postado em 06/02/2011 10:10
Rashad al Bayumi, porta-voz da Irmandade Muçulmana (grupo opositor ao regime do presidente Hosni Mubarak), negou que esteja ocorrendo uma ;revolução islâmica; no Egito e disse que a organização pretende se manter em um segundo plano nas manifestações para evitar que os protestos sejam vistos como um movimento religioso. ;Não queremos que (as manifestações) sejam apresentadas como uma revolução da Irmandade Muçulmana, islâmica. É um levante do povo egípcio;, afirmou Al-Bayumi em entrevista que será publicada na edição de amanhã da revista alemã Der Spiegel, mas teve alguns trechos antecipados ontem por agências de notícias internacionais.![Em Beirute, manifestantes carregam imagem do fundador da Irmandade, Al-Banna: presença em 70 países](https://imgsapp2.correiobraziliense.com.br/app/noticia_127983242361/2011/02/06/236285/20110206102904749473e.jpg)
A crise política no Egito deixou a Irmandade Muçulmana em evidência. Alguns analistas temem que o grupo tome o poder e transforme o país africano em uma espécie de novo Irã, o que seria muito prejudicial aos Estados Unidos e a Israel, que hoje têm com o Egito um acordo de paz, malvisto por vários líderes árabes (leia mais na página 24). À mesma edição da Der Spiegel o senador republicano americano John McCain disse ser um grave erro deixar a organização participar de um possível governo de transição. ;A Irmandade Muçulmana é um grupo extremista, que tem como principal objetivo a instauração da Sharia, o código de leis islâmicas. É totalmente antidemocrático, em especial no que se refere aos direitos das mulheres;, afirmou o político.
Desafios
Para alguns especialistas, no entanto, a influência da organização não será necessariamente tão negativa. Toby Jones, professor de história do Oriente Médio na Universidade Rugters de Nova Jersey, diz que o cenário com o grupo islâmico na política pode ser muito mais democrático do que se imagina. ;A Irmandade é uma instituição muito organizada e renunciou à violência. Em um Egito democrático, ele será um partido como os outros e deverá enfrentar novos desafios. O fato de ser um grupo religioso não deve definir tanto a parte política;, afirmou ao Correio.
Os protestos no Egito se espalharam por outros países do mundo árabe como Síria, Iêmen, Jordânia e Líbano, onde a Irmandade tem ramificações. Para o professor americano, os contatos feitos pela organização no Oriente Médio com outros grupos islamitas fazem parte de um processo histórico e podem ser positivos. ;Eles mantêm certa influência além da fronteira e ajudaram a moldar a reposta às autoridades cujos regimes falharam. O grupo surgiu por insatisfação com a situação do Egito como uma colônia britânica e, depois de 1967, seus princípios se espalharam pela região com a Guerra dos Seis Dias;, comentou Jones.
Já o pesquisador do Instituto do Oriente Médio de Washington Mohamed Elmenshawy acredita que a Irmandade poderá de fato ter um papel relevante em um novo governo, mas não vê as manifestações no Egito como um movimento islâmico apenas. ;A revolução não é religiosa, mas se ela, de fato, acontecer, o Egito terá um governo democrático, a Irmandade poderá fazer parte de uma nova força política e com bastante influência;, disse.
Para saber mais
Fé e política
Forte opositora do governo de Hansi Murabak, a Irmandade Muçulmana é a maior organização islâmica do mundo, surgida há mais de 80 anos no Egito e com sede em 70 países. O movimento, que começou como uma forma de valorizar a tradicional religião, tomou proporções políticas. Ao contrário de alguns grupos que pregam o islã, ele não defende a violência como tática para atingir seus objetivos. O grupo aposta na reforma governamental, no poder do voto e na participação popular.
O movimento foi fundado em 1923 por Hassan Al-Banna e influenciou diversas outras organizações no mundo árabe pela postura ativista combinada como um trabalho social junto à comunidade islamita. A organização, que começou para divulgar a moral religiosa, caminhou rumo à política durante a independência do Egito na mesma década. Nos anos 1980, eles se aliaram com dois partidos e começaram a formar, oficialmente, uma oposição ao governo de Murabak, que assumiu o poder em 1975.
Há seis anos, a Irmandade conseguiu uma participação expressiva nas eleições e recebeu em retorno uma forte repressão do presidente. O governo prendeu centenas de membros do grupo e o movimento foi oficialmente banido. Em janeiro de 2010, o professor de medicina veterinária de 67 anos Mohamed Badie foi eleito guia supremo da organização. Ele afirmou que o grupo estaria disposto a negociar com o regime apenas durante a transição. Um de seus aliados e possível candidato à Presidência é o vencedor do prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei. (TS)