postado em 06/02/2011 10:10
Rashad al Bayumi, porta-voz da Irmandade Muçulmana (grupo opositor ao regime do presidente Hosni Mubarak), negou que esteja ocorrendo uma ;revolução islâmica; no Egito e disse que a organização pretende se manter em um segundo plano nas manifestações para evitar que os protestos sejam vistos como um movimento religioso. ;Não queremos que (as manifestações) sejam apresentadas como uma revolução da Irmandade Muçulmana, islâmica. É um levante do povo egípcio;, afirmou Al-Bayumi em entrevista que será publicada na edição de amanhã da revista alemã Der Spiegel, mas teve alguns trechos antecipados ontem por agências de notícias internacionais.O número dois da organização islamita lamentou ainda que o regime de Mubarak ;transmita voluntariamente uma visão deformada do movimento e manipule a opinião pública;. ;O Ocidente não quer nos ouvir. Não somos diabos. Queremos a paz, não a violência. Nossa religião não é diabólica. Nossa religião respeita os fiéis de outras crenças, esses são nossos princípios;, assegurou.
A crise política no Egito deixou a Irmandade Muçulmana em evidência. Alguns analistas temem que o grupo tome o poder e transforme o país africano em uma espécie de novo Irã, o que seria muito prejudicial aos Estados Unidos e a Israel, que hoje têm com o Egito um acordo de paz, malvisto por vários líderes árabes (leia mais na página 24). À mesma edição da Der Spiegel o senador republicano americano John McCain disse ser um grave erro deixar a organização participar de um possível governo de transição. ;A Irmandade Muçulmana é um grupo extremista, que tem como principal objetivo a instauração da Sharia, o código de leis islâmicas. É totalmente antidemocrático, em especial no que se refere aos direitos das mulheres;, afirmou o político.
Desafios
Para alguns especialistas, no entanto, a influência da organização não será necessariamente tão negativa. Toby Jones, professor de história do Oriente Médio na Universidade Rugters de Nova Jersey, diz que o cenário com o grupo islâmico na política pode ser muito mais democrático do que se imagina. ;A Irmandade é uma instituição muito organizada e renunciou à violência. Em um Egito democrático, ele será um partido como os outros e deverá enfrentar novos desafios. O fato de ser um grupo religioso não deve definir tanto a parte política;, afirmou ao Correio.
Os protestos no Egito se espalharam por outros países do mundo árabe como Síria, Iêmen, Jordânia e Líbano, onde a Irmandade tem ramificações. Para o professor americano, os contatos feitos pela organização no Oriente Médio com outros grupos islamitas fazem parte de um processo histórico e podem ser positivos. ;Eles mantêm certa influência além da fronteira e ajudaram a moldar a reposta às autoridades cujos regimes falharam. O grupo surgiu por insatisfação com a situação do Egito como uma colônia britânica e, depois de 1967, seus princípios se espalharam pela região com a Guerra dos Seis Dias;, comentou Jones.
Já o pesquisador do Instituto do Oriente Médio de Washington Mohamed Elmenshawy acredita que a Irmandade poderá de fato ter um papel relevante em um novo governo, mas não vê as manifestações no Egito como um movimento islâmico apenas. ;A revolução não é religiosa, mas se ela, de fato, acontecer, o Egito terá um governo democrático, a Irmandade poderá fazer parte de uma nova força política e com bastante influência;, disse.
Para saber mais
Fé e política
Forte opositora do governo de Hansi Murabak, a Irmandade Muçulmana é a maior organização islâmica do mundo, surgida há mais de 80 anos no Egito e com sede em 70 países. O movimento, que começou como uma forma de valorizar a tradicional religião, tomou proporções políticas. Ao contrário de alguns grupos que pregam o islã, ele não defende a violência como tática para atingir seus objetivos. O grupo aposta na reforma governamental, no poder do voto e na participação popular.
O movimento foi fundado em 1923 por Hassan Al-Banna e influenciou diversas outras organizações no mundo árabe pela postura ativista combinada como um trabalho social junto à comunidade islamita. A organização, que começou para divulgar a moral religiosa, caminhou rumo à política durante a independência do Egito na mesma década. Nos anos 1980, eles se aliaram com dois partidos e começaram a formar, oficialmente, uma oposição ao governo de Murabak, que assumiu o poder em 1975.
Há seis anos, a Irmandade conseguiu uma participação expressiva nas eleições e recebeu em retorno uma forte repressão do presidente. O governo prendeu centenas de membros do grupo e o movimento foi oficialmente banido. Em janeiro de 2010, o professor de medicina veterinária de 67 anos Mohamed Badie foi eleito guia supremo da organização. Ele afirmou que o grupo estaria disposto a negociar com o regime apenas durante a transição. Um de seus aliados e possível candidato à Presidência é o vencedor do prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei. (TS)