Mundo

Sinal verde para megaprotesto nesta terça-feira no Egito

postado em 01/02/2011 09:14
Motel Liberdade. Foi o nome escolhido pelo egípcio Tarek Shalaby para batizar sua barraca, montada na Praça Tahrir, no centro do Cairo. ;É um nome engraçado, que representa como queremos ser livres;, afirmou o webdesigner e blogueiro de 26 anos, em entrevista ao Correio, por telefone. Aos poucos, os anseios de Tarek se multiplicaram. ;Já temos aqui os motéis Liberdade 2, 3, 4 e 5;, comemora. ;É incrível a atmosfera daqui. Cerca de 80 mil pessoas estão cantando, dançando, comendo juntas. Outras chegam a todo momento. É um clima bem positivo;, disse Tarek.

O otimismo e o desejo de romper com três décadas do governo Hosni Mubarak ganharam em intensidade ontem, depois que o Exército descartou o uso da força contra os manifestantes e considerou as demandas do povo ;legítimas;. ;As forças armadas não recorreram e não recorrerão ao uso da força contra o povo egípcio;, garantiu um porta-voz, por meio de um comunicado oficial divulgado pela agência governamental Mena. ;A liberdade de expressão de forma pacífica está garantida para todos;, concluiu. O governo, no entanto, manteve a censura: prendeu seis jornalistas da TV Al-Jazeera e confiscou seus equipamentos, além de bloquear o acesso à internet.

Tarek só soube da notícia sobre o comunicado do Exército por meio da reportagem. Comemorou, mas se disse preocupado com o que pode ocorrer hoje, durante a chamada ;marcha de um milhão; e a greve geral. ;É possível que tenhamos combates perto do prédio do Ministério do Interior. Se a Guarda Presidencial estiver lá, estou certo de que abrirá fogo contra nós;, disse. O tráfego ferroviário está interrompido desde ontem e a companhia aérea EgyptAir cancelou todos os voos entre 17h (13h em Brasília) de hoje e 10h (6h) de amanhã. Preocupada com a possibilidade de um banho de sangue, a Casa Branca exortou o presidente Mubarak a manter a calma. ;Estamos até agora satisfeitos com a moderação que tem ocorrido e estimulamos isto, mesmo quando vemos os informes de um aumento da participação dos protestos de amanhã (terça-feira);, comentou ontem o porta-voz Robert Gibbs. Na véspera do megaprotesto, milhares de turistas começaram a abandonar o Cairo (leia na página 19).

Na noite de ontem (hora local), o vice-presidente Michel Suleiman atendeu ao pedido de Mubarak e propôs um diálogo ;imediato; com os adversários políticos. De acordo com Suleiman, as autoridades trabalham na implementação das decisões das cortes de apelação que contestaram os resultados das eleições legislativas. O vice prometeu que o governo se mobilizaria para ;dar conta o quanto antes das prioridades de combater o desemprego, a pobreza, a corrupção e alcançar o equilíbrio demandado entre salários e preços;. Num gesto de concessão mínima, o presidente demitiu o polêmico ministro do Interior, Habib El-Adli, odiado pela população e suspeito de ter ordenado torturas. Em seu lugar, ele colocou Mahmud Wagdi ; o dirigente da polícia e ex-diretor de presídios é considerado um ;linha-dura;. Farouk Hosni, ministro da Cultura desde 1987, também foi despedido após anunciar que queimaria os livros israelenses que encontrasse no Egito. No entanto, aliados do governo preservaram seus cargos, incluindo o chanceler, Ahmed Aboul Gheit, e o ministro da Defesa, general Mohamed Hussein Tantaoui.

Sem retorno

A oferta de Suleiman e a ;reestruturação; do governo podem se revelar inócuas. Horas antes, a Irmandade Muçulmana, o principal grupo de oposição, havia rejeitado o novo governo e defendido que as manifestações ocorram até a queda do regime. ;A Irmandade Muçulmana (;) anuncia sua total recusa à composição do novo governo, que não respeita a vontade do povo. E convida o povo a continuar a participar nas manifestações por todo o Egito, para que todo o regime ; presidente, partido no poder, ministros e Parlamento ; abandone o poder;, afirma.

Amr ElBeleidy, morador do Cairo, acusou Mubarak de manter ministros. ;As pessoas estão demandando que o regime acabe;, lembrou. O egípcio contou que poucos policiais estavam nas ruas, a maior parte controlando o trânsito. ;Há pouca interação entre o povo e a polícia. Teremos a ;marcha de um milhão; amanhã (hoje) e espero ver o maior número de manifestantes desde o início do levante. O que vai acontecer ninguém sabe;, disse ElBeleidy.

ANÁLISE DA NOTICIA


Barack Obama lava as mãos
No domingo, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu ao colega Hosni Mubarak que permita uma ;transição que responda às aspirações do povo;. Em resumo, o líder da nação que se orgulha por ser uma espécie de paladina da democracia não podia vendar os olhos para a violação dos direitos civis, mesmo que cometida por um aliado histórico. Obama provavelmente percebe que a violenta repressão policial no Egito tornou insustentável a situação de Mubarak. A declaração do mandatário americano foi vista, em um primeiro momento, como a decretação da morte política do egípcio.

A Casa Branca tratou ontem de calibrar as palavras de Obama, recusou-se a pedir a renúncia de Mubarak e afirmou, por meio do porta-voz, que essa é uma demanda que cabe ao povo do Egito. É possível que Israel esteja por trás do novo discurso dos EUA. Para o premiê Benjamin Netanyahu, a presença de Mubarak é fator de contenção em uma região explosiva. A aliança israelo-egípcia ajuda a aplacar os ânimos de países árabes que veem na nação judaica um inimigo mortal. Obama também reconhece que o vácuo de poder no Egito abriria espaço para forças islâmicas radicais. (RC)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação