postado em 07/02/2011 08:55
No primeiro passo rumo à transição democrática, o vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, deu início ao diálogo com as forças políticas do país, incluindo a Irmandade Muçulmana, principal movimento de oposição. Na quinta-feira, ele havia convidado os partidos a discutir a transição, mas, até sábado, lideranças contrárias a Hosni Mubarak se recusavam a conversar, colocando como condição a renúncia do presidente.Mesmo sem o afastamento de Mubarak, porém, Suleiman conseguiu reunir os partidos ontem, na sede do Conselho de Ministros. Entre as principais medidas a serem tomadas, foi estabelecida a criação de um comitê, que deverá ser oficializado até março, encarregado de realizar reformas constitucionais. De acordo com o porta-voz do governo, Magdi Radi, houve consenso na reunião sobre a formação do comitê, que ;contará com o Poder Judiciário e um certo número de personalidades políticas, para estudar e propor as emendas constitucionais e legislativas que se fizerem necessárias;. As principais reformas da Constituição devem alterar os artigos 76 e 77, que estipulam os critérios para a candidatura à presidência e a quantidade máxima de mandatos do chefe de Estado.
Entre as concessões prometidas, estão o fim ao estado de emergência, decretado em 1981, a liberdade de imprensa e a libertação dos líderes dos protestos, que foram presos ao longo das duas últimas semanas. No encontro, parte da oposição pediu que Suleiman assumisse os poderes de Mubarak, pois o artigo 139 da Constituição do Egito permite que o presidente os delegue ao vice. Suleiman, porém, negou o pedido.
Além da Irmandade Muçulmana, que não era convidada ao diálogo desde 1954, participaram do encontro alguns grupos presentes nas manifestações realizadas desde 25 de janeiro. ;Vamos participar do diálogo para debater, principalmente, a transição, a escolha de um novo presidente e de um novo parlamento que represente o povo;, declarou à agência de notícias AFP Essam Al-Aryane, alto dirigente da Irmandade Muçulmana. Ainda assim, o principal movimento opositor ao governo considerou as propostas insuficientes. ;As demandas são sempre as mesmas. O governo não respondeu à maioria delas, apenas a algumas, e de forma superficial;, acusou Al-Aryane.
Renúncia
;O protesto continua porque não houve garantias e não foram cumpridas todas as exigências;, criticou Mosfatá Al-Naggar, partidário do prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei. ;Aprovamos o que havia de positivo, mas ainda exigimos que o presidente renuncie;, afirmou. ElBaradei, que não foi convidado a participar do encontro, afirmou ao canal de tevê americano NBC que as discussões de ontem foram ;opacas;. A saída do presidente, porém, está cada vez mais improvável. Em entrevista à rede de TV CNN, o primeiro-ministro do Egito, Ahmed Shafiq, reforçou que Mubarak fica no cargo até as eleições. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, também disse que pode ser necessário manter o presidente até o pleito.
Os Estados Unidos saudaram a iniciativa da reunião, principalmente a inclusão da Irmandade Muçulmana. ;Soubemos da participação da Irmandade Muçulmana, indicando que, pelo menos, estão envolvidos no diálogo que estimulamos;, afirmou Hillary.
No sábado, os EUA já haviam se manifestado otimistas com a renúncia da cúpula do Partido Nacional Democrata, que abriu mão da liderança da legenda, incluindo Gamal Mubarak, filho e herdeiro político do atual presidente. Logo depois do anúncio, o ex-embaixador americano no Egito Frank Wisner fez uma declaração polêmica à imprensa, defendendo a manutenção de Hosni Mubarak na liderança do processo de transição. Ele se referiu ao presidente como ;um velho amigo dos EUA; e afirmou que a condução das mudanças pelas mãos de Mubarak era ;crucial;. O governo americano rapidamente se manifestou, garantindo que as declarações de eram pessoais e não em nome do país.
União
No 13; dia de protestos, o Egito começou a voltar à normalidade. Embora os manifestantes prossigam acampados na Praça Tahrir, no Cairo, o clima era calmo. As ruas estavam cheias de motoristas e pedestres. Alguns bancos e estabelecimentos comerciais abriram as portas.
Pela tarde, muçulmanos e cristãos rezaram na praça. Os muçulmanos realizaram a prece diária das 12h e ajoelharam-se em direção a Meca. Depois, um grupo evangélico entoou duas canções, uma delas pedindo a paz, enquanto milhares de pessoas agitavam a bandeira egípcia fazendo o v da vitória com as mãos. Em seguida, um religioso cristão, Ihab Jarrat, recitou alguns salmos.
Milhares de manifestantes aproveitaram a oportunidade para lançar a mensagem de que as duas religiões estavam unidas contra Mubarak. ;Os muçulmanos e os cristãos do Egito dizem: ;Vá embora, presidente;;, declarou Jarrat, filho do escritor egípcio Edward Jarrat. Imediatamente, a multidão entoou o lema habitual: ;Mubarak, vá agora;. Os cristãos representam entre 6% e 10% dos 80 milhões de egípcios. A maioria é formada por ortodoxos, cujo patriarca, Shenuda III, pediu para que os fiéis não participassem das manifestações.
Partido banido
; O Ministério do Interior da Tunísia anunciou ontem a suspensão das atividades da Assembleia Constitucional Democrática (RCD), o partido do presidente deposto Zine El Abidine Ben Ali, e o fechamento de todos os seus escritórios, em um comunicado lido na televisão. ;Com o objetivo de preservar o interesse supremo da nação e evitar qualquer violação da lei, o ministro do Interior decidiu suspender todas as atividades do RCD, proibir todas as reuniões e concentrações organizadas por seus membros e fechar todos os locais que pertencem ao partido ou que são geridos pelo mesmo;, informou o comunicado.
O ;faz-tudo; da diplomacia
O homem que conserta qualquer coisa. Entre negociadores internacionais, é assim que Omar Suleiman, 74 anos, vice-presidente do Egito, é conhecido. Em praticamente duas décadas como chefe da inteligência do país, ele esteve envolvido em quase todas as questões delicadas do Oriente Médio. Ajudou a negociar acordos de cessar-fogo, mediou conflitos entre israelenses e palestinos e até ajudou a interrogar suspeitos de terrorismo. Para muitos políticos egípcios, Suleiman é a esperança no desfecho de um desafio ainda maior: encontrar uma solução pacífica para a pior crise interna já enfrentada
Saído da carreira militar para a política, o vice-presidente é visto como um líder sólido e competente, que tem o respeito do Exército, assim como o dos governos do Oriente Médio e do resto do mundo. Entre a população, porém, não é tão bem aceito, por estar vinculado ao serviço de inteligência. Ele é criticado por organizações de direitos humanos por ter trabalhado com a CIA em um programa de captura de suspeitos de terrorismo. Diversos ex-detentos afirmaram, depois, que foram torturados.
Mas, ao menos na teoria, Suleiman parece ter experiência e temperamento para enfrentar tempos de turbulência. Nascido em 1936, na cidade de Qena, serviu ainda jovem em três guerras, incluindo os conflitos entre o Egito e Israel em 1967 e 1973. Mais tarde, tornou-se o chefe da inteligência militar, até ser promovido por Hosni Mubarak a chefe do Serviço-Geral de Inteligência do país.
No caso de Suleiman, o cargo trouxe responsabilidades como promover a reaproximação entre as facções palestinas rivais Hamas e Fatah, por exemplo. Entre os dois lados, foi considerado um mediador ;brilhante e imparcial;. Os líderes israelenses também têm ótimas relações com o vice-presidente. Com o país, compartilha a preocupação do crescimento da influência do Irã no Oriente Médio. Já nos Estados Unidos, é considerado um dos mais poderosos chefes de inteligência do mundo árabe.
Entre a multidão que protesta nas ruas do Egito, Suleiman é tido como o mais leal subordinado de Mubarak. Além disso, teme-se que ele se sujeite aos EUA. ;Um homem como Suleiman seria como um agente a serviço da América para preservar a estabilidade na região. O que é um eufemismo para a ditadura;, disse recentemente Tom Malinowski, diretor da organização Humans Righst Watch, ao jornal norte-americano The Washington Post.