postado em 06/02/2011 10:30
Quando o tunisiano de 26 anos Mohamed Bouazizi ateou fogo ao corpo, talvez jamais imaginasse a repercussão de seu gesto extremo de desespero e revolta. Se estivesse vivo, o ambulante humilhado por uma autoridade de Sidi Bouzid (centro da Tunísia) veria uma chama ardente por mudanças se espalhar por vários países árabes. Sua morte, no mês passado, atiçou um movimento popular que levou o presidente Zine El Abidine Ben Ali à derrocada. Por sua vez, a deposição de Ben Ali ; no controle do país havia 23 anos ; inspirou revoltas em vários países da região e deixou líderes autoritários em apuros. O egípcio Hosni Mubarak agoniza no poder. O rei da Jordânia, Abdullah II, reformou o gabinete. O presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, prometeu se ;aposentar; logo. ;Estamos assistindo a um genuíno levante no mundo árabe contra as ditaduras, a estagnação econômica, o desemprego, governos ineficientes e ruins e a corrupção;, afirma ao Correio o americano Eric Margolis, colunista de política externa do site The Huffington Post e ex-correspondente de guerra. ;O domínio político e militar dos Estados Unidos no mundo árabe está seriamente ameaçado;, admitiu, ao comparar o fenômeno às revoltas de 1989, no Leste Europeu.
A crise financeira global acentuou o desemprego ; um problema sistêmico em vários países árabes. No Iêmen, 35% da população é formada por desocupados. ;Os manifestantes estão cansados de regimes corruptos, que tolhem os direitos básicos da população;, explica o italiano Lorenzo Vidino, especialista em islamismo e violência política pela Rand Corporation. Ele prefere não tecer previsões sobre a derrubada de regimes. ;Vários governos árabes são mestres em manter o poder, por meio de uma mistura de concessões e de dura repressão, e têm feito isso por décadas;, afirma.
No entanto, Vidino admite que o fenômeno não tem precedentes e crê na renúncia de ditadores, como o iemenita Ali Abdullah Salleh. Apesar de não prever uma mudança tão drástica, o analista italiano aposta que os regimes árabes extraíram lições importantes do que ocorreu na Tunísia. ;Eles entenderam que precisam resolver a insatisfação de seus povos, caso queiram sobreviver. Ficarei surpreso se a maior parte deles não realizar mudanças substanciais em suas políticas econômicas, combater a corrupção e abrir mais espaço para a democracia;, conclui.
Para o kuweitiano Khalil Marrar, cientista político da DePaul University (em Chicago), os levantes estão mudando a dinâmica de toda a região. ;É um fenômeno sem volta;, garante. ;A aquiescência das populações árabes com o deficit de democracia é coisa do passado;, acrescenta. Marrar afirma que as motivações para a onda de levantes incluem questões econômicas, sociais e até tecnológicas. De acordo com ele, os altos índices de desemprego, o preço elevado das commodities, a população jovem e o acesso à mídia global ajudaram a fomentar a revolta e a organizar protestos. ;Não podemos subestimar o papel da TV Al-Jazeera, do (site de relacionamentos) Facebook e do (microblogue) Twitter;, lembra.
Israel
Margolis sustenta que o fenômeno atual é uma ameaça para Israel e para a dominação dos EUA no Oriente Médio. ;Muito da política norte-americana para a região é voltado à proteção das bases militares, ao controle do petróleo e à manutenção do domínio de Israel. Os tratados de paz firmados pelo Egito e pela Jordânia com Israel são odiados pelos países árabes;, observa o colunista.
O receio de uma ;democracia árabe; dar lugar a um regime islâmico preocupa os analistas. De acordo com Vidino ; autor de A Nova Irmandade Muçulmana no Ocidente ;, os levantes não envolvem diretamente o islã e a sharia (lei islâmica). Apesar de descartar uma islamização na Tunísia, onde o grupo Al-Nahda é pouco influente, ele alerta que a Irmandade Muçulmana conta com amplo apoio no Egito. ;Existe o medo de vermos a repetição do que ocorreu no Irã, em 1979, quando um movimento pluralista de oposição ao xá Reza Pahlevi foi sequestrado lentamente pelos islamistas;, afirma Vidin. As implicações de um Egito ou de uma Jordânia controlados pela Irmandade Muçulmana seriam muitas, a começar pelo tratamento dado aos acordos de paz com Israel.