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Opositores ignoram reforma política e exigem a renúncia imediata de Mubarak

postado em 09/02/2011 09:25
Quando a jornalista Aliaa Hamed, 27 anos, colocou os pés na Praça Tahrir, no centro do Cairo, sentiu orgulho por ser egípcia. ;Eu pude respirar a liberdade e soube que podemos conquistá-la;, contou ao Correio, pela internet. Ela atravessou o bloqueio imposto pelo exército às 15h de ontem (11h em Brasília) e ficou impressionada com o que viu. ;O que presenciei foi algo incrível. Havia cerca de 2 milhões de egípcios ali, pessoas de diferentes faixas etárias, credos e culturas;, acrescentou. O webdesigner Tarek Shalaby, 26 anos, já estava lá desde 1; de fevereiro, véspera da sangrenta invasão de simpatizantes do presidente Hosni Mubarak. ;Os revolucionários se reuniram novamente. Hoje, presenciei uma das grandes manifestações da história do Egito;, afirmou, por telefone.

O maior protesto desde o início da revolta contra Mubarak, em 25 de janeiro, foi galvanizado pelas palavras de Wael Ghonim ; o diretor da companhia Google que foi preso em 28 de janeiro e libertado ontem. ;Este país é nosso país. (;) Vocês têm uma voz neste país. Não é hora de conflito de ideias, facções ou ideologias. O Egito está acima de tudo;, declarou, do alto de um palco improvisado e diante faixas com a frase ;O povo exige a remoção do regime;. Dezenas de milhares de pessoas também se reuniram em outras grandes cidades. Em Alexandria, no norte do país, 20 mil opositores saíram às ruas.

Horas antes de tomar parte no protesto em Tahrir, Ghonim revelou detalhes do cárcere. ;Tive os olhos vendados durante 12 dias, eu não escutava nada, não sabia de nada;, relatou à TV Dream 2. ;Não sou herói. Os heróis são os que estavam nas ruas;, disse, sem esconder a emoção. A prisão de Ghonim aumentou a revolta contra Mubarak e tornou inócuas as primeiras medidas de reforma política anunciadas pelo regime. Na segunda-feira, o presidente tinha prometido aumento de 15% nos salários dos funcionários públicos e nas aposentadorias, a partir de 1; de abril.

Ontem, o vice-presidente Omar Suleiman anunciou a criação de um comitê autorizado a corrigir a Constituição, a fim de permitir a realização de eleições ;livres, justas e competitivas;. As autoridades debatem a concessão de mais liberdade de imprensa, a libertação de presos políticos e a suspensão do estado de emergência. ;Isso é besteira. Mubarak sabe que perdeu toda a credibilidade e tem medo de ir a julgamento. Infelizmente, algumas pessoas compraram a ideia das refomas. Mas quem se importa com essa revolução sabe que merecemos outro presidente;, afirmou Shalaby. Ontem, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, telefonou para Suleiman e pediu ao colega que amplie o diálogo com a oposição. O secretário de Defesa americano, Robert Gates, exigiu que a transição democrática seja realizada ;em ordem;.

Insustentável
De acordo com o egípcio Samer Shehata, professor de política árabe da Georgetown University (em Washington), a situação no Egito atingiu a insustentabilidade. ;Quando você tem centenas de milhares de pessoas nas ruas, apelando para que o presidente renuncie, e ainda assim o regime não dá sinais de escutar as demandas da população, isso é instabilidade;, disse. O engenheiro Maged Sobhy, 42 anos, criticou os protestos em Tahrir e chamou os manifestantes de ;anarquistas;. ;Não estou feliz com o que está ocorrendo. Mubarak é um herói de guerra e manteve o Egito seguro pelos últimos 30 anos;, desabafou, pela internet. ;Ele fez muitas coisas horríveis, mas respeita os mais velhos. No geral, fez mais coisas boas do que ruins;, acrescentou. Ontem, o ministro luxemburguês das Relações Exteriores, Jean Asselborn, disse ao jornal alemão Tagesspiegel que a Alemanha deve estudar a possibilidade de acolher Mubarak, caso ele resolva abandonar o país.


De carona no avião presidencial

O primeiro-ministro francês, o conservador François Fillon, admitiu ter usado o avião do presidente egípcio, Hosni Mubarak, nas férias do Natal passado. Por meio de um comunicado, o chefe de governo contou ter recebido ;um convite das autoridades egípcias (;) para utilizar um avião da esquadrilha governamental egípcia para viajar de Assuan a Abu Simbel;. Segundo a nota, durante a estada no Egito, o premiê fez um passeio de barco pelo Rio Nilo, visitou um templo e foi hospedado pelas autoridades egípcias.


Três perguntas para Heba Fatma Morayef, analista da ONG Human Rights Watch (HRW) no Egito

Que tipos de denúncias de violações dos direitos humanos vocês receberam nas últimas duas semanas?
Nos primeiros dois dias, soubemos da detenção de centenas de manifestantes. Também recebemos relatos sobre espancamentos e sobre o uso de gás lacrimogêneo. Em 28 de janeiro, mais uma vez vários opositores foram presos e centenas de pessoas ficaram feridas. Ainda estamos processando os documentos relacionados a violações cometidas contra protestos pacíficos diante do Ministério do Interior.

Quantas pessoas foram mortas pelo regime?
Isso é algo que ainda estamos apurando. E continuaremos trabalhando com essa investigação. Temos números baseados em entrevistas com médicos que eram os responsáveis pela ala de emergência dos hospitais. Em alguns casos, conseguimos obter o nome dos mortos. Em nossa base de dados, o número total de mortos é de 302. As autoridades do Egito não nos forneceram nenhuma estatística.

A Human Rights Watch pretende processar o governo egípcio por esses crimes?
Nossa posição é de que as autoridades do Ministério do Interior devem ser processadas pelas violações aos direitos humanos. Nosso apelo é para que aqueles responsáveis por essas violações sejam processados pela Justiça do Egito.


A voz do povo


;Vocês precisam entender algo sobre os manifestantes e a maioria dos egípcios. Nós não acreditamos mais em Mubarak ou em qualquer coisa que ele faça. Depois de tudo o que ocorreu, quem vai aplicar suas ordens? Não será um Parlamento falso?;
Aliaa Hamed, 27 anos, jornalista, moradora do Cairo


Sem credibilidade


;O regime do presidente Hosni Mubarak perdeu toda a sua credibilidade. Temos escutado promessas como a criação de comitês para analisar emendas na Constituição. O povo egípcio tem falado. E exige a partida de Mubarak;
Samer S. Shehata, egípcio, professor de política árabe da Georgetown University (em Washington)

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