser tolerante nem negligente. Um novo gabinete deve ser formado ainda hoje. Da Praça Tahrir, no centro do Cairo, a egípcia Rowand Helmii, de 20 anos, falou ao Correio por meio de um telefone via satélite do Catar %u2014 o governo cortou a conexão da internet e obrigou as operadoras de celular a suspender seus serviços. %u201CA polícia está utilizando munição real. Vi duas pessoas serem mortas%u201D, relatou a ativista política e blogueira, aparentando muito nervosismo. %u201CNinguém vai escutar (as autoridades) até que Mubarak deixe o poder%u201D, acrescentou. Rowand conta que os protestos tiveram início por volta das 13h. %u201CAinda dentro das mesquitas, o pessoal começou a se mobilizar e, depois das orações de sexta-feira, todos os muçulmanos saíram às ruas%u201D, disse. Ela revelou que foi presa na quinta-feira e, apesar de ter passado a noite na cadeia, decidiu se levantar contra o presidente. %u201CMubarak é um ditador. Ele usa as pessoas%u201D, desabafa. A blogueira não crê no fim dos protestos. %u201CSe desistirmos, seremos massacrados. Todos os egípcios deveriam se orgulhar do que está acontecendo.%u201D %u201CÉ o fim%u201D A professora universitária Madiha Doss, de 63 anos, não tem dúvidas: %u201CÉ o fim desse regime, o presidente perdeu o terreno e não consegue mais se sustentar no poder%u201D. Também por telefone, ela contou ao Correio que participou das manifestações de ontem, no Cairo. %u201CHavia milhões de pessoas, que começaram a sair das mesquitas e a gritar slogans contra Mubarak%u201D, comentou. Entre as palavras de ordem, ela cita %u201CAbaixo Mubarak%u201D e %u201CGamal e seu pai, toda a população os odeia%u201D %u2014 uma referência ao filho e sucessor natural do mandatário. %u201CSe na terça-feira, as pessoas gritavam por melhores salários e dignidade, hoje (ontem) só queriam a queda do regime%u201D, afirmou. Segundo Madiha, a reação da polícia aos protestos desta sexta-feira foi %u201Cextremamente violenta%u201D. %u201CFomos atacados. Lançaram gás lacrimogêneo tão alto, que atingiram os prédios. Meus olhos queimavam%u201D, relatou. A egípcia disse ter visto 15 feridos %u201Cem situação muito ruim%u201D. %u201CMubarak é incompetência e corrupção%u201D, critica. A instabilidade ficou evidente à noite, quando soldados foram vistos fazendo o %u201CV%u201D da vitória em direção a milhares de manifestantes e policiais apertaram as mãos de civis. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, instou Mubarak a encerrar a repressão. %u201CEsses protestos sublinham que há profundas queixas na sociedade egípcia, e o governo tem de entender que a violência não as extinguirá%u201D, declarou. Em Davos, na Suíça, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, expressou a preocupação de que os protestos no mundo árabe %u201Cexacerbem as tensões%u201D no Oriente Médio. ANÁLISE DA NOTÍCIA A agonia de um %u201Cfaraó%u201D Hosni Mubarak chegou ao governo após o assassinato do presidente Anwar Sadat, em 1981. Em 30 anos de governo, sufocou qualquer tentativa de mudança política e travou uma guerra particular contra a Irmandade Muçulmana, uma organização islâmica que já foi considerada terrorista pelo Ocidente. A cada seis anos, convoca eleições suspeitas para se manter na Presidência. Em 5 de dezembro passado, o governista Partido Democrático Nacional obteve 83% dos assentos do Parlamento, em meio a denúncias de fraudes. O apego ao poder torna Mubarak uma espécie de autocrata, um %u201Cfaraó%u201D que articula a sobrevivência de sua dinastia e tenta repassar o controle de um país fragmentado ao filho, Gamal. Um líder que, sob ameaça, ordena a suspensão de todos os serviços de internet e de telefonia celular no país. Para alguns, Mubarak representa o que existe de pior: corrupção, inépcia e autoritarismo. O presidente não transmite qualquer esperança a 32,1 milhões dos 80 milhões de egípcios %u2014 a fatia de 40% da população que vive abaixo da linha de pobreza. Mesmo que ele anuncie uma série de reformas políticas e econômicas nas próximas horas, provavelmente permanecerá em apuros. As 12 mortes desde terça-feira tendem a aumentar sua impopularidade e fazê-lo perder o já minguado apoio. Mesmo os Estados Unidos, seu principal aliado, deram reiteradas amostras de mal-estar com a repressão desmedida aos protestos. Até então, acreditava-se que Mubarak só se mantinha incólume graças ao apoio dos EUA e de Israel. Ao atuar com mão-de-ferro, Mubarak pode ter cavado sua sepultura política. (RC)

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