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No Egito, confrontos entre opositores e simpatizantes deixam ferem 611

Protegida dentro de prédio, ativista fala ao Correio

postado em 03/02/2011 08:00
Por volta das 15h20 de ontem (19h20 no Cairo), a egípcia Ghada Shahbandar estava refugiada em um dos prédios da Praça Tahrir, no centro do Cairo. Enquanto falava ao Correio, por telefone, os tiros interromperam por alguns segundos a renomada ativista dos direitos humanos. Ela tentou manter a calma e descreveu o que ocorria do lado de fora. ;Há tiros agora vindo; Há tiros vindo de baixo da rua e o Exército está tentando controlar a situação;, relatou, em meio ao som dos disparos. ;Vi vários manifestantes feridos por pedras e facas;, acrescentou. De acordo com Ghada, às 14h30 (hora local), milhares de partidários do presidente Hosni Mubarak invadiram a praça. ;De um lado, vieram com gás lacrimogêneo. Do outro, tomaram dois prédios, subiram nos telhados e começaram a lançar coquetéis molotov contra a multidão;, contou a egípcia, que se referiu a Tahrir como um ;campo de batalha;. ;Agentes do Ministério do Interior do regime de Mubarak estão batendo nas pessoas e ateando fogo a elas. É um ataque brutal e sem precedentes, é como se fosse uma zona de guerra;, concluiu. Até o fechamento dessa edição, o Ministério da Saúde do Egito confirmava um morto e pelo menos 611 feridos. ;Há uma morte, é um membro das forças armadas;, declarou o porta-voz Abderamán Shahine.

Ao ser questionada se acredita que Mubarak teria dado a ordem para atacar a multidão em Tahrir, Ghada respondeu: ;Sem sombra de dúvidas;. Segundo ela, o presidente se opôs à vontade de 5 milhões de egípcios, insistiu em permanecer (no poder) e enviou seus homens para matar manifestantes que estavam desarmados. Em outro ponto da praça, o também egípcio Mohammed Ghorab atendeu o telefone com a voz ofegante. ;Não posso falar agora, a situação é muito caótica. Milhares de manifestantes pró-Mubarak estão batendo em nós e vêm em nossa direção com pedaços de pau e pedras;, relatou, enquanto se ouviam gritos ao fundo. Segundo a agência de notícias France-Presse, dois coquetéis molotov caíram no pátio do Museu Arqueológico Egípcio, mas o fogo não se espalhou e as riquezas da época dos faraós foram preservadas.

Ghorab disse que a multidão reunida em Tahrir imaginou, em um primeiro momento, que os governistas avançavam pacificamente. ;De repente, alguns confrontos começaram e as forças pró-Mubarak chegaram, montados em cavalos e camelos, batendo nas pessoas com pedaços de pau;, afirmou. Ele acusou os soldados egípcios de permanecerem estáticos ante a violência. ;Também ouvi disparos, mas não pude distinguir de onde viam.; O egípcio não se feriu, mas teve amigos atingidos por pedras. ;Um deles machucou a cabeça e está sendo atendido, mas creio que esteja bem.; A situação atingiu um nível de tensão tão grande que as tropas se viram obrigadas a disparar tiros de advertência para o alto, enquanto a multidão gritava ;O exército e o povo de mãos dadas;.

Em nota, a Casa Branca informou que ;deplora e condena; a violência contra ;manifestantes pacíficos;. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, considerou ;inaceitável; qualquer ataque do gênero. ;Qualquer ação contra os manifestantes pacíficos é inaceitável e eu o condeno energicamente;, disse. Em outro incidente, um confronto entre manifestantes e a polícia deixou 12 mortos no vilarejo de Beni Suef, 115km ao sul do Cairo.

Apelos
Pouco antes de a violência explodir em Tahrir, o Exército do Egito tinha apelado aos manifestantes que interrompessem os protestos e voltassem para casa. ;Vocês começaram a sair para expressas suas demandas e são os únicos capazes de restaurar a vida normal;, afirmou, por meio de um comunicado. À noite, o vice-presidente Omar Suleiman reiterou o pedido e condicionou o diálogo com a oposição ao fim dos protestos. O toque de recolher foi reduzido e, desde ontem, vigora das 17h às 7h. As autoridades egípcias também restabeleceram os serviços de internet, interrompidos desde segunda-feira.

Ghada se recusa a escutar os pedidos do exército e do governo para que os protestos terminem. ;Como ativista dos direitos humanos, não quero mais pessoas mortas ou feridas. Não pretendemos falar sobre política ou concessões, mas sobre as violações dos direitos humanos que ocorreram aqui;, desabafou. Integrante da diretoria da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), ela contou que a situação estava mais calma às 18h20 de ontem (22h20 no Cairo). ;O Exército conseguiu repelir os simpatizantes de Mubarak e o número de manifestantes até aumentou em Tahrir;, disse.

A organização Irmandade Muçulmana, principal força antigovernamental, divulgou um comunicado sobre a intenção de Mubarak de permanecer no poder até setembro. ;O povo rejeita todas as medidas parciais propostas pelo chefe do regime e não aceita outra alternativa a não ser sua saída;, afirma o grupo. O líder opositor e Nobel da Paz Mohammed ElBaradei insistiu na mesma solução. ;Mubarak tem que renunciar. Ninguém o quer no Egito. O povo egípcio reconquistou sua dignidade e não recuará;, declarou à rede de TV Al-Jazeera.


Ela estava lá
Protegida dentro de prédio, ativista fala ao Correio
;Estávamos protestando pacificamente, sob supervisão do Exército egípcio. O regime de Mubarak começou a atacar a praça, a atacar pessoas totalmente desarmadas. Usaram gás, facas, coquetéis molotov e pedras. Há muita gente ferida. Fizeram uma clínica de tenda, mas não estão conseguindo lidar com tantos feridos. Por favor, relate isso ao mundo: o que houve aqui foi um crime contra a humanidade;

Ghada Shahbandar, egípcia, ativista dos direitos humanos

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